Artigo 5

A ética no marketing e a liberdade do consumidor: a posição do professor universitário

 

Ethics in marketing and consumer freedom: the position of university professors

 

 

Claudemir Bertuolo Furnielis1, Leninne Guimarães Freitas2 e

Giancarllo Ribeiro Vasconcelos3

 

1 Universidade de Rio Verde - UniRV, Brasil, Doutorando em Administração, e-mail: cbertuolo@uol.com.br

2 Universidade de Rio Verde - UniRV, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: leninne@uol.com.br

3 Universidade de Rio Verde - UniRV, Brasil, Mestrado em Engenharia Mecânica, e-mail: giancarllo@unirv.edu.br

 

Recebido em: 31/01/2017 - Revisado em: 17/05/2017 - Aprovado em: 17/01/2018 - Disponível em: 01/04/2018

Resumo

Este artigo teve como objetivo conhecer o pensamento de professores universitários da disciplina de marketing sobre a atividade do marketing, a ética e a liberdade do consumidor. Entende-se que as empresas, para atingirem os fins a que se propõem, de tal forma que possam gerar lucro para os acionistas ou proprietários e criar e entregar valor para seus clientes, precisam mobilizar diversos setores da empresa, dentre esses, o de marketing. No entanto, se, de um lado, a literatura de marketing atribui o sucesso das estratégias ao atendimento das necessidades e desejos dos consumidores, por outro, há críticas ao marketing quanto à sua subordinação aos processos capitalistas e, ainda, ao uso de práticas desencadeadoras de um processo consumista. Considerando que os conhecimentos de marketing aplicados no mercado também são aprendidos nos bancos das universidades realizaram-se entrevistas semiestruturadas, com professores dos estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Como suporte teórico tem-se que o marketing entrega valor ao cliente e à sociedade e que a ética implica no comportamento moral do indivíduo livre dentro das relações sociais. Ainda que a literatura de marketing não contemple nenhuma ação que possa gerar prejuízos ao cliente, os resultados indicam um reconhecimento dos professores quanto às limitações do marketing para cumprir com os preceitos éticos ao incentivar o consumo com estratégias desvantajosas ao consumidor, mas ao mesmo tempo reconhecem que o indivíduo é livre para consumir. Como sugestão para novas pesquisas indica-se ampliar o número de professores entrevistados e conhecer a opinião dos consumidores.

Palavras-chave: Valor. Consumo. Razão. Liberdade.

Abstract

This article aimed to know the thoughts of marketing professors on marketing practice, ethics and consumer freedom. It is understood that companies, in order to achieve the goals they propose, in such a way that they can generate profits for shareholders or owners and create and deliver value for their clients, must mobilize several sectors of the company, including marketing . However, if, on one hand, marketing literature attributes the success of the strategies to meeting the needs and desires of consumers, on the other hand, marketing draws criticism as to its subordination to capitalist processes and the use of triggering practices of a consumerist process. Considering that marketing knowledge applied in the market is also learned at universities, semi-structured interviews were conducted with professors from the states of Goiás, Minas Gerais and São Paulo. As theoretical support, it is established that marketing delivers value to the client and to society and that ethics implies the moral behavior of the free individual in social relations. Although marketing literature does not approach any action that can cause damage to the client, the results indicate a recognition of the professors on the limitations of marketing to comply with ethical precepts when stimulating the consumption with disadvantageous strategies to the consumer, but at the same time they recognize that the individual is free to consume. As a suggestion for new research, we propose to increase the number of professors interviewed and to know the opinion of consumers.

Keywords: Value for the Client. Consumption. Reason.

 

1 Introdução

O consumo é fato presente na sociedade e as organizações, visando aproveitarem ao máximo as oportunidades, preparam seus homens de negócios para trabalharem com afinco as necessidades e desejos dos indivíduos no sentido de atendê-los. Dentro desta concepção de ações e esforços para dar conta dos anseios de consumo, o marketing aparece como disciplina fundamental para criar valor para o cliente, mantê-lo fiel à empresa e aos seus produtos e serviços, a partir do atendimento de suas necessidade e desejos (Lindgreen; Wynstra, 2005, GERAERTDS, 2012) e, consequentemente, possibilitar lucro à empresa. A criação de valor, de acordo com o marketing, advém das experiências dos clientes, mediante a qualidade do produto, os benefícios percebidos e da interação com a empresa (HOLBROOK, 1999, KOTLER; KELLER, 2012).

No entanto, nesta busca pela retenção do cliente, há apontamentos dos exageros das ações e estratégias do marketing (LUND, 2000), como a indução ao consumismo (BAUMAN, 2008) e o uso de práticas que atendem a interesses do sistema econômico capitalista (D’ANGELO, 2003). Na exposição desses autores, estas táticas que induzem o consumidor a comprar além de suas necessidades desencadeiam questionamentos éticos quanto ao marketing, muitas vezes ligados a uma de suas formas de comunicar o produto ao mercado: vendas. Apesar dos conceitos de marketing não contemplarem em seu mix ações que possam induzir o consumidor a comprar mais do que precisa ou manipulá-lo, as críticas quanto à prática e à própria teoria são grandes e todas as perspectivas críticas contemplam o consumo, conforme demonstram Lund (2000) e D”Angelo (2003).

