o processo de cocriação de valor no mercado da base da pirâmide
The process of value co-creation in base market pyramid
Cristiane Froehlich1
1 Universidade Feevale, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: cristianefroehlich@hotmail.com
Recebido em: 08/09/2017 - Revisado em: 19/12/2017 - Aprovado em: 21/12/2017 - Disponível em: 01/04/2018
Resumo
Este ensaio teórico tem como objetivo refletir sobre a cocriação de valor no mercado da base da pirâmide. Para atender ao objetivo do estudo, a metodologia classifica-se em pesquisa bibliográfica, exploratória e qualitativa. Foram analisados artigos de periódicos científicos e livros de autores que são referência no tema. Os principais resultados apontam o amadurecimento das ideias inicialmente concebidas por Prahalad (2004), as quais focavam a concepção de estratégias empresariais voltadas para o mercado denominado de base da pirâmide com foco no lucro para também atender às necessidades das pessoas de baixa renda. Isso se evidencia na evolução da abordagem BOP 1.0 para abordagem BOP 2.0.
Palavras-chave: Pobreza. Cocriação de Valor. Base da Pirâmide.
Abstract
This theoretical essay aims to reflect on the co-creation of value in the bottom of the pyramid market. To meet the objective of the study, the methodology is classified in bibliographic, exploratory and qualitative research. Articles from scientific journals and authors’ books were analyzed. The main results show that there was the maturing of the ideas initially conceived by Prahalad (2004), which focused on the design of business strategies for the market called bottom of the pyramid focused on profit to also meet the needs of low-income people. This is evident in the evolution of BOP 1.0 to BOP 2.0 approach.
Keywords: Poverty. Co-Creating Value. Bottom of the Pyramid.
1 Introdução
Durante as últimas décadas emergiram pesquisas acadêmicas, ações governamentais e de organizações não governamentais (ONG´s) sobre a busca de alternativas para amenizar os problemas da pobreza visando a atender às necessidades de alimentação, vestuário, abrigo, segurança, saneamento, emprego, educação e saúde nos países em desenvolvimento, ao invés de apenas oferecer algum tipo de caridade (HAMMOND et al., 2007; KANDACHAR; HALME, 2008). As pesquisas sobre soluções para redução da pobreza estão sendo alvo de investigadores. Uma linha que vem sendo discutida para amenizar essa problemática é a da cocriação de valor no mercado da base da pirâmide.
A abordagem sobre o mercado na base da pirâmide (BOP) enfatiza as oportunidades inexploradas pelas empresas em relação aos potenciais consumidores de baixa renda (HART, 2005; PRAHALAD, 2005). Essa abordagem propõe novas funções para o setor privado, tanto para multinacionais quanto para empresas de grande, médio e pequeno porte, pois enfatiza o papel da inovação a favor das pessoas de baixa renda e da sua inclusão a partir de estratégias concebidas pelas empresas de forma econômica e sustentável.
Nesse contexto, pesquisadores sugerem que as empresas podem contribuir para amenizar a pobreza por meio de formas economicamente viáveis, e esse modo é uma alternativa para redução da pobreza e contribuição para o desenvolvimento social (PRAHALAD; HART, 2002; PRAHALAD; HAMMOND, 2002; HART, 2005; PRAHALAD, 2005; KANDACHAR; HALME, 2008; SRINIVASA; SUTZ, 2008). Para que as empresas possam contribuir de modo eficaz para efetividade dessa questão, Hart (2008) sugere o processo de cocriação de valor no mercado da base da pirâmide.
Hart (2008) defende que as empresas devem envolver as pessoas que fazem parte do BOP na concepção de novos modelos de negócios voltados para esse mercado. Essas pessoas não devem ser vistas somente como consumidores, mas como empreendedores e parceiros. Com isso, é possível não só dar acesso a novos produtos e serviços, mas também desenvolver a infraestrutura, a economia das comunidades e aumentar suas rendas. Vale ressaltar que a cocriação de valor envolve as parcerias das empresas com agências governamentais locais, ONGs e demais organizações da sociedade civil (SIMANIS; HART, 2008; ROCCHI; KUSUME, 2008).
