O significado do trabalho na indústria criativa: um estudo no
porto digital do Recife (Brasil)
The meaning of work at the creative industry: a study about the porto digital in Recife (Brazil)
Nut Leão Rampazzo1, Pierre Lucena Raboni2 e Paula Roberta Callado Bezerra de Mello3
1 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, Doutoranda em Administração, e-mail: nut_leao@hotmail.com
2 Universidade Federal de Pernambuco, Doutorado em Administração de Empresas, e-mail: pierrelucena@gmail.com
3 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, Doutoranda em Administração, e-mail: prcallado@gmail.com
Recebido em: 19/12/2017 - Revisado em: 15/02/2018 - Aprovado em: 09/05/2018 - Disponível em: 01/07/2018
Resumo
A indústria criativa, cujo centro de toda a cadeia produtiva está no núcleo criativo de seus profissionais, tem ganhado importância na economia global nas últimas décadas. No mesmo período, surgiu em Recife, Pernambuco, um polo tecnológico, que tem no Porto Digital uma de suas principais organizações da indústria criativa. O presente estudo tem como objetivo central compreender o significado do trabalho na perspectiva dos colaboradores do Porto Digital, de forma a auxiliar na elaboração de políticas empresariais para o setor da Economia Criativa. Os dados foram coletados através da aplicação de questionários do período de 6 a 9 de janeiro de 2014. A análise dos dados foi realizada com o auxílio dos softwares SPSS 17.0 e Microsoft Excel 2007. Após o levantamento geral do perfil dos trabalhadores, foi realizada uma análise fatorial, a qual indicou que seis fatores influenciam a satisfação dos trabalhadores: a responsabilidade socioestrutural da empresa, as condições de trabalho, a realização obtida no trabalho, o desenvolvimento alcançado, os valores da empresa e macroestrutura oferecida pela empresa. Também foi realizada uma ANOVA, cujos resultados mostrou uma significatva homogeinedade na opinião dos colaboradores quanto às relações de trabalho e instalações físicas. Dentre as conclusões, destaca-se o fato de que as notas atribuídas às características presentes no trabalho aumentam à medida que cresce o grau de importância dada ao trabalho pelos entrevistados, demonstrando assim, uma nova compreensão sobre o significado do trabalho, segundo a perspectiva daqueles que se inserem no setor da Industria Criativa.
Palavras-chave: Economia Criativa. Porto Digital. Significado do trabalho. Análise Fatorial. ANOVA.
Abstract:
The creative industry, whose the productive chain center is the creative core of its professionals, has gained importance in the global economy during the last decades. Meanwhile, a technological center has been created in Recife, Pernambuco, which has in Porto Digital one of its main organizations of the creative industry. This study has the main objective of understanding the meaning of work from the perspective of the employees of Porto Digital, in order to assist in the elaboration of business policies for the Creative Economy sector. The data were collected through survey from January 6th to 9th, 2014. We performed the data analysis with the software SPSS 17.0 and Microsoft Excel 2007. After a general analyses of the workers profile, we made a factorial analysis, which indicated that six factors influence worker satisfaction: the socio-structural responsibility of the company, the working conditions, the accomplishment achieved in the work, the development achieved, the company values and the macro structure offered by the company. An ANOVA was also carried out, whose results showed a significant homogeneity in the employees’ opinion regarding labor relations and physical facilities. Among the conclusions, we highlight the fact that the grades attributed to the work characteristics rise as the degree of importance given to the work by the interviewees increases, demonstrating a new understanding about the meaning of work, according to the perspective of those which are part of the Creative Industry sector.
Keywords: Creative Economy. Porto Digital. Meaning of work. Factorial analysis. ANOVA.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Reis (2011), os conceitos referentes à economia criativa foram exaustivamente debatidos há mais de uma década, apesar de poucas vezes ter-se chegado a definições claras. A autora lembra que o assunto ganhou destaque nas discussões de alguns países industrializados desde a década de 1990. Neste período, ocorreram mudanças de ordem econômica e social, levando ao deslocamento do foco das atividades industriais para as atividades intensivas em conhecimento. Desde então, criatividade, competência e talento individuais se tornaram pilares importantes da estratégia de desenvolvimento desta nova economia. Mas o termo “indústrias criativas” só apareceu apenas em 2001, como título do livro de John Howkins.