O consumo, de acordo com Barbosa e Campebell (2006) é uma atividade que garante a sobrevivência do indivíduo e faz parte da sua natureza, é estudada dentro de várias áreas do conhecimento e, segundo os autores, a definição mais utilizada no Brasil é a definição latina, cuja raiz encontra-se em consumere e tem uma dimensão de uso até o esgotamento ao contrário da concepção inglesa, consummation, que passa a ideia de acréscimo, adição.

Nesta discussão sobre o consumo e as críticas ao marketing, surgem os apontamentos quanto à ética, que significa “uma reflexão crítica sobre a moral, buscando refletir e analisar os fundamentos de determinada prescrição ou conjunto normativo” (POLLI; VARES, 2004, p. 77), com vistas a regular as relações sociais para que o indivíduo possa desfrutar de uma vida boa e justa (MATTEO, 2006), mas que só é possível se o sujeito for suficientemente livre para fazer suas escolhas (FURROW, 2007).

Ponderando que os conceitos e conteúdos estratégicos da atividade de marketing aplicados no dia a dia das empresas, bem como os estudos da ética e da liberdade resultam também do aprendizado em sala de aula, entende-se como oportuno saber o que pensam professores responsáveis pela disciplina de marketing em cursos universitários sobre estes temas. A contribuição deste trabalho reside no fato do posicionamento dos docentes influenciar positiva ou negativamente os acadêmicos que, via de regra, farão uso do aprendizado para subsidiar as estratégias junto ao mercado.

Para dar conta do propósito investigativo, o trabalho aborda os principais conceitos teórico e as críticas ao marketing, trata da ética dentro da linha do tempo e a liberdade do homem. Na sequência, aborda-se a metodologia de pesquisa, os resultados e, posteriormente, analisa-se a literatura à luz das respostas dos entrevistados.

 

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 O marketing diante das críticas

Viver em sociedade implica, dentre inúmeras variáveis, integrar-se a sistemas organizacionais que aparecem para “atender às crescentes demandas sociais e mercadológicas, desencadeadas, muitas vezes, pela perspicácia dos agentes de mercado competitivo” (KUNSCH, 2003, p. 19). Nesta perspectiva competitiva, as empresas concorrem para se tornarem líderes em seus mercados e conquistar a atenção dos clientes (PORÉM; SANTOS; BELLUZZO, 2012) disponibilizando produtos e serviços que possam atender às suas necessidades e desejos.

Evidentemente neste cenário em que as organizações estão a todo tempo elaborando produtos e serviços, as ofertas são muitas e as demandas reguladas, e para se obter um espaço no mercado é necessário desenvolver estratégias eficientes (MATTHYSSENS; VANDENBEMPT; BERGHMAN, 2006). No leque de possibilidades existentes para a empresa ‘encontrar-se’ com o consumidor, está a atividade de marketing. Para Adum (2007, p. 2), “o marketing hoje permeia quase todas, senão todas as atividades humanas e desempenha um papel importante na integração das relações sociais e nas relações de troca”. De acordo com a American Marketing Association (AMA), marketing é “a atividade, conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, distribuir e efetuar a troca de ofertas que tenham valor para consumidores, clientes, parceiros e a sociedade como um todo” (2015), definição essa que dará sustentação conceitual a este trabalho.

Percebe-se da definição de marketing da AMA (2015), que as ações estratégicas das organizações devem ser pautadas na construção de relacionamentos com os clientes, tendo como objetivo conseguir relações saudáveis, lucrativas e duradouras. Verifica-se também que a essência do marketing está regulada na relação de troca, na qual as partes envolvidas disponibilizam umas às outras algo de valor, em um movimento recíproco. Em outra frente, nesta relação de troca, a organização deve colocar à disposição do consumidor uma oferta capaz de satisfazer as suas necessidades, desejos e expectativas. Apesar de a literatura apontar que o marketing serve aos clientes atendendo suas necessidades e desejos (STAR, 1989), e que esses fazem uso da razão no processo de compra (Lourenço; Pereira, 2007) e assim, são fundamentais para as empresas e a sociedade (KOTLER; KELLER, 2012), há críticas severas em relação a ele.

Os principais julgamentos são direcionados aos prejuízos que causam ao consumidor (LUND, 2000) e, de acordo com D’Angelo (2003), a desconfiança e os equívocos relacionados à teoria e prática do marketing vêm de muito tempo.

Ainda, de acordo com o autor, em levantamento realizado junto a diversos teóricos, as críticas ao marketing caminham em duas frentes: (i) quanto aos estímulos capitalista e materialista presentes na formatação de ofertas; (ii) em relação às atividades práticas do marketing. Sob essas perspectivas críticas o marketing incentiva o supérfluo, induzindo o indivíduo a desejar o produto/serviço, fazendo-o acreditar que esse desejo é necessário à sua felicidade. Há, por assim dizer, pelo marketing e sua prática, uma indução ‘manipuladora’ para a criação de um espírito consumista, a serviço do capital e/ou de uma ideologia dominante (Kotler, 1972, Greyser, 1973, Moyer; Hutt, 1978, Smith, 1995, Nantel; Weeks, 1996, Kotler; Armstrong, 1998, Carrigan; Attalla, 2001).