O número de organizações engajadas na cocriação de valor no mercado da base da pirâmide poderia ser maior, porém alguns obstáculos como, a maximização do lucro em curto prazo, a falta de incentivos em estruturas de negócios inclusivos, e a incerteza tornam-se obstáculos. Como resultado, apesar das empresas de grande porte aparentemente possuírem recursos para o desenvolvimento da cocriação de valor, elas não são organizadas para tal, e limitações como falta de tempo para as tarefas, falta de financiamento adequado e de conhecimentos são importantes como justificativas para tal inércia (OLSEN; BOXENBAUM, 2009; HALME et al., 2012).
Diante disso, este estudo visa a responder a seguinte questão de pesquisa: Qual a importância da cocriação de valor no mercado da base da pirâmide? Este ensaio teórico tem como objetivo refletir sobre a cocriação de valor no mercado da base da pirâmide.
A importância científica para a realização deste estudo e do objetivo proposto refere-se à disseminação de conhecimentos relacionados com a importância da cocriação de valor no mercado da base da pirâmide para os contextos acadêmico e empresarial, pois segundo Nogami, Vieira e Medeiros (2013) ainda existe preconceito que inibe novos negócios e novas pesquisas para esse público, que consequentemente resulta em um menor número de inovações para esse mercado. Vale ressaltar que a base da pirâmide representa 66% da população no Brasil (CANZIAN, 2014), desse modo são necessárias pesquisas e desenvolvimentos de produtos e serviços para esse grupo de pessoas.
Para atender ao objetivo do estudo, a metodologia classifica-se em pesquisa bibliográfica, exploratória e qualitativa. Foram analisados artigos de periódicos científicos e livros. Utilizou-se para análise dos textos, a técnica de análise de conteúdo qualitativa, com base nas três etapas básicas indicadas por Bardin (2010): (a) pré-análise; (b) exploração do material; (c) e tratamento dos dados, inferência e interpretação.
Na primeira etapa, selecionaram-se artigos em journals internacionais e brasileiros que apresentavam no título, no resumo e nas palavras-chave as expressões: “base da pirâmide”, “cocriação de valor”. Ainda, foram identificados livros de autores que são referência no tema. Na segunda etapa, procedeu-se à leitura integral dos artigos pré-selecionados na fase inicial com intuito de identificar artigos e livros que contribuem diretamente para aprofundar a pesquisa sobre o objeto de estudo. Na terceira e última etapa, os textos selecionados foram lidos novamente e submetidos aos critérios de análise qualitativa de conteúdo. As categorias analisadas foram: o mercado na base da pirâmide e a cocriação de valor no mercado na base da pirâmide.
2 O Mercado na Base da Pirâmide
As pesquisas sobre a inserção da base da pirâmide no mercado foram desenvolvidas inicialmente por Prahalad e Hart (2002), e consolidaram-se a partir dos estudos de Prahalad, especialmente após a publicação do livro “The Fortune at the Bottom of the Pyramid” em 2004. Vale destacar que Prahalad interessou-se pelo assunto em 1995, e dedicou quase uma década em pesquisas voltadas à proposição de alternativas que possibilitassem a erradicação da pobreza através do lucro. O seu objetivo consistiu em despertar a atenção de administradores e empreendedores para as oportunidades que residem na base da pirâmide para atingir seu objetivo principal.
Desse modo, concentrar-se em criar produtos e serviços acessíveis ao mercado da base da pirâmide é uma estratégia para diminuição da pobreza que assola vários países do mundo (PRAHALAD, 2005). Nesse sentido, os países deveriam integrar suas economias ao mercado mundial e utilizar políticas públicas focadas na redução da pobreza extrema, principalmente por meio da inovação, permitindo que essas pessoas saiam da condição de ausência de escolha e miserabilidade e possam escolher uma formação educacional (BNDES, 2011).
As empresas precisam quebrar paradigmas para poder explorar o mercado da base da pirâmide de forma eficaz criando modelos de negócios que viabilizem a distribuição e comercialização a preço acessível. Uma das formas é por meio da cocriação de valor com a comunidade na qual a empresa visa a ofertar seus produtos e serviços (LONDON; HART, 2004; PRAHALAD, 2005; ALMEIDA, 2007; HART, 2008). Prahalad e Hammond (2002) destacam que o mercado da base da pirâmide é uma nova fonte de crescimento para as organizações, uma vez que esse mercado está em seu estágio embrionário.