Conforme afirma Reis (2011), as indústrias criativas são um conjunto de setores econômicos específicos que agregam valores intangíveis à sociedade e utilizam conteúdos simbólicos para desenvolver seus produtos. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2016), por sua vez, define núcleo criativo como o centro de toda a cadeia produtiva da indústria criativa, sendo formado por atividades econômicas que têm as ideias como insumo principal para geração de valor.
Conforme dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, 2010), a erupção da crise financeira e econômica mundial em 2008 provocou uma queda na demanda global e uma contração no comércio internacional. Apesar disto, as exportações mundiais de bens e serviços criativos continuaram a crescer, contrariando as tendências da economia.
Os dados estimados pela Firjan (2016) mostram que o PIB Criativo estimado no PIB Brasileiro cresceu de 2,56% para 2,64%, gerando uma riqueza de R$ 155,6 bilhões para a economia brasileira no último ano. No setor criativo, o trabalhador ocupa papel de destaque e ainda de acordo com dados da Firjan (2016), têm rendimento mensal médio superior se comparado ao patamar nacional, o que pode ser explicado, em parte, pelo elevado grau de formação que as profissões criativas demandam. Outro fator que explica o diferencial no salário desses profissionais é seu papel de grande importância para o crescimento das indústrias criativas e consequente desenvolvimento regional e nacional. No caso de Pernambuco, ainda de acordo com pesquisas da Firjan (2012), estima-se um PIB criativo de R$ 2,2 bilhões, que representa 2,1% de toda produção estadual, ocupando a sexta maior parcela de contribuição entre os 27 estados da federação e a maior da região Nordeste.
Contudo, sabe-se que problemas de desempenho representam uma preocupação significativa dos administradores em todo o setor empresarial, levando à construção de mecanismos de gestão com objetivo de identificar e corrigir rapidamente os desvios de desempenho. Um trabalhador que sente prazer ao realizar seu trabalho se sente mais estimulado a produzir de forma eficiente.
Neste contexto, Morin (2001) ressalta que compreender os sentidos do trabalho nos dias de hoje tornou-se um importante desafio para os administradores, considerando-se as várias transformações que atingem as organizações. É necessário entender quais características são desejáveis em um ambiente de trabalho na visão dos profissionais. Ribeiro e Léda (2004) acreditam que para tornar mais eficiente o trabalho, é necessário integrá-lo à vida e dar um sentido, não se restringindo a ser um meio de sobrevivência. Portanto, uma atividade profissional que incorpora um significado intrínseco ajudará na construção de uma nova sociedade, marcada por valores éticos.
Considerando as diferenças entre os profissionais do setor criativo e os dos demais setores, a presente pesquisa investiga qual a importância do trabalho para os funcionários no caso particular das indústrias do Porto Digital, e que características presentes em seus trabalhos os deixam mais estimulados. É importante o esclarecimento de alguns termos utilizados ao longo do trabalho. Observou-se que alguns autores divergem quanto ao uso dos termos sentido e significado (Tolfo e Piccinini (2007); Morin et. al. (2007)). Neste trabalho utilizaremos ambos como sinônimos, da mesma forma que Morin et. al. (2007). Além disso, da mesma forma que no trabalho de Bendassoli e Borges-Andrade (2011), satisfação e motivação no trabalho, apesar de não serem objetos do presente estudo, poderão ser mencionados em algumas seções, por não ser possível dissociar o significado do trabalho da satisfação e motivação.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Economia criativa e Porto Digital
Em meados da década de 90 a economia criativa ganhou foco nas discussões internacionais. O destaque deve-se ao papel estratégico que assumiu como forma de crescimento e desenvolvimento econômico e social de países desenvolvidos e em desenvolvimento através da geração de emprego e renda, promoção da inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano como ressalta Leitão et. al. (2011). De acordo com Reis (2008), sua origem remonta ao projeto Creative Nation, da Austrália, de 1994, e posteriormente, em 1997, na Inglaterra, no governo de Tony Blair.
Desde então, a junção de criatividade, competência e talentos individuais com gestores e profissionais da área tecnológica ganha espaço. Nas indústrias de moda, games, fotografia, dentre outras, a criatividade é o elemento central. Neste novo mercado, o valor econômico dos produtos gerados reside em suas propriedades intelectuais, contrariando a teoria do valor-trabalho da escola clássica, desenvolvida por Adam Smith e David Ricardo, entre outros.