As duas categorias críticas, nas quais o marketing se encontra segundo D’Angelo (2003), podem ser conformadas dentro de um movimento classificado por Bauman (2008) de ‘agorista’, ou seja, o imediatismo em que os cidadãos se colocam para adquirir e juntar coisas, imediaticidade esta característica de uma outra necessidade, a de ‘descartar e substituir’. O ‘descarte e substituição’ faz a economia andar, o dinheiro precisa circular e nada mais sensato aos olhos de uma economia de mercado que o imediato, o descarte e a nova aquisição (BAUMAN, 2008). Importante destacar desses apontamentos o fato de todos respingarem na atividade de marketing, cujas ações e estratégias fazem o consumo avançar para uma prática consumista, segundo Baumam (2008) e os estudos feitos por D’Angelo (2003).

O consumo, visto de uma perspectiva biológica, é um ato próprio da natureza humana ligado à garantia de existência do indivíduo, que, privado de uma situação, é impulsionado a satisfazê-la (Barbosa; Campbell, 2006; Bauman, 2008). O consumo é um ato inerente ao ser humano, “é algo banal, até mesmo trivial”, que se diferencia do consumismo (Bauman, 2008, p. 37). Para o autor, o consumismo surge como um aspecto social que extrapola o lado racional e emocional do indivíduo, sendo fundamentalmente motivado pelas regras estabelecidas pelo grupo ao qual pertence.

Enquanto o consumo se configura como um ato ocupacional do ser humano como indivíduo, o consumismo é um atributo da sociedade. Para se constituir como tal, é preciso que a sociedade de consumidores esteja em movimento contínuo e o indivíduo alienado no sentido de que a experiência consumista se transforme em uma forma exclusiva de convívio humano, enquanto estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida e manipula as probabilidades de escolha e conduta individual (Bauman, 2008).

Esse movimento característico da sociedade de consumidores “talvez seja a única na história humana a prometer felicidade na vida terrena, aqui e agora e a cada ‘agora’ sucessivo. Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua” (BAUMAN, 2008, p. 26). Toda essa situação do imediato e da felicidade via consumo dá ao indivíduo uma sensação aparente de liberdade em que o homem não é sujeito no ato de consumo; é, antes, a própria mercadoria porque,

Como compradores, fomos adequadamente preparados pelos gerentes de marketing e redatores publicitários a desempenhar o papel de sujeito – um faz-de-conta que se experimenta como verdade viva; um papel desempenhado como ‘vida real’, mas que com o passar do tempo afasta essa vida real, despindo-a nesse percurso de todas as chances de retorno (BAUMAN, 2008, p. 26).

Dentro desta exposição de Bauman (2008), a liberdade do indivíduo, por não ser sujeito diante do consumo, é sufocada pelas ações de marketing. A liberdade, como pressuposto da ética, explica a “radical imprevisibilidade do comportamento humano” (COMPARATO, 2006, p. 495), razão pela qual torna-se importante trazer para este trabalho, ainda que suscintamente, os conceitos de ética e liberdade.

 

2.2 A ética

A ética está pautada há muito tempo desde o século V a.C. com os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles (COMPARATO, 2006). Sua base de discussão sempre foi o comportamento moral dos indivíduos na vida em comunidade e seu desenvolvimento se dá em diferentes épocas (VÁZQUEZ, 2012). Para efeito deste estudo, toma-se os conceitos sob a perspectiva do pensamento grego, cristão medieval, moderno e contemporâneo.

No período grego, Sócrates procura respostas para o desenvolvimento de um bom cidadão e, ainda, se as virtudes que possibilitariam estes bons cidadãos eram passíveis de ensinamento chegando à conclusão, assim como o seu discípulo Platão, quanto à impossibilidade de responder a essas perguntas (PEGORARO, 2013). Platão vai completar, no entanto, que as virtudes, embora não possam ser ensinadas, poderiam ser transmitidas pelas pessoas de bem. Sobre o bem, Pegoraro (2013) diz que os filósofos apontavam dois caminhos: (i) um pautado na produção de coisas que pudessem proporcionar prazer; (ii) outro tendo como centro a prática das virtudes. Para fechamento desta época, Aristóteles indica que a ética é a felicidade conduzida pelo que há de mais altivo no indivíduo: a razão. Portanto, a ética é atividade racional do homem (VÁZQUEZ, 2012; PEGORARO, 2013).

Para Pegoraro (2013), a ética medieval é discutida por São Tomás de Aquino retomando o pensamento de Aristóteles e acrescentando a fé. Para São Tomás de Aquino, as virtudes que encaminham o homem diariamente são iluminadas pela fé (PEGORARO, 2013). De acordo com Comparato (2006), o pensamento de São Tomás de Aquino, na sua visão ética-teológica, é de uma ética totalmente racionalista, tendo como princípio que o Criador dotou o ser humano com capacidade de discernir sobre o erro por meio da razão.