O Quadro 1 apresenta os benefícios em potencial gerados para as empresas e para sociedade pelos negócios com a base da pirâmide. Pode-se ressaltar que, além dos benefícios diretos, há resultados colaterais, como maior produtividade e ganhos em educação, saúde e governança.
Quadro 1 - Benefícios para as empresas e as comunidades
Fonte: WBCSD (2004, p. 21).
A óptica dominante credita às grandes corporações o papel de assumir o desafio de atuar na base da pirâmide (PRAHALAD; HART, 2002). Isso porque as grandes empresas possuem: (a) recursos: necessários para construção de infraestrutura, pois alguns custos não podem ser arcados por governos e empreendedores locais; (b) alavancagem: o que significa, dadas suas atividades globais, distribuir o conhecimento ganho em um local para os demais, gerando mais benefícios com menores esforços; (c) intermediação: pois estariam mais bem posicionadas para reunir os atores necessários para desenvolver o mercado na base da pirâmide; e (d) transferência: dado que possuem a capacidade de transferir as inovações para as outras camadas do mercado que não a base.
Para Karnani (2007) a realidade ainda não corresponde ao discurso da estratégia na base da pirâmide, pois ainda faltam evidências empíricas abrindo espaços para críticas ao tema. Conforme Anderson e Billou (2007) e SandreGhazi e Duyster (2008), apesar das oportunidades existentes, as empresas multinacionais possuem um longo histórico de fracasso ao tentarem reproduzir suas estratégias habituais originalmente concebidas para mercados de alto padrão, sem considerar as reais necessidades do novo público-alvo.
A abordagem conhecida como BOP 1.0 sofreu ainda críticas por sua essência top down, isto é, com iniciativa partindo das empresas para atingir as classes de baixa renda, além do seu conceito de negócios focado exclusivamente em vendas. Diante deste cenário, fez-se necessário ao movimento BOP ir adiante, atrás de abordagens que exigissem maior engajamento com a base da pirâmide (KRAMER; BELZ, 2008; ARORA; ROMIJN, 2009).
Hart (2008) alertou para o fato de que muitas iniciativas classificadas como base da pirâmide pelas empresas não atingiam os mais pobres. Alcançam, na verdade, as camadas um pouco menos abastadas que aquelas já tradicionalmente atendidas. Além disso, há evidências de que simplesmente transformar pobres em consumidores não é suficiente para mitigar a pobreza e contribuir para o desenvolvimento social, pois as empresas devem evoluir para um novo estágio de relacionamento com as camadas mais baixas da sociedade.
Para Arora e Romijn (2009), faltam evidências empíricas suficientes para provar o sucesso desse modelo. Estudos críticos sobre a base da pirâmide mostram que os projetos assim qualificados são questionáveis não apenas em relação à lucratividade das atividades, mas também em relação ao impacto na erradicação da pobreza, o que coloca em xeque a proposição “ganho-ganho” do modelo. As inovações como a embalagem unitária muitas vezes acabam por gerar problemas ambientais, e não são mais econômicas do que embalagens maiores. Arora e Romijn (2009) observam ainda que produtos sofisticados em embalagens reduzidas, como propostos pelas multinacionais, acabam por desempenhar o papel de substitutos caros para as antigas soluções, usualmente desenvolvidos e distribuídos por empreendedores locais.
As primeiras pesquisas publicadas sobre o tema, em 2005, definiram estratégias para empresas interessadas nesse mercado (WILSON; WILSON, 2006). Em 2008, foi publicada uma nova versão desse protocolo, a responsável pela nova fase das estratégias da base da pirâmide, denominada BOP 2.0. De acordo com Simanis e Hart (2008), a busca da “fortuna” existente na base da pirâmide, como proposto pelo modelo BOP 1.0, fez com que as empresas apenas se limitassem a gerar estratégias de entrada rápida em novos mercados, perdendo de vista a perspectiva das reais necessidades da base da pirâmide.