De acordo com Reis (2011), as indústrias criativas são entendidas como um conjunto de setores econômicos específicos, cuja seleção varia entre regiões ou países, e funcionam como catalisadores e fornecedores de valores intangíveis à sociedade. Já a economia criativa abrange, além das indústrias criativas, o impacto gerado por elas em outros setores da economia, em meio às profundas mudanças sociais, organizacionais, políticas, educacionais e econômicas, sendo utilizada pelos governos como estratégia de desenvolvimento. É neste contexto que surgem as cidades e espaços criativos, que funcionam como forma de combate às desigualdades e violência e de atração de talentos e investimentos para revitalizar áreas degradadas de promoção de clusters criativos.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, 2010), trata-se de um novo paradigma de desenvolvimento que liga economia e cultura, abraçando economicamente aspectos culturais, tecnológicos e sociais, nos macro e micro níveis. A criatividade, o conhecimento e o acesso às informações são cada vez mais reconhecidos como poderosos motores para impulsionar o crescimento econômico, promovendo desenvolvimento num mundo globalizado. Ainda de acordo com a Unctad (2010), no período de 2000 a 2005, as exportações de bens e serviços criativos tiveram um incremento médio de 8,7% no comércio internacional, movimentando U$ 424,4 bilhões de dólares em 2005. Este valor é quase cinco vezes maior que as exportações brasileiras no mesmo ano (U$ 95 bilhões de dólares).
Nas últimas décadas, Pernambuco foi invadido por um ambiente de inovação, consolidado com a criação do polo tecnológico situado na cidade de Recife, capital pernambucana. Desde então, a região tornou-se atrativa para instituições, empresas, universidades e governos, ocasionando mudanças econômicas e sociais para gerar emprego, renda e riqueza para o estado. O Porto Digital surgiu em julho de 2000, tendo como finalidade produzir conhecimento localmente e exportar serviços de valor agregado para o mundo. Une os setores de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) à Economia Criativa. O projeto tem como objetivo o desenvolvimento econômico da região e agrega investimentos públicos, iniciativa privada e parcerias com universidades.
De acordo com informações fornecidas pelo Porto Digital (2017), atualmente há 250 empresas, entre instituições de TIC, Economia Criativa, serviços especializados e órgãos de fomento. Em treze anos de operação, foram criados 7.000 postos de trabalho, atraindo dez empresas de outras regiões do país e quatro multinacionais, abrigando quatro centros de tecnologia. O Porto Digital está situado em Santo Amaro e no Bairro de Recife, que possui infraestrutura adequada à instalação de empresas de tecnologia da informação e comunicação.
2.2. Significado do trabalho
Além da economia criativa, um segundo ponto importante no presente estudo refere-se ao significado do trabalho. O surgimento do mesmo está relacionado ao atendimento das necessidades básicas dos homens, que em tempos remotos, produziam apenas para seu próprio consumo em roupas, alimentos ou moradia. Com o aparecimento das primeiras sociedades, teve início o escambo, mas com o passar do tempo, o trabalho ganhou importância na vida das pessoas, tornando-se um instrumento do valor e da dignidade humana. Se com a globalização e a produção massiva de bens, o trabalho tornou-se profundamente degradado enquanto valor individual, com eliminação da criatividade em grande parte das empresas, durante certo período, hoje ele representa um valor importante para as sociedades ocidentais contemporâneas e exerce influência considerável na motivação dos trabalhadores, assim como sobre sua satisfação e produtividade.
O homem passou a ser visto como componente da força de trabalho, e o trabalho tem grande valor para as sociedades ocidentais contemporâneas, estando intimamente ligado à dignidade, satisfação e motivação dos trabalhadores. Não raro, é no trabalho que as pessoas passam a maior parte de seu dia; são horas dedicadas às atividades exigidas pela função ocupada.
O trabalho passou a ser visto não apenas como forma de obtenção de renda, seu significado para o profissional vai muito além do aspecto econômico. O trabalhador moderno enxerga no trabalho a possibilidade de realização pessoal, status social, reconhecimento pela sociedade e ampliação do networking.