A ética moderna tem como representante maior Immanuel Kant, segundo Comparato (2006), com uma tendência antropocêntrica, distanciando-se da visão teológica de até então. A ética desse período é pautada pelo uso do conhecimento racional, definido como a priori ou puro. Ou seja, o conhecimento para Kant que dá base à razão está na mente e não se apoia na experiência, que requer o uso dos sentidos. A ética de Kant é formal, como um dever cabível a todos indistintamente e autônoma porque acontece independentemente das leis externas.

Na atualidade, a ética diz respeito ao comportamento do homem que é livre para efetivar ou não uma ação (RODRIGUEZ LUÑO, 1982) e, dentre tantos conceitos definidos ao longo do tempo, pode ser considerada do ponto de vista Existencialista, Pragmático, da Psicanálise e do Marxismo (VÁZQUEZ, 2012).

Para o movimento definido como existencialista o homem é entendido como alguém imperfeito, que não sendo totalmente dono de si, sujeita-se às conjunturas históricas de sua existência (CABRAL, 2006). O pragmatismo

pode ser entendido considerando três elementos (i) a estética, que se estabelece como a ciência do sentimento, (ii) a ética, como uma ciência que trata do comportamento autocontrolado do sujeito, (iii) a lógica, como a ciência do pensamento autocontrolado (BACHA, 2003). A psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud, contribui com a ética na perspectiva de que há uma realidade inconsciente presente no indivíduo, representado por três áreas da personalidade humana, id, ego e superego, que dão voz e comportamentos às intenções humanas (CABRAL, 2006) por não existir uma ética natural dentro do ser humano (MATTEO, 2006).

Para o marxismo, o comportamento ético vive incluso no pressuposto capitalista que acaba por subordinar o agir do homem, ficando esse submisso à forma social do valor, do dinheiro e da dinâmica das relações sociais (MEDEIROS, 2011).

O que se extrai dos conceitos é que a ética é uma preocupação que vem com o homem desde os primeiros filósofos, quando dos questionamentos sobre quais critérios deveriam nortear as ações dos indivíduos (COMPARATO, 2006) e, avaliando o seu desenvolvimento histórico, é possível perceber em todos os períodos e correntes, com exceção do marxismo, a presença da razão do homem, sua autonomia, liberdade e o uso útil destas características no sentido de ajudá-lo a viver melhor. Para este artigo, ética é entendida como a regulação das relações sociais com o objetivo de que todos os homens livres possam desfrutar de uma vida boa e justa na comunidade (MATTEO, 2006).

 

2.3 A liberdade do indivíduo

A liberdade é assunto discutido desde o início da civilização tanto quanto a ética, surgindo com os gregos na busca por uma condução da vida guiada pelo próprio indivíduo (COMPARATO, 2006; CUNHA, 2011).

Chauí (2008) aborda a liberdade dentro de três aspectos: (i) como opositora àquilo que é impulsionado externamente – uma visão aristotélica; (ii) uma atitude individual relacionada ao coletivo, “pela totalidade natural e cultural em que estamos situados” (p. 336); (iii) uma possibilidade que se concretiza desde que exista abertura e poder para o ato.

O pensamento de Jean-Paul Sartre (1973), registrado por Vázquez (2012), trata da liberdade como valor soberano preso a um compromisso de escolha,

Feita dentro de uma situação e em determinada estrutura social. Mas apesar disto, a sua ética não perde o seu cunho libertário e individualista, dado que nela o homem se define: a) pela sua absoluta liberdade de escolha (ninguém é vítima das circunstâncias), e b) pelo caráter radicalmente singular desta escolha (consideram-se os outros e a sua respectiva liberdade, mas eu – precisamente porque sou livre – escolho por ele, e traço o caminho que pessoalmente devo seguir -, porque de outro modo abdicaria de minha própria liberdade) (p.289).

De uma forma geral, a liberdade é o domínio do homem sobre si e seus desejos, sem a imposição de nenhum limite e encontra-se estreitamente ligada à ética no fato dessa só ser possível diante de um homem livre. Liberdade e ética implicam o querer e o agir diante das diversas realidades da vida, “os atos só têm caráter moral na medida em que neles intervém a liberdade” (LECLERQ, 1967, p. 376). Nas palavras de Vázquez (2012),

Atos propriamente morais são somente aqueles nos quais podemos atribuir ao agente uma responsabilidade não só pelo que se propôs realizar, mas também pelos resultados ou consequências da sua ação. Mas o problema da responsabilidade moral está estreitamente relacionado, por sua vez, com o da necessidade e liberdade humanas, pois somente admitindo que o agente tem certa liberdade de opção e decisão é que se pode responsabilizá-lo pelos seus atos (p. 109).

Para Bauman (2008), comentando a liberdade sob a perspectiva do consumo,

A chegada da liberdade, no avatar escolhido pelo consumidor, tende a ser vista como um ato estimulante de emancipação – seja das obrigações angustiantes e proibições irritantes, ou das rotinas monótonas e maçantes. Logo que a liberdade se estabelece e se transforma em outra rotina diária, um novo tipo de terror, não menos apavorante do que aqueles que a liberdade deveria banir, empalidece as memórias de sofrimentos e rancores do passado: o terror da responsabilidade (p. 113).