Desse modo, a segunda geração de estratégias para a base da pirâmide, o BOP 2.0, pressupõe um processo de cocriação de negócios que envolve as empresas em parcerias pessoais e fechadas com as comunidades da base da pirâmide (SIMANIS; HART, 2008; ROCCHI; KUSUME, 2008). Ao contrário da abordagem inicial, os autores entendem que as empresas não devem embarcar sozinhas nesse tipo de estratégia. Conforme esse protocolo as agências governamentais locais, as ONGs e as demais organizações da sociedade civil podem ser importantes parceiros de cocriação, cada qual com seus conhecimentos, suas habilidades, seus ativos e suas experiências únicas.
Na fase 2.0, Hart (2008) defende que as empresas devem envolver as pessoas de baixa renda na concepção de novos modelos voltados para a base da pirâmide. Elas devem participar de diversas etapas da cadeia, e serem vistas não somente como consumidores, mas também como empreendedores e parceiros. Com isso, acredita que seja possível não só dar acesso a novos produtos e serviços, mas também desenvolver a infraestrutura e a economia das comunidades e aumentar sua renda. O Quadro 2 apresenta as diferenças entre as gerações de estratégia BOP.
Quadro 2 - Diferenças entre BOP 1.0 e BOP 2.0
Fonte: Adaptado de Simanis e Hart (2008).
Para Simanis e Hart (2008), o protocolo BOP é um manual de melhores práticas, que devem ser seguidas para obtenção de sucesso nesse tipo de modelo de negócio. Deve-se seguir uma fase pré-campo onde são escolhidos os locais em que a estratégia será adotada, a formação da equipe que atuará no projeto, os parceiros locais, e a criação de um espaço para pesquisa e desenvolvimento. Em seguida, o projeto deve-se estruturar em outras três fases:
- Abertura: consiste na imersão da empresa na comunidade por intermédio de intercâmbio para construção de confiança que culminará na cocriação de um conceito de negócio com uma equipe principal de parceiros da comunidade.
- Construção de um ecossistema: começa na formalização de uma equipe composta por representantes da empresa e da comunidade, comprometidos em fazer o novo negócio. O resultado esperado é um protótipo do produto e o serviço que será oferecido.
- Criação da empresa: cria-se o modelo de negócio completo, realizando testes em menor escala e atuando com aprendizagem contínua. Enquanto a comunidade local aprofunda-se na gestão, para ser capaz de assumi-la no longo prazo, a empresa prepara-se para replicar o modelo para outras localidades. O resultado desta etapa é um negócio imerso na sociedade.
Windsor (2007) ressalta a complexidade das relações políticas das corporações, principalmente das multinacionais. Além das decisões de alocação de recursos horizontais, isto é, entre os países nos quais atuam, as empresas tomam essas decisões verticais nos mais variados níveis de profundidade – local, regional, nacional, global. A visão de Windsor ressalta o efetivo desenvolvimento de estratégias políticas corporativas nos mais variados âmbitos de atuação, como o nível geográfico, o tipo de jurisdição e por último, as arenas políticas.
Portanto, a atuação da empresa depende diretamente do modelo de gestão implementado. Para isso, sugere-se o desenvolvimento da cocriação de valor no mercado da base da pirâmide que será tratado a seguir.
3 A Cocriação de Valor no Mercado da Base da Pirâmide
O termo cocriação de valor teve destaque a partir das publicações do artigo “Co-Opting Customer Competence” em 2000, e do livro “The Future of Competition: Co-Creating Unique Value With Customers”, em 2004, dos autores Prahalad e Ramaswamy. Os autores abordam que, apenas com a mudança de uma gestão centrada na empresa para uma gestão centrada no cliente, é possível sobreviver no mercado atual. Desse modo, Prahalad e Ramaswamy (2004) propuseram a cocriação que trata da criação conjunta de valor pela empresa e seus consumidores.
O processo de cocriação é composto pela definição e solução conjunta dos problemas, e isso requer um ambiente de experiência no qual os consumidores possam dialogar e coconstruir suas experiências personalizadas. Isso quer dizer que o produto pode ser o mesmo, mas diferentes consumidores podem construir diferentes experiências de consumo (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004).
O Quadro 3 apresenta conceitos sobre cocriação de valor.
Quadro 3 - Conceitos de cocriação de valor
Fonte: Elaborado pela autora.
