Artigo 7 - 5652

RH conservador: um estudo sobre mudanças na gestão de pessoas em empresas estabelecidas no Brasil

 

Conservative RH: a study on people management changes in companies

established in Brazil

 

Luciano Henrique Trindade1 e Lindolfo Galvão de Albuquerque3

 

1 Instituto Federal de Educação e Tecnologia de SP, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: luciano.trindade@gmail.com

2 Universidade de São Paulo, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: lgalbuq@usp.br

 

Recebido em: 06/09/2019 - Revisado em: 15/12/2019 - Aprovado em: 12/02/2020 - Disponível em: 01/04/2020

Resumo

Teóricos e gestores da área preocupam-se com quais mudanças podem contribuir com a administração de recursos humanos (ARH) nas organizações, e também com a própria contribuição da ARH para com as organizações. Segundo Lawler (2011) a ARH vem buscando desempenhar um papel mais estratégico nas organizações, mas suas práticas não foram concebidas com isso em mente. Na medida em que a ARH, tanto como campo prático da Administração de Empresas quanto área de ensino e pesquisa, observa a necessidade de considerar o contexto, surgem estudos dedicados a verificar as especificidades nacionais. Considerando que: (a) organizações enfrentam um crescente imperativo para redesenhar-se, buscando ter agilidade e se adaptar mais rapidamente diante de um contexto cada vez mais dinâmico; (b) teóricos vêm apontando a necessidade de mudanças na ARH; (c) práticos vêm buscando caminhos para esse alinhamento; e (d) as peculiaridades locais influenciam esse movimento de mudança, surge uma pergunta: Tendo em vista as peculiaridades contextuais brasileiras, as organizações estão promovendo mudanças na ARH? As 92 mudanças identificadas se mostraram relativamente dispersas dentre os diversos portes e segmentos das organizações pesquisadas. De fato, nos causou alguma surpresa que organizações que fazem uso intenso da tecnologia, como as de computação e telecomunicações, não aparecessem com destaque em iniciativas de mudança, uma vez que a literatura destaca o fator tecnológico como impulsionador de modificações. . Os resultados da presente pesquisa apontam que as mudanças, pouco tem de disruptivas e transformacionais, segundo um perfil conservador onde se estabelece um elevado isoformismo.

Palavras chave: Recursos Humanos; Organização; Gestão

 


Abstract

Theorists and managers in the area are concerned with what changes can contribute to the management of human resources (ARH) in organizations, and also with the ARH’s own contribution to organizations. According to Lawler (2011), ARH has sought to play a more strategic role in organizations, but its practices were not designed with this in mind. To the extent that ARH, both as a practical field of Business Administration and as a teaching and research area, observes the need to consider the context, studies dedicated to verifying national specificities emerge. Considering that: (a) organizations face a growing imperative to redesign themselves, seeking agility and adapting more quickly in the face of an increasingly dynamic context; (b) theorists have pointed out the need for changes in ARH; (c) practitioners have been looking for ways to achieve this alignment; and (d) local peculiarities influence this movement of change, a question arises: In view of the Brazilian contextual peculiarities, are organizations promoting changes in the ARH? The 92 changes identified were relatively dispersed among the different sizes and segments of the organizations surveyed. In fact, we were surprised that organizations that make intensive use of technology, such as computing and telecommunications, did not appear prominently in initiatives for change, since the literature highlights the technological factor as a driver of changes. . The results of the present research point out that the changes are not very disruptive and transformational, according to a conservative profile where a high isoformism is established.

Keywords: Human Resources; Organization; Management

 

1. Introdução

O avanço da tecnologia e da globalização vem tornando as mudanças na sociedade e nas organizações cada vez mais impactantes e em intervalos de tempo cada vez menores. Os pesquisadores, tanto no Brasil quanto no exterior, já, há algum tempo, vêm se dedicando a entender como as empresas devem lidar com o cenário atual. Nele, o mundo está se tornando mais integrado e interdependente, com o aumento da competitividade, das incertezas e das ameaças de um ambiente de negócios e de trabalho. As mudanças são cada vez mais rápidas, profundas e intensas, na busca da vantagem competitiva. De fato, segundo Brito e Brito (2012), a busca por vantagem na competição está presente em boa parte dos estudos sobre estratégia, assim como nas orientações das decisões empresariais.

Tendo em vista a compreensão de que os efeitos de tecnologia e mão de obra barata, fontes de vantagem competitiva, não mais se revelam suficientes para proverem uma posição competitiva sustentável, as pessoas e suas competências passaram a ser enfatizadas como elementos de diferenciação estratégica. A gestão de pessoas passa a ter importância ascendente nas organizações (PRAHALAD; HAMEL; JUNE, 1990).