Assim, para Bauman (2008), o homem é vítima de sua própria liberdade. À medida que esse exercício libertário se manifesta no consumo, escraviza e apaga a razão, tornando a liberdade um grande fardo pela própria responsabilidade que ela demanda diante de uma decisão que não é livre na sociedade consumista. Há uma imposição ilusória para que a autonomia se manifeste pelo consumo, acabando por transformar as pessoas em mercadorias e sua vida única e exclusivamente para consumo.

 

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório e descritivo com o propósito de generalizar as descobertas possibilitadas pelas entrevistas (Creswell; Clark, 2013). De acordo com Collis e Hussey (2005) e Blaikie (2009), a pesquisa exploratória-descritiva permite um melhor entendimento e o esclarecimento do que se objetiva pesquisar a fim de compreender com maior intensidade aquilo que se conhece pouco, com vistas a descrever suas características, buscar insights e familiaridade com o assunto de forma mais profunda.

A pesquisa foi realizada no mês de outubro com 02 professores de cada estado (Goiás, Minas Gerais e São Paulo), escolhidos por conveniência e acessibilidade, totalizando 06 entrevistados responsáveis pela disciplina de Marketing em cursos superiores, tendo como objetivo conhecer a percepção desses acerca de marketing, ética e liberdade.

De acordo com Patton (2002), não há regras específicas para definir o tamanho da amostra em pesquisa qualitativa, estando este calibre dependente do que se deseja saber, do propósito da pesquisa e da utilidade. O tamanho da amostra (06) decorreu da saturação e redundância dos dados, em que não se encontraram outras contribuições para o estudo (GODOI; MATTOS, 2006). Esta amostra apresentou-se como suficiente à medida que não foi notado novas opiniões quanto aos temas tratados, ou seja, as respostas dos entrevistados tornaram-se repetitivas para o temas abordados, indo ao encontro do que diz Yin (2015), para quem a partir de três, as replicações tornam-se mais aparentes.

Para o levantamento de dados, fez-se uso de entrevistas com roteiro semiestruturado relacionadas ao referencial teórico, conforme demonstrado no quadro 1. A utilização das entrevistas para a coleta de dados visou conhecer os pontos de vista dos entrevistados a respeito das suas experiências e conhecimento dos fatos (PATTON, 2002).

 

Quadro 1: Referencial e Roteiro

Referencial Teórico

Roteiro de Entrevista

1. Marketing

 

Cria, comunica, distribui e efetua a troca de ofertas que tenham valor para consumidores, clientes, parceiros e a sociedade como um todo” (AMA, 2015)

1- é possível que o marketing, por meio dos processos de troca, satisfaçam metas dos consumidores e da organização simultaneamente?

Fundamental para as empresas e a sociedade (KOTLER; KELLER, 2012), na medida em que serve aos clientes com o atendimento de suas necessidades (STAR, 1989)

2- as estratégias e ações do marketing contribuem para que o consumidor desfrute de uma vida boa e justa na sociedade?

Incentiva o supérfluo, induzindo o indivíduo a desejar o produto/serviço e cria um espírito consumista, a serviço do capital e/ou de uma ideologia dominante (D’ANGELO, 2003)

3- os preços manipulam as percepções de valor dos consumidores?

Comunicação e preços manipulam a percepção (BAUMAN, 2008)

4- a comunicação dos produtos/serviços manipulam as percepções de valor dos consumidores?

2. Ética

5- as estratégias e ações de marketing são capazes de levar o indivíduo a consumir o que não necessita?

Diz respeito ao comportamento do homem que é livre para efetivar ou não uma ação (RODRIGUEZ LUÑO, 1982)

6- a ética subordina-se ao capitalismo?

3. Razão e Liberdade

 

O homem torna-se vítima de sua própria liberdade. À medida que esse exercício libertário se manifesta no consumo, escraviza e apaga a razão, tornando a liberdade um grande fardo pela própria responsabilidade que ela demanda diante de uma decisão que não é livre na sociedade consumista (BAUMAN, 2008)

7- o homem é livre nas suas ações diante do consumo?

Aristóteles indica que a ética é a felicidade conduzida pelo que há de mais altivo no indivíduo: a razão. Portanto, a ética é atividade racional do homem (VÁZQUEZ, 2012; PEGORARO, 2013).

8- o homem é racional diante do consumo?

Clientes fazem uso da razão no processo de compra (Lourenço; Pereira, 2007)

9- a razão encontra-se na mente das pessoas ou na experiência que passa pelos sentidos?

O conhecimento para Kant que dá base à razão está na mente e não se apoia na experiência, que requer o uso dos sentidos (COMPARATO, 2006)

 

Fonte: elaborado pelo autor.

 

A análise compreendeu três etapas defendidas por Bardin (2011): (i) pré-análise; (ii) exploração do material e (iii) tratamento dos resultados. A partir da observação deste processo de análise aplicado aos resultados da pesquisa e considerando o referencial teórico, foi possível apresentar explicações para o marketing, a ética e a liberdade sob o ponto de vista dos professores que atuam na disciplina de marketing no ensino superior.