Na visão de Prahalad e Ramaswamy (2004), o valor é associado às experiências; os produtos e serviços facilitam experiências individuais e experiências mediadas pela comunidade. Assim, o espaço competitivo baseia-se nas experiências dos consumidores e o papel das empresas é engajar cada consumidor na definição e cocriação de valor singular. Com isso, o papel dos consumidores é ser um participante ativo na busca, na criação e na extração de valor; o consumidor cocria valor com a empresa e com outros consumidores
As expectativas e necessidades dos clientes devem ser consideradas na definição de características para o desenvolvimento de produtos e serviços, portanto o processo deverá ser interativo para atingir o objetivo de cocriação de valor. Para Reichheld (2006), existem sete princípios básicos para que as empresas consigam identificar um valor pela perspectiva do consumidor: (a) conheça seus consumidores com profundidade; (b) identifique corretamente as necessidades e expectativas de seus consumidores; (c) seja ágil em suas decisões e procure manter a empresa enxuta; (d) escute o que o consumidor tem a dizer; (e) avalie e mensure o valor que o consumidor possui de seus produtos ou serviços; (f) esteja atento às mudanças mercadológicas, principalmente as sociais; (g) não se satisfaça com os níveis de desempenho atuais de sua empresa.
Diante desse contexto, para as empresas implementarem estratégias voltadas para base da pirâmide, terão de utilizar o processo de cocriação, porém, para isso, elas precisam inovar. A inovação, conforme Goel (2011), significa a exploração bem sucedida de uma ideia. Dessa forma, por meio da inovação podem ser obtidos melhores resultados com menos recursos, ou seja, as empresas visam a melhores performances com menores custos para obterem mais lucros e valores para os acionistas.
Para Utz e Dahlman (2007, p. 124), as empresas devem ser “socialmente impulsionadas a inovações a favor dos pobres”, ou seja, elas devem agir além dos lucros e desenvolver produtos e serviços para atender às necessidades dessas pessoas e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida. Dessa forma, suprir as necessidades desse mercado torna possível que essas pessoas melhorem a qualidade de vida. Isso ocorre por meio do acesso ao diagnóstico de serviços de saúde de baixo custo e de tecnologia em clínicas móveis de saúde e perícias médicas; do acesso à tecnologia, como telefones celulares, computadores, e Internet; do acesso à educação, treinamentos on-line, bibliotecas virtuais, acesso remoto à sala de aula e laboratórios, colaboração entre instituições locais e globais; do acesso aos serviços financeiros, serviços do banco on-line e móvel, inclusão financeira e treinamento, serviços de microfinanças; do acesso aos serviços rurais, às informações em tempo real sobre preços e padrões de colheita, às previsões meteorológicas, aos seguros de gado; do acesso à segurança alimentar, à melhora dos rendimentos na agricultura, à redução das perdas pós-colheita, à integração das cadeias de abastecimento, à ampliação do acesso à demanda de mercado e a informações sobre os preços (GOEL, 2011).
Entende-se que a inovação no mercado da base da pirâmide trata da inclusão pelo consumo, por educação, por saúde, por empréstimos etc. A inovação pode contribuir nesse contexto por meio da expansão do acesso às necessidades básicas da vida. Sendo assim, traz benefícios para os cidadãos, independentemente da renda. O alvo principal do mercado da base da pirâmide são quatro bilhões de pessoas cuja renda não chega a US$ 2 por dia, e o alvo ampliado são as que vivem com até US$ 5 por dia. Nas economias emergentes, a maior parte das pessoas do mercado BOP vive em áreas rurais e não têm o mesmo nível de acesso aos recursos como a maioria dos cidadãos urbanos. A inovação pode incluir milhões de pessoas de poucos recursos e excluídas das necessidades essenciais da vida (GOEL, 2011).
Vale ressaltar que as inovações voltadas para o mercado BOP emergem a partir da identificação de uma necessidade, porém qualquer inovação deve considerar a estrutura socioeconômica e as normas culturais (RAMANI; GHAZI; DUYSTERS, 2011).
