Editorial

Pierre Alves Costa

Resumo


EDITORIAL

Este editorial é uma singela homenagem a três relevantes professores, pesquisadores e, acima de tudo, pensadores sociais brasileiros. São eles: Celso Furtado (1920-2004), Florestan Fernandes (1920-1995) e Milton Santos (1926-2001). Assim, estendemos a homenagem a todos os brasileiros que se dedicam ao desenvolvimento da ciência brasileira, latino-americana e mundial com ética e humanismo.

Celso Furtado, o mais influente economista nacional, aliou pesquisas de alta qualidade a um compromisso permanente com o desenvolvimento do país e a erradicação da pobreza. Foi um exemplo notável de como se dedicar ao estudo da economia para apresentar transformações sociais. Ele defendia o desenvolvimento como responsabilidade central do Estado, o planejamento como método racional para imprimir sentido e coerência ao trabalho dos milhões de atores anônimos da economia, e a redução e a eliminação das disparidades regionais e sociais como condição de garantia de oportunidades iguais para a autorrealização de todos os brasileiros.

Parafraseando Furtado, ressaltamos que a dimensão política do processo de desenvolvimento é incontornável. O avanço social dos países que lideram esse processo não foi fruto de uma evolução automática e inercial, mas de pressões políticas da população. São essas que definem o perfil de uma sociedade, e não o valor mercantil da soma de bens e serviços por ela consumidos ou acumulados.

O verdadeiro desenvolvimento não o ‘crescimento econômico’ que resulta da mera modernização das classes dominantes só pode existir (ali) onde houver um projeto social subjacente. É só quando prevalecem as forças que lutam pela efetiva melhoria das condições de vida da população que o crescimento se transforma em desenvolvimento.

Florestan Fernandes, sujeito da improvável história do menino pobre que se tornou o primeiro eminente sociólogo brasileiro, incorruptível nas ideias e ações, coerente até a morte. Além de brilhante intelectual orgânico, também foi deputado federal (1986-1994), pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Durante todo período na Câmara dos Deputados, foi extremamente disciplinado e envolvido. Chegava sempre no horário das reuniões e ouvia atentamente os discursos, mesmo quando discordava dos pontos de vista ou quando o plenário estava vazio.

Florestan apresentou 96 emendas à Constituinte, das quais 34 foram aprovadas. Defendeu o ensino público de qualidade, e são de sua autoria as emendas que garantem creche e pré-escola para todas as crianças de zero a seis anos e que asseguram, para indígenas, aulas ministradas em suas línguas nativas. Ele também foi o responsável pela emenda que assegurou 13º salário a todos os trabalhadores e pela que previu direitos iguais a filhos fora do casamento ou adotados. Outro assunto pelo qual Florestan se dedicou ativamente foi a implantação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação, que seriam publicadas apenas um ano após o seu falecimento.

Entretanto, sua atuação mais significativa e pioneira como deputado diz respeito aos direitos da população negra. Em 1993, na revisão da Constituição, Florestan contrariou a decisão do PT e apresentou uma proposta de emenda à Constituição. Ele propunha intervenções no mercado de trabalho e bolsas para estudantes negros. A sua proposta ficou de fora da revisão da Constituição, porém, ela pode ser considerada como parte do processo que legitimou, por exemplo, a política de cotas nas universidades brasileiras.

Em 2005 o MST criou, em Guararema (SP), a Escola Nacional Florestan Fernandes, que pretende ser um local de formação política para os integrantes do Movimento e para militantes de toda a América Latina.

Milton Santos, reconhecido internacionalmente, o mais destacado intelectual negro do Brasil, mudou a Geografia com uma ideia simples: a Geografia não é apenas o estudo de mapas e gráficos, rios e montanhas. A Geografia é feita essencialmente de gente. Dessa forma, instituiu uma noção de espaço geográfico que, enquanto sinônimo de território usado, não é apenas físico, mas uma instância social. Milton revolucionou, dessa maneira, a ciência geográfica, até então descritiva.

Milton foi o primeiro professor negro nomeado Emérito pela USP. Por ter lecionado em mais de vinte universidades pelo mundo, fazia duras críticas à estrutura burocrática que se instalou nas universidades. Ele dizia que “as universidades são culpadas, em parte, pelo empobrecimento da vida intelectual. Elas nos cobram o tempo todo”. E mais: “a universidade é quase sempre muito lenta para descobrir a novidade. A estrutura dela é um mastodonte”.

Milton não temia nenhuma questão relevante da realidade brasileira, mesmo que isso pudesse desagradar ao clube da política ou da academia. Ele possui um perfil claríssimo de um homem de esquerda no final do século XX, o que significa estar radicalmente ao lado da justiça social.

Segundo o geógrafo Roberto Lobato Corrêa, Milton, com a sua imaginação geográfica e sua generosidade social, tornou-se referência obrigatória para todos aqueles que têm a ciência na mente e a generosidade no coração em prol de uma plena justiça social, projeto que se constitui na mais bela tarefa da humanidade.

Prof. Dr. Pierre Alves Costa

Professor dos Cursos de Graduação e Mestrado em Geografia da Unicentro – PR

Co-coordenador do Laboratório de Estudos em Geoeconômica (LABGECON)

– Unicentro

1 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.


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