Modelos estratégicos têm focado, principalmente, em determinantes internos de competitividade, movendo-se do exterior para o interior das organizações (HOSKISSON; HITT, 1999). Segundo Fischer (2015), essas mudanças têm produzido também um ajuste da perspectiva na gestão de pessoas, diminuindo o foco na administração das questões burocráticas, para uma orientação mais estratégica. Os modelos de gestão de pessoas, que eram praticamente desconectados do pensamento estratégico, tiveram sua importância aumentada quando recursos intangíveis, como a força de trabalho e as demais questões sociais, passaram a ser vistos como elemento central da estratégia das organizações (FISCHER, 2015).

Ao longo do tempo, na medida em que as organizações ficam cada vez mais ágeis e complexas, suas áreas de recursos humanos (RH) vêm tentando acompanhar esse movimento, buscando caminhos para se tornarem mais valiosas, agregando valor às organizações. Segundo Bianchi (2013, p. 8), a complexidade do cenário competitivo e o aumento da velocidade e do impacto das mudanças do ambiente externo vêm afetando variáveis que impactam profundamente a gestão de pessoas nas organizações. Nesse cenário, vêm surgindo demandas anteriormente inexistentes, que carecem da atenção dos pesquisadores e práticos do campo (LAWLER, 2011).

Barreto et al. (2010) lembraram que uma das características da gestão de pessoas é sua sujeição a fatores ambientais, sejam eles econômicos, sociais, demográficos ou empresariais. Neste contexto, são necessárias mudanças na gestão de pessoas, que surgem na forma de novas políticas e práticas, procurando garantir a superação de desafios (FISCHER, 2002; WOOD JR., 2005). A realidade e o futuro da gestão de RH e das pessoas no ambiente de trabalho e o formato do próprio trabalho são temas atuais e relevantes, tanto para os teóricos, quanto para a prática organizacional, buscando a melhor forma de operacionalizar essa função. Tendências em gestão de pessoas remetem à maneira pela qual os profissionais e as organizações pretendem reagir e transformar desafios em oportunidades, seja através de novos modelos, formatos, políticas ou práticas (FISCHER; ALBUQUERQUE, 2011).

Teóricos e gestores da área preocupam-se com quais mudanças podem contribuir com a administração de recursos humanos (ARH) nas organizações, e também com a própria contribuição da ARH para com as organizações. Segundo Lawler (2011) a ARH vem buscando desempenhar um papel mais estratégico nas organizações, mas suas práticas não foram concebidas com isso em mente. Buscando se posicionar melhor, ARH passou por um momento de “expansão horizontal”, tomando para si novas responsabilidades, na tentativa de justificar sua existência e agregar valor para a organização:

“Recentemente, em algumas organizações, a função de RH tornou-se responsável por áreas que tradicionalmente não faziam parte da ARH. Por exemplo, a sustentabilidade tornou-se responsabilidade de alguns vice-presidentes de RH, assim como comunicação, reputação corporativa, relações com a comunidade, design organizacional e mudança na organização. Contudo, o nome da área não mudou para refletir estas novas responsabilidades” (LAWLER, 2011, tradução nossa).

Na medida em que a ARH, tanto como campo prático da Administração de Empresas quanto área de ensino e pesquisa, observa a necessidade de considerar o contexto, surgem estudos dedicados a verificar as especificidades nacionais e realizando comparativos. Este é o caso de pesquisas como a de Festing (2012), que comparou práticas na Alemanha e nos Estados Unidos, e a de Kramar e Parry (2014), que comparou as dos Estados Unidos com as da Austrália, Japão, Nova Zelândia, Filipinas e Tailândia, encontrando diferenças das práticas destes países não só em relação à norte-americana, mas também entre eles. Especificamente no que tange ao panorama nacional da ARH, um estudo foi apresentado por Wood Júnior, Tonelli e Cooke (2011), partindo da década de 1980, denominado pelos autores como neocolonização. Os autores argumentam que, historicamente, a ARH nacional vem tentando acompanhar os movimentos internacionais, tanto por influência das empresas multinacionais quanto das escolas de administração. Segundo os autores, três grandes mudanças vêm marcando a ARH nos últimos tempos: (a) a busca de um melhor alinhamento com os objetivos empresariais; (b) a adoção intensiva de novos modelos e práticas; (c) a adoção de uma nova retórica. Esta retórica é caracterizada pela presença de valores individualistas, relacionados ao sucesso e à excelência, ao culto dos líderes transformacionais e à promoção dos princípios de adaptabilidade, inovação e competitividade.

O trabalho de Fischer e Albuquerque (2011) corrobora essas afirmativas, partindo da perspectiva dos práticos da ARH, apontando que caminha-se para um perfil em que há alinhamento com a estratégia e, consequentemente, com os objetivos empresariais. Isso resultou no aumento do alcance da ARH nas organizações, quanto às mudanças e transformações que energizam novas políticas, processos, atitudes e práticas de gestão de pessoas. Segundo esses pesquisadores, o especialista da área deve ser capaz de lidar com essas contradições e desafios, tornando-se um expert no negócio da empresa e passando a utilizar instrumentos de trabalho antes pouco conhecidos, como marketing e estratégia, para que tenha capacidade de promover mudanças culturais e inovando para a efetiva conquista de resultados.