3. METODOLOGIA
Para o alcance do objetivo deste estudo, foi realizada uma pesquisa quantitativa exploratória classificada como survey. A pesquisa utilizou um método quantitativo baseado em um questionário canadense de medida para o significado do trabalho desenvolvido originalmente por Morin (2001, 2007), e posteriormente utilizado por Bendassoli e Borges-Andrade (2011).
O método foi aplicado a profissionais pertencentes às indústrias criativas recifenses embarcadas no Porto Digital. Inicialmente, foi feita uma análise descritiva das informações obtidas mediante aplicação dos questionários, obtendo-se um esboço geral do perfil do público entrevistado.
Em seguida, realizamos a análise fatorial de forma a agrupar os atributos de preferência dos profissionais em uma menor quantidade de fatores. Também realizamos testes para avaliar a diferença de médias. A descrição detalhada destes métodos é apresentada a seguir.
3.1. Amostra
Para a realização da pesquisa foi utilizada uma amostragem aleatória simples. É o tipo de amostragem probabilística mais utilizada pelos pesquisadores por sua precisão e eficácia. É também o procedimento de mais fácil aplicação, já que todos os elementos que constituem a população terão a mesma probabilidade de serem selecionados. Normalmente trata-se de um modelo probabilístico sem reposição, como em nosso caso particular. Nossa população-alvo inclui os 7.000 trabalhadores do Porto Digital do Recife e a amostra calculada foi de 365 trabalhadores.
Considerou-se um nível de confiança de 95%, conforme citado anteriormente, e um erro-padrão de 5%. Obtivemos um total de 374 trabalhadores respondentes, quantidade superior à amostra estimada.
3.2. Questionário
Para a elaboração do questionário foram utilizados estudos anteriores (Bendassolli e Borges-Andrade (2011); Porto e Tamayo (2003); Morin (2001); Morin et. al. (2007); Borges e Alves Filho (2001)). Preferimos criar um questionário próprio a utilizar um questionário de outro trabalho por acreditarmos que nenhum supria totalmente nossas necessidades para o presente estudo. Ao todo, são 44 questões a serem respondidas pelos entrevistados. Inicialmente foram incluídas as questões demográficas, para reunir informações sobre sexo, idade, nível de escolaridade, estado civil e renda familar mensal.
Em seguida aparecem as perguntas de múltipla escolha e questões numéricas abertas para obter informações referentes ao trabalho do participante, como o tipo de cargo ocupado e o tempo que trabalha no setor criativo. Temos ainda as questões em que os entrevistados pontuaram o Porto Digital no que se refere a alguns pontos de interesse, como estrutura física e remuneração, por exemplo. Por último temos as questões de classificação sobre que atributos os participantes consideram mais importante que existam em seu trabalho, utilizando a Escala Likert.
Esta última questão baseia-se na Teoria dos Atributos de Lancaster (1966).
As questões de classificação são o principal alvo do trabalho, totalizando 28 perguntas. O objetivo é avaliar quais atributos são considerados mais importantes para que o funcionário se sinta satisfeito com seu trabalho, ou em outras palavras, queremos saber que características do Porto Digital agregam sentido ao trabalho dessas pessoas. Os sete primeiros atributos (Utilidade do trabalho à sociedade, Ética no trabalho, Autonomia no trabalho, Desenvolvimento pessoal, Aprendizagem contínua, Boas relações profissionais e Identificação com o trabalho) foram retirados do trabalho de Bendassoli e Borges-Andrade (2011).
Os atributos Recompensa financeira e Realização pessoal/profissional foram encontrados no trabalho de Porto e Tamayo (2003). Os quatro atributos seguintes (Trabalho desafiador, Reconhecimento e apoio, Bem-estar proporcionado e Trabalho socialmente responsável) faziam parte do artigo de Morin (2001). Oportunidade de auto-expressão, Condições de Trabalho e Responsabilidade delegada foram atributos retirados do trabalho de Borges e Alves Filho (2001).
Os últimos dez atributos foram criados para este trabalho, com o propósito específico de estudar o Porto Digital. Muitos atributos utilizados nos trabalhos citados foram excluídos desta pesquisa por considerarmos repetitivos.