Ramani, Ghazi e Duyester (2011) apresentam os aspectos que são recomendados para melhor difusão da inovação no mercado BOP: (a) confirmar que há uma necessidade não atendida ou mal atendida para que uma solução tecnológica possa ajudar (HART, 2005; CHRISTENSEN; BAUMANN; RUGGLES, 2006); (b) verificar se as características dos produtos e dos serviços são compatíveis com o contexto socioeconômico, pois características favoráveis oferecem uma boa relação entre preço e desempenho, e facilidade de uso (PRAHALAD, 2005); (c) construir um modelo de entrega compatível com o contexto socioeconômico, além da fixação de preços, e a estratégia de marketing deve levar em conta as normas socioculturais e de energia (KOTLER; ROBERTO; LEISNER, 2006); (d) assegurar que as instituições ou recursos necessários para o funcionamento sustentado da inovação estejam disponíveis; (e) confirmar a capacidade de absorção de consumidores-alvo, tanto como indivíduos ou grupos sociais; (f) certificar-se de que o negócio e o modelo de prestação possam gerar retornos positivos para os fornecedores; (g) gerar valor para todos os stakeholders envolvidos por intermédio de parcerias (JEFFREY; SEATON, 2004; BRUGMANN; PRAHALAD, 2007).
Contudo, para eficácia dessas inovações, conforme Prahalad (2005), o processo de cocriação deve ser inserido nas estratégias, e alguns elementos são essenciais para realização do processo de cocriação de valor no mercado da base da pirâmide:
- Aceitação: significa saber até que patamar os consumidores e outros na cadeia de valor estão dispostos a consumir, distribuir ou vender um produto ou serviço. Entre os consumidores de recursos limitados, as empresas de maior sucesso criam produtos e serviços adequados às necessidades exclusivas dos consumidores, por exemplo, por meio de embalagens unitárias ou reduzidas.
- Acessibilidade: constitui o grau em que os produtos ou serviços de uma empresa estão acessíveis aos consumidores na base do mercado, como lojas que permanecem abertas até depois do horário comercial para facilitar o acesso às pessoas que precisam trabalhar durante o dia para ter alguma renda disponível no fim do mesmo para fazerem suas compras. Como muitos consumidores nos mercados em desenvolvimento sobrevivem com renda diária, o fluxo de caixa é um problema. Por isso, as empresas precisam oferecer produtos e serviços que possam ser adquiridos pelos consumidores de mais baixa renda.
- Disponibilidade: significa a disponibilidade de produtos e serviços aos consumidores que possam ser comprados. Os canais de distribuição em mercados em desenvolvimento são muitas vezes fragmentados ou inexistentes, assim a distribuição torna-se um obstáculo.
- Conscientização: refere-se à consciência que os consumidores têm da existência dos produtos e serviços de uma empresa. Como muitos consumidores de baixa renda não são atingidos pela publicidade convencional, o desenvolvimento da conscientização pode ser um desafio, e as organizações devem aprender a usar canais e métodos de comunicação alternativos.
Almeida (2007) ressalta que a missão relativa à operação com a base da pirâmide deve ser de toda a empresa, não apenas da diretoria. É preciso envolver cada funcionário. As soluções devem ser buscadas de forma integrada, levando, porém, em consideração as peculiaridades de cada situação, pois esse não é apenas um desafio técnico, mas de adaptação comportamental.
No contexto empresarial, os autores Ramani, Ghazi e Duyester (2011) destacam a principal razão para o fracasso de inovações de produtos e serviços para o mercado BOP. A razão parece estar ligada à crença de que inovações de produtos a preços acessíveis que melhorem o bem-estar das comunidades BOP serão amplamente adotadas depois de apresentadas para as comunidades. Isso não acontecerá de fato, se os mesmos não forem desenvolvidos por meio do processo de cocriação de valor.
Bertrand, Mullainathan e Shafir (2006) explicam que as inovações direcionadas para esse público podem falhar, porque a forma como ele toma decisões são mais influenciadas pelo seu ambiente social e cultural em comparação com outros tipos de consumidores. Por exemplo, na Índia, apesar das crises de água no país, os banheiros ecológicos eficientes não são populares entre os consumidores, porque exige um esforço maior para o uso (RAMANI, 2008). Essas falhas ocorrem devido à compreensão inadequada dos fatores, sociais, culturais e ambientais do local. Há uma incompatibilidade entre o modo como as empresas percebem o valor da inovação para essas pessoas e a forma como a comunidade percebe (CAIRNCROSS, 2003).