Pesquisa conduzida pela Deloitte Touche Tohmatsu (2017), realizada em nível global junto a mais de 10 mil líderes de recursos humanos, em 140 países, revelou que a maior preocupação dos práticos da área diz respeito a como a ARH vai colaborar e, eventualmente, conduzir esse movimento rumo às “organizações do futuro”. Neste RH moderno, a organizações de alto desempenho operam em redes coordenadas por meio da cultura, sistemas de informação e mobilidade de talentos. Essas organizações não têm sua atenção apenas no redesenho da própria organização, mas no desenvolvimento de novos modelos.

As organizações, enquanto sistemas abertos, são susceptíveis às variações do ambiente externo e, no Brasil, em face dessas variações, há a necessidade da ARH se adaptar, encontrando soluções para contribuir com a organização em sua busca da sustentabilidade empresarial e da vantagem competitiva. Para auxiliar as organizações na busca destas respostas, pesquisadores brasileiros têm intensificado a produção de trabalhos quanto a possibilidades, configurações, políticas e práticas na gestão de pessoas (DEMO; FOGAÇA; FERNANDES, 2015).

Uma das maneiras de se adentrar nessa problemática é através do recorte da teoria institucional sob a perspectiva sociológica. Segundo Tolbert e Zucker (2007, p. 204), existe uma consolidada produção a respeito de inovação e mudanças em organizações, que se ampara na teoria institucional, buscando entender, dentre outros fenômenos, os arranjos estruturais e em políticas e procedimentos de uma ou um conjunto de organizações. Segundo Caldas e Fachin (2007, p. 75), exemplos de pesquisas pertinentes nesse campo contemplaram o conceito de isomorfismo e dos mecanismos de mudança (DIMAGGIO; POWELL, 1983).

Na medida em que autores (i.e. AMORIM, 2007, p. 291) apontam evidências de que as organizações brasileiras estão mudando em função do contexto, seja de forma estrutural ou por meio das práticas, este trabalho tem interesse em verificar em que proporção estas mudanças estão ocorrendo. A unidade de análise desta tese é constituída por um conjunto de 150 organizações que participaram e foram selecionadas para o periódico “Melhores Empresas para se Trabalhar” das revistas Exame e Você S/A da editora Abril na edição de 2016. Esta edição foi escolhida por ser a mais recente no momento do início da pesquisa empírica. As organizações foram juntadas, classificadas e selecionadas por manterem boas práticas de ARH, por meio de critérios definidos por pesquisadores do PROGEP (Programa de Estudos em Gestão de Pessoas), que é um centro de pesquisa especializado em Gestão de Recursos Humanos ligado à FIA (Fundação Instituto de Administração) e criado por professores originários do Departamento de Administração da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).

Esse conjunto foi escolhido partindo-se do pressuposto de que, por já serem selecionadas como referência dentre um universo maior de organizações por meio de pesquisa anterior, estão buscando ter estratégias, políticas e práticas de ARH mais alinhadas ao presente paradigma. As organizações estudadas, por sua própria declaração, atuam em segmentos de mercado diversos e são preponderantemente de médio porte, entre 200 e 500 empregados; e de grande porte, com mais de 500 empregados (DIEESE, 2017).

1.1. Problema de Pesquisa e Objetivo

Considerando que: (a) organizações enfrentam um crescente imperativo para redesenhar-se, buscando ter agilidade e se adaptar mais rapidamente diante de um contexto cada vez mais dinâmico; (b) teóricos vêm apontando a necessidade de mudanças na ARH; (c) práticos vêm buscando caminhos para esse alinhamento; e (d) as peculiaridades locais influenciam esse movimento de mudança, surge uma pergunta: Tendo em vista as peculiaridades contextuais brasileiras, as organizações estão promovendo mudanças na ARH?

Buscando responder à pergunta de pesquisa, este trabalho se propõe, como objetivo principal, verificar, por meio da declaração das organizações pesquisadas, mudanças ocorridas na sua ARH. Deste objetivo principal derivam outros, secundários que são: (a) identificar, dentre as organizações pesquisadas, quais as mudanças mais frequentes na ARH das organizações; (b) analisar se as mudanças identificadas são dispersas ou se concentram em empresas de determinado porte (número de empregados) ou segmento (de mercado) declarados pelas organizações; (c) caracterizar a natureza destas mudanças; se estratégicas, de políticas ou de práticas; (d) comparar os achados das organizações buscando verificar, segundo o conceito de Dimaggio e Powell (1983), se há “isoformismo” institucional entre elas e (d) analisar as mudanças sob um aspecto mais geral, avaliando se está havendo uma busca interna de alinhamento ao perfil de “organizações do futuro”, ou seja, a organizações de alto desempenho operam em redes coordenadas por meio da cultura, sistemas de informação e mobilidade de talentos. Essas organizações não têm sua atenção apenas no redesenho da própria organização, mas no desenvolvimento de novos modelos (DELOITTE TOUCHE TOHMATSU, 2017; FISCHER; ALBUQUERQUE, 2011; LAWLER; WORLEY, 2011).