3.3. Técnicas estatísticas utilizadas
3.3.1. Análise Fatorial
A Análise Fatorial foi desenvolvida por Charles Spearman em 1904 para descrever a inteligência através de um único fator, mas o termo “Análise Fatorial” só foi introduzido em 1931 por Louis L. Thurstone. A técnica foi desenvolvida para analisar problemas relacionados com a psicologia, sendo posteriormente expandida para as demais áreas. O objetivo da análise fatorial é desvendar estruturas existentes altamente correlacionadas que não são observáveis diretamente, dividindo-as em dimensões menores que recebem o nome de ‘fator’.
Ao identificar os fatores, a análise fatorial simplifica estruturas complexas de relacionamento, o que permite uma melhor compreensão da estrutura de dados. Mas ao se mensurar os atributos de preferência dos trabalhadores, existe o risco de serem selecionados grupos de variáveis com alta correlação, indicando um mesmo aspecto, como por exemplo a realização pessoal, profissional e financeira pelo trabalho, que pode ser conjuntamente expressa por um único fator.
Como no presente estudo não há um conhecimento prévio das relações de dependência entre as variáveis identificadas, utilizaremos a Análise Fatorial Exploratória (AFE). Na seleção dos atributos utilizados no questionário, há a possibilidade de termos selecionado grupos de variáveis altamente correlacionadas, indicando um mesmo aspecto.
Desta análise resultará uma definição dos principais aspectos que devem estar presentes em um trabalho, de forma a agradar o funcionário em sua percepção sobre o trabalho. No que se refere ao método de extração dos fatores a ser utilizado, optamos pela utilização da ACP, recomendada para a determinação de fatores que contenham o maior grau de explicação da variância possível, como lembra Bezerra (2012).
Utilizaremos o R-mode factor analysis, que é utilizado quando o pesquisador busca identificar estruturas subjacentes capazes de ser percebidas apenas pela construção de relacionamentos entre diversas variáveis (BEZERRA, 2012, p. 82).
A escolha de número e fatores é um ponto fundamental quando se utiliza a análise fatorial. Ao reduzir o número de fatores o pesquisador optar por tratar apenas da variação total dos dados que consegue ser explicada pelos fatores. Mas neste ponto, o pesquisador enfrenta um trade-off: se limitar demais o número de fatores, corre o risco de estudar apenas um conjunto particular de fatores; se aumentar demais, elimina o benefício de simplificação que a análise fatorial tráz para a pesquisa. Em ambos os casos, há prejuízo para inferências do estudo. Existem diversas técnicas para definir o número adequado de fatores, mas neste trabalho utilizamos o da porcentagem da variância explicada.
Nosso objetivo é identificar fatores que traduzam uma grande quantidade de atributos em uma quantidade de dimensões menores e que tenham alto poder explicativo. Para tanto, cada atributo deve compor apenas um único fator, de forma a simplificar a interpretação dos resultados. Por esta razão, neste trabalho será utilizada a varimax, rotação ortogonal, mais adequada para os objetivos descritos. A varimax tem como característica a minimização da ocorrência de variáveis que estejam correlacionadas com mais de um fator.
Inicialmente rodamos a análise fatorial com todos os fatores analisados e verificamos o Alpha de Cronbach, que indica o grau de confiabilidade dos dados, verificando se os mesmos são altamente correlacionados. Após obtidos os fatores, cada um foi nomeado de acordo com os atributos agrupados, de forma lógica e de fácil compreensão. Realizamos ainda cruzamentos entre os fatores e os dados de perfil sociodemográfico da amostra.
3.3.2. Teste ANOVA
O objetivo do teste de hipóteses é verificar a compatibilidade de um grupo de dados com uma hipótese H0. Neste trabalho, utilizaremos um teste de hipóteses paramétrico, tendo em vista que desejamos descobrir se existem diferenças entre duas médias amostrais independentes. De acordo com Anjos (2009), o teste ANOVA trata-se de uma análise de variância e permite que vários grupos sejam comparados ao mesmo tempo, utilizando variáveis contínuas.
Como afirma Anjos (2009), se a hipótese nula for verdadeira, todas as variáveis do Porto Digital avaliadas pelos respondentes terão uma média comum μ. A análise de variância (ANOVA) baseia-se na decomposição da variação total da variável resposta em partes que podem ser atribuídas às notas e ao erro experimental. O p-value corresponde ao menor nível de significância que pode ser assumido para rejeitar a hipótese nula. Dizemos que há significância estatística quando o p-value é menor que o nível de significância adotado. Neste trabalho, consideraremos a = 0,05 e, portanto, se o p-value < α, rejeitaremos a hipótese de nulidade H0.