 

4. RESULTADOS

Após a transcrição das entrevistas, analisou-se os itens ‘marketing’, ‘ética’ e ’liberdade’ que compõem o objetivo da pesquisa. As análises sintetizam as ideias dos entrevistados identificados como E1, E2, E3, E4, E5 e E6.

 

4.1 Marketing

Diante da proposta de discussão apresentada aos professores, se ‘é possível que o marketing, por meio dos processos de troca, satisfaça metas dos consumidores e da organização simultaneamente’, os respondentes foram unânimes em afirmar que sim, conforme pode ser observado nas falas: “o fato da troca se concretizar já fica caracterizada a satisfação de ambos. Só poderíamos falar em ‘insatisfação’ caso um dos lados estivesse fazendo algo forçado” (E5); “é uma relação ganha-ganha sim, há um ‘valor’ que faz parte do produto ou serviço que está sendo adquirido e, portanto, o cliente se satisfaz” (E6).

No entanto, todos fizeram ressalvas, como pode ser observado nos recortes das falas de E1, E3 e E4, respectivamente: “sim, é possível a satisfação dos dois lados desde que seja uma troca clara e que a empresa entregue o ‘valor’ prometido”; “entendo que tanto a empresa quanto o cliente podem sair plenamente satisfeitos nesta relação comercial, desde que a empresa ofereça o que o cliente espera”; “a insatisfação por parte do cliente só irá ocorrer se a troca trouxer prejuízos posteriores, mas no ato da compra há vantagens para todos”. Todos os professores concordaram que o marketing, fazendo uso das suas estratégias, leva o indivíduo a consumir o que não necessita.

O entrevistado E2 chama a atenção para a “compra por impulso que acontece nos pontos de vendas e faz o cliente comprar o que não precisa, as estratégias são pensadas milimetricamente para atingir o seu estado de desejo”. Para E3, “trata-se de um processo complexo, à medida que estas influências das ações de marketing geralmente buscam resolver carências e frustrações momentâneas, elas fazem com que o consumidor adquira o que não precisa, caindo na realidade posteriormente”. O professor E4 diz que a “comunicação consegue isso facilmente.

Quando bem elaborada, leva o consumidor a achar que aquilo é real, principalmente quando é direcionada a um público mais jovem e, por outro lado, somos movidos por desejos materiais”.

Foi proposto aos professores que opinassem se ‘os preços e a comunicação manipulam as percepções de valor dos consumidores’. Um entrevistado disse que “podem manipular, mas isto está relacionado a quem é o consumidor, em que momento se encontra e a quais produtos se referem” (E6). Para E4, “em muitas ocasiões os preços são apresentados como promocionais, diferenciados e na verdade não são, e eles vêm respaldados pela comunicação”. O professor E3 destaca que “a manipulação acontece dependendo do consumidor e sua percepção de valor, mas a manipulação não é direta, vem revestida de uma embalagem bonita”. Para E2, especificamente quanto à comunicação,

pode manipular as percepções dos consumidores. Lembrando que percepção é um dado de entrada, e que entre a percepção e a ação, pode haver um longo caminho, a depender do consumidor, seu momento e do que está querendo adquirir (compra de alto envolvimento ou não). Evidente que a comunicação de marketing tem o intuito não apenas de “comunicar”, como sinônimo de informar, mas também de “seduzir”. Mas não podemos pontuar o consumidor simplesmente como passivo. Ele pensa, procura, compara, faz analogias e pode ou não comprar.

Resumidamente, pode-se dizer que os respondentes concordam com a premissa de que empresas e consumidores satisfazem interesses mútuos. Mas reconhecem também que as ações estratégicas do marketing manipulam as percepções dos consumidores quanto ao preço e à comunicação e, ainda, que o comprador é levado a adquirir o que não precisa. Destaca-se, no entanto, que o conceito de marketing utilizado neste artigo, em particular a definição da AMA (2015), em nada contempla ou indica atitudes e ações que possam, ainda que ao longe, prejudicar os consumidores, uma vez que a literatura trata, fundamentalmente da criação, comunicação, distribuição e trocas que tenham valor para consumidores e a sociedade.

 

4.2 Ética

Os pesquisados foram colocados diante de 02 propostas para tratar de ética e marketing. A primeira proposta deste tópico indagou se a ‘ética subordina-se ao capitalismo’. Dos entrevistados, três disseram que ‘sim’, a ética curva-se ao capitalismo. Das respostas desses participantes da pesquisa, destacam-se as falas de E5: “na maioria das vezes sim, pois o capitalismo impõe ao indivíduo uma competição em que o principal objetivo do regime é a exploração, gerando assim pessoas egoístas e incapazes de pensar socialmente”, e E6: “sim, o sistema capitalista é muito envolvente e acaba por sufocar os princípios éticos”.