 

2. Fundamentação Teórica

Uma vez definida a questão a ser respondida pela presente pesquisa e os objetivos que derivam desta, procedeu-se a uma revisão da bibliografia, buscando um referencial teórico que colaborasse na busca destes objetivos. A revisão concentrou-se nos seguintes tópicos, que foram: (a) a ARH é o campo de estudo onde se posiciona o presente trabalho; (b) a Teoria Institucional é uma lente possível para observar a realidade e uma abordagem consolidada para a análise organizacional, tendo dentre seus interesses o de compreender mecanismos causais de mudança e estabilidade que afetam as organizações e; (c) como as mudanças são o fenômeno estudado neste trabalho, verificamos as diferentes perspectivas, conceitos e informações correlatas ao tema, que são úteis ao objeto do presente estudo.

A GRH (gestão de recursos humanos) ou ARH (administração de recursos humanos), em inglês HRM (human resources managment), é definida, de uma forma bastante ampla e genérica, como a coordenação e efetiva utilização da mão de obra das pessoas para a produção de bens e serviços nas organizações, independentemente de modelos econômicos (LATHAM; SULSKY; MACDONALD, 2008). Frequentemente, confunde-se esse conceito amplo de ARH com uma interpretação mais restritiva, como se a área tratasse apenas de filosofia e da prática gerencial, propagada pelas escolas de negócios a partir da década de 1980 (DULEBOHN; FERRIS; STODD, 1995). Na literatura, sobretudo nacional, encontra-se ainda o termo GP (gestão de pessoas), que, além de ser uma tentativa de substituir a desgastada noção de ARH, tem por objetivo ressaltar o caráter da ação, a “gestão”, e seu foco de atenção, que são as “pessoas” (FISCHER, 1998, p. 49). Para fins do presente trabalho, utilizaremos majoritariamente o termo ARH, referenciando-se a todas as atividades de gestão do trabalho das pessoas nas empresas e em outras organizações formais. Uma escolha feita por mera convenção, uma vez que, de forma prática, observou-se que os diferentes termos vêm sendo empregados frequentemente como sinônimos na literatura. Legge (2005) afirma que a ARH estuda como as relações de trabalho são gerenciadas pela organização de forma a alcançar suas metas. Tais relações de trabalho formalizam-se por meio de políticas e práticas, sendo que as políticas de gestão de pessoas devem ser integradas ao planejamento estratégico da organização e utilizadas para reforçar a cultura organizacional.

A Teoria Institucional caracteriza-se como abordagem consolidada para a análise social e, particularmente organizacional, observando as instituições e suas regras, bem como as práticas e estruturas que permitem sua consecução, tendo como interesses compreender e identificar mecanismos causais de mudança e estabilidade que afetam as organizações (GREENWOOD et al., 2017). As práticas organizacionais são um reflexo direto ou uma resposta às regras e estruturas incorporadas em seu ambiente (PAAUWE; BOSELIE, 2003). Esse ambiente institucional é fonte de legitimação, recompensas ou incentivos, bem como restrições ou sanções, para as atividades organizacionais (MEYER; ROWAN, 1977).

Segundo Greenwood et al. (2017), a abordagem institucional utilizada na análise organizacional pode ser chamada de institucionalismo organizacional. Segundo o autor, o institucionalismo organizacional tem como questão central: o que a perspectiva institucional nos diz sobre o comportamento organizacional? A Teoria Institucional tem sua ênfase nos aspectos contextuais, históricos e processuais, constituindo-se de uma lente útil para analisar o comportamento organizacional, porque pode auxiliar a responder a incompatibilidade empírica, onde o que se observa no mundo é inconsistente com as maneiras pelas quais as teorias contemporâneas tentam observar os fenômenos. (GREENWOOD et al., 2017).

DiMaggio e Powell (1983) realizaram uma análise dos processos institucionais observando que o contexto institucional obriga as organizações a serem isomórficas, ou seja, similares entre si, na forma e na prática. Estes autores apresentam três processos isomorfos: coercivos, miméticos e normativos. O isomorfismo coercivo resulta de pressões formais ou informais exercidas sobre a organização pelo governo, outras organizações ou as expectativas culturais do meio ambiente. O isomorfismo mimético está associado à incerteza em metas, tecnologia ou a dinâmica do mercado, que leva os tomadores de decisão organizacionais a adotar estruturas e práticas que modelam outras organizações líderes em seus campos. Consiste na imitação de arranjos estruturais e procedimentos bem-sucedidos implementados por outras organizações. O isomorfismo normativo resulta da profissionalização, por meio de padrões e estruturas cognitivas criadas e controladas por profissões e outros órgãos de padronização moral. Envolve o compartilhamento de um conjunto de normas e métodos de trabalho por membros de segmentos ocupacionais.