Na próxima seção serão mostrados os resultados obtidos no trabalho, traçando inicialmente o perfil sociodemográfico da amostra utilizada e o perfil profissional. Logo após, serão apresentados os resultados dos testes de diferença de médias, seguidos pela análise fatorial.
4. RESULTADOS
4.1. Perfil sociodemográfico
Na análise do perfil sociodemográfico da população estudada, é possível perceber que percentual de mulheres (23,5%) é bastante inferior ao de homens (76,5%). Com relação à idade, a maior parte é composta por pessoas que têm até 29 anos de idade, representando 57,5% da amostra. A maior parte tem ensino superior completo (54,5%). A respeito do estado civil, a proporção de pessoas solteiras é maioria absoluta (66,8%).
Acerca da renda pessoal dos participantes, a maioria absoluta (55,1%) ganha entre 2 e 5 salários mínimos. Já na análise do perfil profissional, nota-se que a maioria absoluta exerce atividades no setor há no máximo 8 anos (77,3%). Além disso, a maior parte dos entrevistados ocupa cargos operacionais (73,3%). A maior parte das pessoas se dedica apenas ao trabalho no Porto Digital (86,9%) e considera o trabalho muito importante (67,4%).
4.2. Percepção dos trabalhadores quanto à importância dos atributos
Os entrevistados foram convidados a indicar o grau de importância que tem para os mesmos cada um dos 28 atributos relacionados ao trabalho, ou qual o impacto que o mesmo tem na realização satisfatória do trabalho destas pessoas. Foi utilizada uma escala Likert com valores variando entre 1 (sem importância) e 5 (muito importante). Dos 28 fatores analisados, dez eram referentes a aspectos particulares do Porto Digital, como a questão da teritorialidade e desenvolvimento local.
Os demais abordavam aspectos gerais da estrutura de trabalho, válidos para qualquer setor, como autonomia no trabalho e nível de responsabilidade. Com os dados coletados, antes de realizar a análise fatorial, foi necessário fazer um teste de confiabilidade dos dados. Estabelecemos que o mínimo aceitável do teste seria de 0,7, para garantir a confiabilidade da base de dados. A seguir é retratado o resultado para nossa base de dados referente aos atributos do trabalho. Nosso Alpha de Cronbach foi de 0,93, valor de teste superior a 0,7. Portanto, as 28 variáveis estudadas têm dados confiáveis para a realização da análise fatorial no conjunto de casos e itens a serem analisados.
Conforme explicado anteriormente na metodologia desta dissertação, o método de extração dos fatores utilizado foi o de Análise de Componentes Principais (ACP). Além disso, o tipo de análise escolhida foi o r-mode factor analysis e o método de rotação foi o varimax. Ao rodar os testes de KMO e de Bartlett, no primeiro caso obtivemos o valor 0,912, que indica que o método é perfeitamente adequado para tratamento dos dados.
No teste de esfericidade de Bartlett, baseado na distribuição qui-quadrado, a significancia foi de 0,0, indicando que os dados estão correlacionados significativamente. Portanto, os resultados encontrados nos testes viabilizam a utilização das variáveis selecionadas na análise fatorial. Além disso, o total da variância explicada é significativo em ambos os casos.
Tabela 1 – Resultado da Análise Fatorial
Fonte: Adaptado do SPSS. Pesquisa Direta.
Após relizar a análise fatorial, foram obtidos seis fatores coerentes, como pode ser observado na Tabela 1 acima. Os nomes foram escolhidos conforme os agrupamentos lógicos realizados através do procedimento.
O primeiro fator foi chamado de responsabilidade socioestrutural, pois avalia as funções social e estrutural desenvolvidas pelo Porto Digital. Neste fator, são abordadas questões como a qualificação dos recursos humanos, a preocupação com a sustentabilidade ambiental, o incentivo às micro e pequenas empresas, a infraestrutura e o ambiente inovador.
O segundo fator, denominado condições de trabalho, inclui itens que avaliam a percepção dos colaboradores quanto à forma que o trabalho é realizado. Neste fator são englobados itens como trabalho desafiador, reconhecimento do trabalho, e bem-estar proporcionado.