Os outros três professores, mesmo não afirmando categoricamente “sim”, deixam clara a possibilidade ou influência do capitalismo diante da ética, como pode ser percebido nos dois recortes abaixo:

Se os participantes estiverem dispostos, a ética irá subordinar-se a qualquer estrutura social ou regime econômico, mas se eles não estiverem dispostos, a ética não funcionará em nenhum deles. (E3)

Ela não se subordina, ela pode ser influenciada pelo capitalismo. É o fascínio que o dinheiro pode causar em cada um. O capitalismo é um regime que privilegia o capital e seu crescimento. Muitas vezes ele excede os limites dependendo de quem o manipula. (E4)

A última proposição de ética tratou de entender se ‘as estratégias e ações do marketing contribuem para que o consumidor desfrute de uma vida boa e justa na sociedade’. Neste tópico, as repostas se dividem: três professores acreditam que sim e os outros três incluem o ‘depende’ em seus apontamentos. Das respostas afirmativas destacam-se:

Partindo do ponto de vista em que o consumidor tem possibilidades financeiras de comprar o que deseja e necessita, sim, mas, para aqueles que não podem comprar, gera muitas vezes um esforço maior para obter o que querem e isso de certa maneira é positivo. Para outros que não conseguem, pode resultar numa frustração e a visão de uma sociedade injusta e assim é negativo. (E4)

 

Nos últimos anos, podemos considerar que a maior parte das organizações estão voltando suas ações para isso, até porque o consumidor está cada vez mais em busca de produtos/serviços que contribuam para seu bem-estar e de sua família. O consumidor chegou a uma posição onde é ele quem “define” o tipo de estratégia e ações que as empresas precisam fazer. (E5)

Com a inclusão do ‘depende’ estão:

Depende de que ações de marketing estão sendo empregadas. As ações de marketing podem ou não contribuir para que o consumidor desfrute de uma vida boa e justa. Podemos falar de um tipo de ação de marketing que tenha a finalidade de informar, logo trazer conhecimento e não apenas “seduzir”. (E2)

Tudo depende do objetivo destas ações e das intenções reais de quem decide sobre estas ações. Se existir esta intenção nos objetivos, sim, elas podem contribuir e muito. (E3)

Os professores que concordam com a afirmação proposta nesta segunda pergunta sobre ética apontam que o marketing é ético. Os outros três, apresentando ressalvas à proposição de discussão, também acabam por colocar o marketing na berlinda diante de parâmetros éticos.

 

4.3 Razão e Liberdade

Foram apresentadas aos entrevistados 03 questões para discussão relacionadas a racionalidade e liberdade do homem frente ao consumo. A primeira proposta tratou de entender se o ‘homem é racional diante do consumo’. A síntese das repostas aponta para entrevistados divididos igualmente entre ‘sim’, ‘não’ e ‘depende’. Destaca-se para o ‘sim’ a fala do entrevistado (E5): “do ponto de vista utilitarista pode-se considerar que sim, pois o consumidor analisa a relação custo-benefício para tomar a melhor decisão de compra, ou seja, ele é racional”.

Para ilustrar o posicionamento ‘não’, o entrevistado E4 diz que o “consumidor, na maior parte das vezes, compra por impulso e a impulsividade não permite que ocorra um raciocínio completo” e o professor E2 afirma que “o uso da racionalidade depende do produto, do momento do consumidor e de quem é este consumidor. Há momentos em que o consumidor compra instantaneamente e para outros produtos há um tempo de maturação”.

Uma outra questão procurou saber dos professores ‘se a razão se encontra na mente das pessoas ou na experiência que passa pelos sentidos’. Como exemplo: de E1, “tanto a mente quanto a experiência têm reflexos na razão, uma vez que a experiência faz parte do aprendizado que, com o passar do tempo, vai ficando armazenado na mente do indivíduo”. Um professor (E2) entende que é na mente, “porque as experiências, necessariamente, passam pela mente, sendo fruto de vivência e consequentemente reflexão” e outro (E5) afirma que na experiência, “pois para compreender algo é necessário concentrar na situação. Quanto mais experiência o indivíduo adquire, com mais facilidade será utilizada a razão”.

Os professores, em sua maioria, quatro, indicaram que os dois fatores são importantes, indo de encontro à literatura abordada onde se vê que a razão está na mente porque é oriunda do conhecimento.

Por fim, quanto à liberdade, os entrevistados foram instigados a falar se ‘o homem é livre nas suas ações diante do consumo’. Todos os respondentes afirmaram que “sim”. O professor E5 disse que “mesmo influenciado em grande parte de suas atitudes, ainda há possibilidade de ter liberdade nas ações de consumo”. Para E1, “o homem é livre, mas sofre várias influências culturais, econômicas e sociais”. Fechando estes destaques, o entrevistado E2 afirma “que o homem é livre, pois em sua essência tem seu livre arbítrio e em uma sociedade democrática é livre para fazer suas escolhas”.

As respostas aos blocos ‘marketing’, ‘ética’ e ‘liberdade’ podem ser entendidas dentro de três perspectivas: (i) foram incongruentes, pois os professores reconhecem unanimemente que o consumidor é livre e, ao mesmo tempo, concordam que o consumidor é levado a consumir o que não necessita; (ii) o marketing é ético, mas ressalvam as possibilidades de deslizes éticos; (iii) reconhecem que o homem torna-se vítima de sua própria liberdade à medida que esse exercício libertário se manifesta no consumo, escravizando e apagando a razão e tornando a liberdade um grande fardo pela própria responsabilidade que ela demanda diante de uma decisão que não é livre na sociedade consumista.