A mudança organizacional parte do princípio de que esse fenômeno é uma observação empírica de diferenças, ao longo de certo tempo, nas diferentes dimensões de uma organização, tanto em seu contexto interno quanto por conta de pressões provocadas pelo ambiente externo. Elementos internos englobam fatores técnicos, como estruturas, regulamentos e procedimentos, sistemas sociais, que incluem o clima organizacional e, ainda, aspectos relacionados a desempenho. Elementos externos envolvem aspectos setoriais tais como clientes, concorrentes, fornecedores e outros, bem como aspectos macro ambientais, como a tecnologia (BILHIM, 2010, p. 6–8).

O arco conceitual utilizado para a análise de resultados é amplo e, buscando clarificar os pressupostos teóricos assumidos nesta pesquisa, sem a expectativa de esgotar estes temas e na impossibilidade de cobrir o fenômeno sob todas as abordagens, optou-se por algumas escolhas epistemológicas que parecem adequadas na busca dos objetivos do presente estudo, que apresentamos sinteticamente no quadro a seguir:

Quadro 1 - Síntese de escolhas conceituais da pesquisa

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Fonte: Os autores

3. Metodologia

Embora a presente pesquisa possa ser realizada sob a lente de diversas concepções, optou-se pelo pragmatismo, sobretudo por estarmos orientados para “a prática do mundo real”, não querendo, meramente, verificar teorias, mas se utilizando de uma abordagem plural, centrada no problema de pesquisa.

A investigação se utilizou da abordagem qualitativa. Essa é uma abordagem naturalista pela qual se busca entender fenômenos dentro de seu próprio contexto específico. Estudos qualitativos cooperam para contribuições autênticas que apresentam resultados confiáveis em um determinado contexto, mostrando-se mais adequados quando o pesquisador pretende obter um panorama profundo, intenso e holístico do contexto em estudo (GRAY, 2012, p. 135).

Segundo Flick (2007, p. 201) o uso de documentos para análises tem uma longa tradição na pesquisa qualitativa. Documentos são artefatos que, embora não tenham sido propriamente produzidos para fins de pesquisa, podem ser analisados, tanto de forma quantitativa, para a geração de estatísticas, quanto para pesquisas qualitativas, podendo clarificar características, a história, as práticas e as responsabilidades de indivíduos e instituições. A análise de documentos pode ser utilizada, tanto como método autônomo, quanto apoiado por outras estratégias (FLICK, 2007, p. 231). Em relação à posição epistemológica desta pesquisa, na medida em que se optou por utilizar documentos, assume-se uma posição epistemológica que sugere que textos, documentos e registros visuais e escritos, objetos, artefatos e fenômenos podem fornecer ou contar como evidência (MASON, 2002, p. 107).

Segundo Flick (2007, p. 231), quando se decide pela realização de análise de documentos, podem ser utilizados documentos solicitados aos pesquisados, ou não solicitados. No caso da presente pesquisa, trata-se de documentos do primeiro tipo, sendo que se utilizou os cadernos de evidências da pesquisa MEPT (As 150 Melhores Empresas Para Você Trabalhar), edição 2016. Trata-se da vigésima e mais recente edição disponível, à época da coleta dos dados, realizada no início de 2017, de uma ampla pesquisa conduzida pela FIA (Fundação Instituto de Administração), conjuntamente com a revista Você S/A, que busca identificar organizações com melhores políticas e práticas na gestão de pessoas. A pesquisa MEPT é bastante abrangente nas suas categorias de estudo, que englobam aspectos como: comunicação interna, participação e autonomia, sustentabilidade e diversidade, relações interpessoais, carreira, gestão de processos e organização, saúde, segurança e qualidade de vida no trabalho (QVT), gestão do conhecimento e educação corporativa, gestão do perfil da liderança, reconhecimento e recompensa, gestão estratégica e objetivos, entre outros aspectos (FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO, 2016). Como a pesquisa MEPT se propõe a identificar o alinhamento das organizações com a modernidade, ou seja, o alinhamento das organizações com a evolução da gestão de pessoas, observou-se que a utilização desta base seria adequada para os fins que estamos pesquisando, selecionando os documentos do caderno de evidências das 150 organizações melhor posicionadas nesta edição da pesquisa. Enquanto a pesquisa MEPT concentra sua atenção em uma análise de natureza mais quantitativa para a composição de índices, a presente pesquisa buscou a construção de um corpus que permitisse uma avaliação qualitativa que transcende a mera análise dos textos.

Os cadernos de evidência utilizados nesta pesquisa, embora sigam uma estrutura comum, são compostos por respostas de perguntas abertas, o que acaba resultando em materiais pouco padronizados, tanto em formato quanto em conteúdo, somando um pouco mãos de 5000 laudas de documentos, o que impôs ao pesquisador um desafio e um intensivo esforço na análise dos dados, cujo procedimento de análise.