O terceiro fator, realização com o trabalho, trata da realização obtida com o trabalho no âmbito financeiro, pessoal e profissional. Inclui a percepção quanto à recompensa financeira, a realização pessoal e realização profissional.
O quarto fator, nomeado de desenvolvimento e aprendizagem, avalia a percepção dos respondentes sobre o quanto seu trabalho lhes permite se aperfeiçoar e aprender. Desenvolvimento pessoal, aprendizagem contínua e boas relações profissionais são alguns dos atributos abordados.
O quinto fator, valores do trabalho, refere-se aos valores utilizados pela empresa, como a ética. Nele estão inclusos itens que envolvem a utilidade para a sociedade do trabalho realizado, a existência de ética no trabalho e a autonomia.
O sexto e último fator, chamado de estrutura desenvolvida, está relacionado ao bom funcionamento do Porto Digital. É composto por intens como territorialidade, contribuição ao desenvolvimento local e existência de redes de empreendimentos. Os atributos que compõem cada um dos fatores será descrito a seguir no Quadro 1.
Quadro 1 - Resumo dos Fatores
Fonte: Adaptado do SPSS. Pesquisa Direta.
Portanto, o trabalho no Porto Digital é influenciado pelos seis fatores descritos neste trabalho. É através destes fatores que os trabalhadores enxergam a motivação do seu trabalho, tornando-se mais satifeitos e produtivos. Após nomear e descrever os fatores estabelecidos pela Análise Fatorial, consideramos importante avaliar as relações existentes entre estes seis fatores e as variáveis do perfil traçado na presente pesquisa.
Os resultados obtidos do Teste ANOVA mostraram relações significativas de cinco desses fatores (1, 2, 4, 5 e 6) com algumas variáveis: gênero, escolaridade, estado civil, tempo no setor, tipo de cargo ocupado e importância atribuída ao trabalho. As variáveis faixa etária e renda pessoal não exercem influência na determinação do significado do trabalho.
Tabela 2 – Teste de média dos fatores de 1 a 6
Continua.....
Fonte: Adaptado do SPSS. Pesquisa Direta.
Na avaliação dos fatores pelo gênero, vimos que homens e mulheres apresentaram diferença de respostas sobre os atributos que consideram importantes para a realização satisfatória de seu trabalho apenas no que se refere às condições de trabalho. Com relação à diferença de faixa etária não houve diferenças significativas nas respostas, como pode-se observar na Tabela 2 acima. Pelo nível de escolaridade observamos que os respondentes avaliaram de forma diferente os fatores referentes às condições de trabalho e ao desenvolvimento.
Em relação ao estado civil, apenas encontramos diferenças no teste de média com relação às respostas sobre responsabilidade e estrutura. No caso da renda pessoal, não foram encontradas diferenças de respostas.
Já com relação ao tempo de trabalho no setor, observamos que quem é mais antigo no setor criativo responde de forma diferente que quem é menos antigo com relação às condições de trabalho. As pessoas que ocupam cargos operacionais também responderam de forma diferente das que ocupam cargos de gestão em relação aos fatores responsabilidade e valores do trabalho. Os profissionais que atribuem maior importância a seu trabalho responderam de forma diferente dos que atribuem menos importância sobre o fator valores do trabalho. Como não realizamos outros testes, não é possível indicar a direção das diferenças de médias encontradas neste trabalho. No próximo capítulo serão discutidas as conclusões obtidas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa realizou um estudo no Porto Digital, principal expoente da economia criativa pernambucana, formado principalmente por indústrias do setor de tecnologia da comunicação. Investigamos a importância do trabalho para os funcionários das empresas embarcadas no Porto Digital, além de realizar um agrupamento dos fatores que influenciam e conferem sentido ao trabalho destes profissionais. O tema foi escolhido com o intuito de entender as características que devem fazer parte deste ambiente de forma a incorporar significado ao trabalho destas pessoas. Secundariamente, foram traçados os perfis da população.
Para atingir os objetivos deste estudo, foi realizada uma pesquisa quantitativa exploratória baseada em estudos anteriores. Nossa população-alvo incluiu os 7.000 trabalhadores do Porto Digital do Recife e utilizamos uma amostra de 374 trabalhadores. A pesquisa tem nível de confiança de 95% e um erro-padrão de 5%. O levantamento foi realizado por uma empresa contratada através de entrevistas por abordagem pessoal pela equipe de pesquisadores na área correspondente ao Porto Digital.