A maioria dos entrevistados indica em suas respostas que a razão se encontra na mente e na experiência dos consumidores e todos reconhecem que o homem é livre em suas ações de consumo, mas dividem-se quanto à racionalidade diante do consumo.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As entrevistas que subsidiaram este trabalho tiveram como propósito conhecer a percepção dos professores universitários que ministram a disciplina de marketing, acerca do marketing, da ética e a liberdade do consumidor.

Para dar conta deste objetivo, buscou-se na literatura posicionamentos autorais que trataram da teoria do marketing e das principais críticas direcionadas ao marketing questionando os seus aspectos éticos. Em outra frente, foi necessário trazer a campo os conceitos de ética e a liberdade do consumidor diante das estratégias mercadológicas utilizadas pelas empresas.

Por meio de pesquisas com seis professores dos estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo foi possível verificar, analisando as respostas em conjunto, que os professores, embora reconhecendo que o homem seja livre ao consumir, não acreditam que o marketing se firme totalmente com práticas éticas porque suas estratégias fazem o consumidor comprar o que não precisa e, ainda, manipulam a realidade do preço e da comunicação. Estes resultados vão ao encontro das críticas apresentadas pelos autores quanto à subordinação do marketing ao capitalismo e às práticas desvantajosas do marketing conforme aponta D’Angelo (2003) em seus estudos. Também se destaca o posicionamento de Bauman (2008) quanto à manipulação das estratégias de marketing para influenciar as escolhas do consumidor.

Em relação ao marketing, os entrevistados concordam com a definição da AMA (2015), segundo a qual a troca oferece valor para os consumidores em um processo de mão de dupla, uma permuta em que o resultado satisfaz os dois lados. Ainda, as discussões também comungaram das colocações de Star (1989) e Kotler e Keller (2012), de um marketing que desempenha papel importante para as empresas e clientes ao passo que atendem às suas necessidades. Em outra frente, no entanto, as respostas ratificam questões críticas ao marketing apontadas nos estudos de D’Angelo (2003), quanto ao fato das estratégias de marketing serem praticadas observando estímulos capitalistas e materialistas, ou seja, de acordo com as respostas dos entrevistados o marketing incentiva o consumo desnecessário levando o consumidor a comprar bens, visando apenas a venda e o lucro por parte da empresa.

Ainda sobre o marketing, as respostas dos professores vão ao encontro das críticas de que gerentes de marketing e redatores publicitários possibilitam que o consumidor seja sujeito dentro de um faz-de-conta, conforme aponta Bauman (2008), porque possibilitam comunicação e preços que manipulam a percepção e prometem uma felicidade momentânea. Ou seja, ao escolher um produto ou serviço, o cliente vive o presente e, mais tarde, mostrar-se-á que fora enganado.

Outro ponto proposto para este artigo, a ética, foi definida “como a regulação das relações sociais com o objetivo de que todos possam desfrutar de uma vida boa e justa na comunidade” (MATTEO, 2006). De uma forma geral, contemplando os aspectos éticos, os professores entrevistados reconhecem que a ética se subordina ao capitalismo e mostram-se divididos quanto à capacidade do marketing de contribuir para que o indivíduo tenha uma vida mais justa diante do consumo.

Por fim, no tópico ‘razão e liberdade’, as respostas, em sua maioria, considerando o ‘não’ e o ‘depende’ não contemplaram o pensamento de Sartre (1973), abordado por Vázquez (2012), segundo o qual o homem não pode abonar suas decisões apoiado nas circunstâncias, o que demanda, então, o uso da razão. Para Sartre, os momentos não podem justificar os atos, porque a razão está no homem naturalmente pela sua liberdade. Se o homem é livre como reconhecem os entrevistados, ele é sujeito diante do consumo, contrariando a fala de Bauman (2008) para quem o indivíduo se deixa levar pelas ações de marketing. No entanto, os entrevistados se contradizem aqui porque manifestaram, em sua maioria, quando se tratou da discussão das práticas do marketing, que as estratégias manipulam as percepções do consumidor e, ainda, que os compradores adquiram produtos sem necessidade.

O que chama a atenção deste estudo, embora reconhecendo a limitação do número de pesquisados para fim de indução, é que a definição clássica de marketing, apresentada pela AMA (2008) e basicamente seguida por autores consagrados do marketing, diz que ao marketing cabe conhecer e atender as necessidades de desejo dos consumidores e os respondentes vão em caminho contrário. Outro fator a se considerar e que deixa em aberto novas pesquisas é entender como os professores trabalham os conceitos do marketing que contemplam uma via de mão dupla e, ao mesmo tempo, o consideram como deslizante diante da ética.

Estas são respostas e desafios que se põem em uma sociedade competitiva, capitalista e de consumo, que se vê acuada diante dos preceitos éticos e da necessidade das empresas de despontarem no cenário de mercado a fim de atenderem à sua missão, visão e resultados financeiros.

 

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