A análise dos dados propriamente dita se iniciou pela preparação do material e pela compilação dos dados coletados, ou seja, ordenando-os para que constituíssem uma base de dados. Para tanto, partiu-se de aproximadamente 530 megabytes de dados em 150 documentos distintos, sendo necessários alguns procedimentos de transcrição dos documentos originais para o formato digital, de forma a facilitar o posterior trabalho de recorte e agrupamento. Uma vez que esses dados textuais precisam ser ordenados de forma sistêmica, utilizou-se o ATLAS-ti, um CAQDAS (computer assisted qualitative data analysis software), para organizar os documentos coletados. Utilizou-se a AC (Análise de Conteúdo) pode ser considerada como um conjunto de técnicas de análise de comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, cuja a intenção é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção das mensagens, recorrendo a indicadores quantitativos ou não (BARDIN, 2011, p. 38). Na medida em que emergiam achados novas rodadas de codificação foram se seguindo em um roteiro onde pudesse ocorrer: (a) descrição – enumeração de características do texto; (b) interpretação – a significação concedida a essas características e (c) inferência – a passagem explícita da descrição à interpretação, conferindo ao procedimento uma relevância retórica (BARDIN, 2011; FRANCO, 2012).

Na medida em que os achados foram surgindo, foram criadas inicialmente 18 categorias temáticas, cuja nova análise por estes termos destacou 23.624 fragmentos, dos quais descartou-se, novamente, os que não correspondiam ao objeto da pesquisa, ou seja, mudanças na ARH. Este processo foi sendo realizado ciclicamente, adicionando-se novos termos e categorias, até que se observou uma certa “saturação”, na qual não surgiam novos achados. Mesmo após este momento, em que o CAQDAS não trazia novos resultados, optou-se pela leitura integral dos documentos obtidos para verificar eventuais mudanças não identificadas para marcação manual.

 

4. Análise dos Resultados

Verificou-se que, do conjunto das 150 organizações pesquisadas, das declarações de mudanças, 92 eram relacionadas a ARH, em 49 organizações, ou seja, em praticamente um terço das organizações. No restante das organizações, não se encontrou evidências de mudanças na ARH no material analisado.

Embora a presente pesquisa não tenha propriamente um interesse em estatísticas, a tentativa de fazer uma análise comparativa entre os diversos segmentos mostrou-se interessante. Ao contrário do que se poderia supor, outros segmentos se mostraram mais intensivos em mudanças na ARH do que o de tecnologia. Calculando-se o número médio de mudanças por setor, o da indústria automotiva foi o melhor posicionado; já em número absoluto de mudanças na ARH, o melhor posicionado foi o setor de energia. Setores como o de siderurgia e metalurgia, bem como bancos e serviços financeiros também tiveram destaque em termos de número de mudanças. Por outro lado, nos segmentos de comércio atacadista, eletroeletrônico, indústria de papel e celulose, produção e agropecuária e indústria extrativa não foram identificadas mudanças por meio da declaração das sete empresas pesquisadas nesses setores, o que pode sugerir que estes segmentos são menos propensos a mudanças na ARH.

O Dieese (2017) divide as organizações em grupos por porte: pequeno porte, com menos de 200 empregados, médio porte, entre 200 e 500 empregados; e grande porte, com mais de 500 empregados. Para fins dessa pesquisa, buscando uma visão mais detalhada, a partir de 500 empregados, realizou-se uma segmentação adicional. Torna-se importante salientar que, do universo de empresas pesquisadas, apenas 3 contavam com menos de 200 empregados e 9 podiam ser consideradas de médio porte (entre 200 e 500). A tabela seguinte consolida o que se encontrou quanto mudanças da ARH segundo o segmento das empresas:

 

Tabela 1 - Número de mudanças em administração de recursos humanos por segmento

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Fonte: Os autores

Quanto as mudanças por porte de empresa, das 92 mudanças na ARH, 6 foram em 3 empresas de médio porte (< 200 empregados), todas elas no seguimento de tecnologia e computação. Contudo, ao se avaliar o número de mudanças em relação ao número de empresas de cada porte, não se encontra uma grande diferença de ocorrências de mudanças pelo porte da empresa, conforme a tabela seguinte.

Tabela 2 - Mudanças na administração de recursos humanos por porte da organização

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Fonte: Os autores

Analisando os dados, é possível dizer que as mudanças na ARH não estão propriamente concentradas em um determinado segmento; contudo, há áreas onde essas mudanças foram mais intensas que em outras. Já com relação ao porte, não houve concentração em um determinado porte. Observou-se um pequeno aumento da incidência de mudanças nas empresas de pequeno porte, que se concentrou nas empresas de tecnologia e computação. Há também um pequeno aumento nas empresas de grande porte a partir de 5.000 empregados, em setores de atuação diversificada, o que, pelo menos na presente pesquisa, contraria a hipótese de que as mudanças seriam menos frequentes nas empresas maiores.