Investigamos apenas a centralidade absoluta neste trabalho. Observamos que os trabalhadores, de forma geral, se identificam com o trabalho realizado, o que os deixa mais motivados para desempenhar suas atividades. A autonomia que eles têm em seus trabalhos, a possibilidade de desenvolvimento e aprendizagem, as boas relações de trabalho e as instalações físicas que o Porto Digital oferece a estas pessoas também são fortes propulsores na execução de suas atividades profissionais. Contudo, concluímos que a remuneração recebida no Porto Digital é pouco satisfatória na opinião dos funcionários.
Através da Análise de Variância (ANOVA) percebemos que a opinião desta população é bastante homogênea no que se refere às relações de trabalho e instalações físicas do Porto Digital. Com relação ao perfil sociodemográfico, concluímos que os mais velhos obtêm mais satisfação que os mais jovens com o salário recebido. No caso das notas atribuídas à autonomia no trabalho, a tendência é crescente à medida que aumenta o nível de escolaridade. Os trabalhadores que recebem salários maiores também atribuíram notas mais altas à satisfação com a remuneração e ao desenvolvimento e aprendizagem.
No perfil profissional, as pessoas que ocupam cargos de gestão deram uma porcentagem maior de notas altas que as que ocupam cargos operacionais. Percebemos também que as pessoas que realizam outras atividades profissionais estão mais satisfeitas com os conhecimentos agregados no trabalho do Porto Digital. Observamos que as notas atribuídas às características presentes no trabalho aumentam à medida que cresce o grau de importância dada ao trabalho pelos entrevistados.
Na Análise Fatorial foram obtidos seis fatores coerentes: a responsabilidade socioestrutural da empresa, as condições de trabalho, a realização obtida no trabalho, o desenvolvimento alcançado, os valores da empresa e macroestrutura oferecida pela empresa. Comparando aos trabalhos seminais, no caso de Bendassoli e Borges-Andrade (2011), obtivemos resultados semelhantes no que diz respeito aos fatores, mas em relação à Porto e Tamayo (2003), os fatores encontrados foram bastante diferentes. Encontramos diferenças nas respostas de homens e mulheres sobre as condições de trabalho. Com relação aos níveis de escolaridade, os respondentes avaliaram de forma diferente os fatores referentes às condições de trabalho e ao desenvolvimento. Apenas encontramos diferenças no teste de média no estado civil com relação às respostas sobre responsabilidade e estrutura.
Este estudo procurou compreender o significado do trabalho na perspectiva das pessoas que trabalham no Porto Digital, a fim de contribuir com a criação de novas políticas empresariais direcionadas ao setor. Será útil para a criação de programas de incentivo e motivação dos trabalhadores da referida indústria, visando melhorias no desempenho desses funcionários. As limitações dizem respeito essencialmente ao tempo. Gostaríamos de ter explorado mais algumas questões do trabalho, como a mensuração da diferença entre médias. Após realizada a pesquisa de campo, observamos a necessidade de uma gama maior de questões na realização da pesquisa. Outro fator limitante é o número pequeno de estudos nesta área voltados para o setor criativo.
Como sugestões para trabalhos futuros sobre o tema, acreditamos ser altamente recomendável a realização desta pesquisa em outros estados do Brasil, utilizando o mesmo modelo e metodologia, a fim de comparações de perfis e estrutura fatorial nesta indústria. Apenas desta forma será possível expandir estes resultados para a indústria criativa no Brasil. Além disso, recomenda-se ainda para os próximos estudos avaliar a magnitude das diferenças entre médias, o que não foi possível realizar no presente trabalho pela limitação de tempo. São duas ideias com propósito de estimular outros pesquisadores a estudarem este setor de grande importância, mas que é esquecido no Brasil.
REFERÊNCIAS
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BEZERRA, F. A. Análise fatorial. In L. J. Corrar; E. Paulo e J. M. Dias Filho (Eds.). Análise Multivariada para os Cursos de Administração, Ciências Contábeis e Economia. São Paulo, Atlas, 2012. pp. 73-130.
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