Outra razão refere-se às diferentes percepções sobre novas tecnologias e tendências para soluções tradicionais que podem levar a resistências dos usuários em relação à inovação (GARCIA; BARDHI; FRIEDRICH, 2007). Por exemplo, na África, para purificação da água foram incluídos dispositivos em forma de uma palhinha. Os usuários não se sentiram confortáveis para mudar seu hábito de beber água por um canudo. Além disso, uma vez que o benefício de beber água purificada para saúde não era visível imediatamente, o seu valor como anunciado pelas empresas não estava claro para as comunidades. Outro exemplo, na Índia foi disponibilizado o serviço de ambulância via discagem. Apesar da necessidade real desse serviço, ele falhou inicialmente porque a urgência e a importância do serviço não eram evidentes para os beneficiários, assim muitas pessoas preferiram ir de transportes públicos, de táxis ou de carroças para o hospital.
Para os autores Utz e Dahlman (2007), a inovação e a cocriação podem ser promovidas e consolidadas a partir: (a) do aproveitamento dos esforços formais de criação de incentivos para redução da pobreza; (b) da promoção e difusão de inovações; e (c) do auxílio ao setor para melhor absorver os conhecimentos.
Por fim, verifica-se a importância e a necessidade de as empresas desenvolverem estratégias para cocriação de valor no mercado da base da pirâmide para geração de negócios com impacto social para as comunidades de baixa renda consolidarem-se como um nicho de mercado, além de apontar-lhes um caminho sustentável para economia (SEELOS; MAIR, 2007).
4 Considerações Finais
Este ensaio teórico refletiu sobre a cocriação de valor no mercado da base da pirâmide. A inclusão das pessoas de baixa renda no mercado formal é importante para fomentar-se o empreendedorismo e o surgimento de inovações. Desde então, pesquisadores e empresas buscam compreender esse mercado e modos de acessá-lo, de forma a propiciar situações em que empresa, consumidor e sociedade ganhem. Os negócios na base da pirâmide geram impactos sociais, geração de renda e erradicação da pobreza contribuindo para o desenvolvimento econômico e social.
O foco das estratégias empresariais para atingir a base da pirâmide é um desafio mais complexo do que customizar produtos e serviços direcionados as pessoas de maior poder aquisitivo. Para poder vendê-los no mercado BOP, por um custo inferior, envolve, sobretudo, a disposição para construir parcerias que garantam negócios sustentáveis.
Pode-se verificar o amadurecimento das ideias inicialmente concebidas por Pralahad, as quais destacavam a concepção de estratégias empresariais voltadas para o mercado denominado de base da pirâmide com foco no lucro. Posteriormente, buscou-se atender também às necessidades das pessoas de baixa renda, além do lucro organizacional. Isso se evidencia na evolução da abordagem BOP 1.0 para abordagem BOP 2.0.
Os diversos desafios enfrentados pelas empresas, como a replicação das mesmas estratégias para atendimento das necessidades de outros tipos de consumidores no mercado BOP, sem considerar as características das pessoas que vivem em situação de pobreza, a falta de informações e de incentivos, a demora na percepção dos resultados, entre outros, favoreceu o processo de aprendizagem, e possibilitou o avanço da abordagem para BOP 2.0 por meio da cocriação de valor. Somente a partir da participação do público-alvo na construção de experiências é possível atender a esse mercado, obtendo lucro e contribuindo para o desenvolvimento social.
Finalizando este estudo, percebe-se que são vários os desafios que as empresas enfrentam para atuar no mercado da base da pirâmide, contudo a cocriação de valor juntamente com a inovação permitem facilitar esse caminho. Ainda há necessidade de maior engajamento do meio empresarial com os problemas sociais. Considera-se que as organizações podem auxiliar e contribuir para redução da pobreza, mas, para isso, devem construir parcerias que facilitem a viabilização dessa estratégia e o acesso às comunidades.
O estudo apresenta como limitação, o fato de constituir-se uma revisão teórica. Como sugestão de estudos futuros, recomenda-se realizar estudos de caso com empresas que desenvolvem produtos e serviços para esses consumidores a fim de verificar como e se ocorre a cocriação de valor no mercado da base da pirâmide.
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