Procurou-se identificar se houveram fatores, por exemplo de caráter normativo, que explicassem a intensidade maior de mudanças nos segmentos automotivo ou de energia. Contudo, não foram encontradas especificidades nestes segmentos, dentro dos dados consultados. Também buscou-se identificar se haviam inovações impulsionando mudanças nesses mercados, como por exemplo, implantação de novas tecnologias de gestão ou no próprio oferecimento dos produtos e serviços, mas não foram identificados no conjunto de dados pesquisados. Uma lacuna da presente pesquisa, que pode ser explorada em trabalhos futuros.

As mudanças identificadas foram classificadas conforme sua natureza e abrangência: as estratégicas, relacionadas a direcionamentos mais amplos e do alinhamento da ARH com a estratégia organizacional; as de natureza mais tática, buscando a operacionalização da estratégica por meio de conjuntos de regras; as políticas e, finalmente, as mudanças de práticas que estão relacionadas a execução, ou seja, a operacionalização das ações da ARH. Do conjunto das 92 mudanças na ARH estudadas, metade (50%) se relacionava a mudanças de práticas, 25% de políticas e os demais 25% eram mudanças de natureza estratégica da ARH.

Das 23 mudanças de natureza estratégica, diziam respeito a mudanças da estrutura ou do redesenho da ARH na organização, mudanças de natureza cultural, relacionadas ao planejamento estratégico ou questões relacionadas a sustentabilidade.

Das 23 mudanças de natureza tática, relacionadas a modificações de políticas, encontraram-se as referentes à política de remuneração e participação nos resultados, política de sucessão, avaliação de performance, avaliação da liderança, código de Ética, forma de diagnóstico e organização de treinamentos, diversidade de gênero, gestão de projetos em RH, gestão por competências, política de utilização das mídias sociais, política de auditoria interna, política de desenvolvimento, política de employer branding, política de indicações de novos empregados, política de reconhecimento e recompensa e procedimentos de comunicação interna.

Finalmente, das 46 mudanças relacionadas à execução, os registros de mudanças de práticas relacionavam-se a mudanças das mais diversas: atendimento clínico na empresa, avaliação de performance, benefícios, biblioteca itinerante, call center de RH, campanha de redução de energia, forma de avaliar competências para liderança, introdução de construção coletiva do planejamento estratégico, consultoria em RH, desenvolvimento para lideranças e equipes, diálogo entre líderes, feedback em recrutamento interno, fim do banco de horas, ginástica laboral, indicadores de desempenho, integração de novos empregados, integração online, mapeamento de sucessores, nova ferramenta de feedback, recrutamento e recepção de novos talentos, oficinas de qualidade de vida no trabalho, pesquisa de clima, pesquisa de engajamento, práticas de sustentabilidade, premiação por performance, admissão e promoção, quadro de aviso digital, reeducação alimentar, reavaliação dos cargos, recrutamento Interno, reembolso de assistência médica, reuniões com empregados, saúde do trabalho, semana da diversidade, sistemas de ARH, treinamento, workshop comportamental e centro de expertise em RH para pesquisa.

 

 

4.1. Mudanças identificadas

Como resultante da análise de dados, mais ou menos intensas, mudanças foram identificadas, a seguir:

A. Um achado evidenciado na análise desse conteúdo é que as organizações estão passando por mudanças estratégicas recentes. 8% das organizações reportaram alguma mudança desta natureza (organizações 26, 27, 37, 40, 51, 63, 66, 75, 79, 107, 110 e 147) e duas reportaram um redesenho completo da área (as empresas números 16 e 87).

B. Ações de marketing voltadas aos empregados, também referenciado como endomarketing ou marketing interno, já são assuntos presentes na literatura há algum tempo e vêm se materializando nas organizações, principalmente em ações de comunicação interna, que buscam o alinhamento do comportamento do empregado aos valores organizacionais e propagando a sinergia nos relacionamentos interpessoais.

C. Branding (marca) do empregador, ou employer branding, é um termo que diz respeito à tentativa da organização de estabelecer uma reputação como um bom local de trabalho, principalmente, alinhando o recrutamento e as práticas externas de RH com a “marca”, reputação de identidade que a organização tem ou quer ter (SCULLION; COLLINGS, 2007). A totalidade das organizações estudadas afirmou ter ações de employer branding em curso, grande parte reportando ser uma mudança recente. Trata-se de uma peculiaridade da amostra, na medida em que os dados colhidos pela MEPT são utilizados por uma revista de circulação nacional que destaca justamente “Melhores Empresas para se trabalhar”, cujo destaque, certamente, coopera para o employer branding da empresa selecionada.

D. Duas das organizações estudadas (2 e 6) apresentaram a questão da sustentabilidade como uma mudança de natureza estratégica em suas ARH, buscando fortalecer a responsabilidade social de suas organizações. A análise dos documentos das organizações pesquisadas revelou, contudo, que 96% das empresas têm ações de responsabilidade direta do RH para o estreitamento do relacionamento com as comunidades do entorno das localidades onde essas organizações mantêm presença, incluindo ações de conservação ambiental.

E. Embora não houvesse perguntas especificas quanto a práticas inovadoras na base de dados estudada, verificou-se 86% das organizações pesquisadas declararam ter algum compromisso com a inovação. Dentre as mudanças identificadas pela pesquisa, muitas empresas as declararam como inovações. Contudo, observou-se, na análise dos documentos, que a maioria das ações é limitada, ora em abrangência, por exemplo envolvendo áreas como tecnologia, produção ou desenvolvimento de produtos, ora por hierarquia, voltada apenas para as lideranças, ora por falta de continuidade, limitando-se a programas de sugestões pontuais, consultorias e palestras. Em apenas 10% das organizações, há algum programa especificamente voltado ao estímulo da inovação de forma permanente e universal, sendo que a organização e condução desses programas está sob a égide da ARH

F. Gamification é um termo em inglês que se refere ao uso de elementos, mecânica e estética de jogos em contextos diferentes do entretenimento. A “gamificação” corresponde ao uso desses mecanismos de jogos com o objetivo de resolver problemas práticos, motivar para a ação, promover a aprendizagem ou para despertar engajamento entre um público específico (BURKE, 2014; KAPP, 2002). A implantação da gamificação do trabalho é uma mudança em 3% das organizações pesquisadas (18, 73, 90, 104 e 143), sendo o uso diversificado desde a comunicação até ações de reconhecimento.

G. Embora o home office seja considerado uma mudança por algumas empresas (15, 52, 60 e 147), ele já está presente em cerca de 35% das organizações pesquisadas, mesmo que de forma pontual. Outras iniciativas, como horário flexível e short Friday, com expediente menor às sextas-feiras, são práticas que buscam promover uma maior qualidade de vida no trabalho.

H. Embora 98% das organizações se utilizem da tradicional avaliação, em alguns casos, essa prática começa a perder o papel central como ferramenta de avaliação. 5% das organizações declararam que estão mudando (44, 46, 58, 80, 87, 106, 110 e 113), optando por privilegiar um “feedback contínuo”, em que a troca de ideias sobre o desempenho do empregado, complementado por alinhamentos de expectativas e reforços quanto ao que se espera do empregado, em termos de atribuições e entregas, ocorre em curtos intervalos de tempo.

I. O estudo dos documentos das organizações estudadas demonstra que a gestão de mudanças, dentro do contexto de RH, é considerada por 12% das organizações (3, 4, 23,26, 29, 32, 47, 67, 80, 82, 84, 90, 93, 115, 126, 135 e 136), sendo que, em uma delas (127), efetuou-se uma mudança com a incorporação da GMO como área da ARH.

Ao analisar os dados buscando atingir este objetivo foi importante voltar o olhar não para o que mudou, mas para o que não mudou e, mesmo quanto ao que mudou, foi importante refletir além da análise da mudança em si, mas para onde e porque esse movimento ocorreu. As mudanças de natureza estratégica mais intensas identificadas dizem respeito a mudanças da forma como o RH se configura em suas respectivas organizações em termos de estrutura. Verificou-se elevada semelhança na estrutura declarada pelas organizações.

Observou-se dois tipos de estrutura da ARH em termos de unidade de controle: ou existindo um único head da área, cujo principal executivo se reporta à presidência de organização, ou um sistema de dupla liderança, com um head responsável pela coordenação no Brasil e um líder internacional da prática, em nível global ou multinacional. Especificamente com relação a este segundo modelo de dupla liderança, percebeu-se um elevado isomorfismo de caráter normativo, em que as organizações têm baixa autonomia para adaptação local da estrutura, estratégicas, políticas e práticas. Observou-se que apenas as práticas relacionadas com peculiaridades de natureza legal são mais adaptáveis, enquanto as demais seguem as normativas do head quarter. Segundo Vasconcelos e Vasconcelos (2000), estruturas organizacionais não se mudam rapidamente, pois são fruto de uma ação adaptativa desenvolvida ao longo de anos. A resistência a mudanças dessa natureza aparece como um fenômeno comum e pode ser diminuída na medida em que se dê possibilidade de ação ao indivíduo, dentro da nova estrutura, onde ele possa sobreviver utilizando os meios de ação e cognição desenvolvidos por ele na estrutura organizacional anterior.

Outra mudança estratégica relatada por diversas organizações diz respeito a alterações de natureza cultural, ora relatando uma mudança da cultura da área em relação a um novo posicionamento organizacional, ora por conta da necessidade de a ARH colaborar em uma mudança cultural organizacional. Independentemente da forma com que as organizações e a ARH delas estão envolvidas, parece que se trata de um isomorfismo coercitivo, na medida em que resulta de pressões formais e informais exercidas sobre estas organizações por expectativas culturais da sociedade em que as organizações atuam (DIMAGGIO; POWELL, 1983, p.150), ou seja, é o mecanismo pelo qual as organizações se conformam às expectativas culturais capazes de impor uniformidade às organizações. As organizações não declararam expressamente quais pressões foram determinantes para promoverem a mudança, se por conta de outras organizações das quais elas dependem, regulamentações governamentais ou influência de outros stakeholders. Contudo, é possível inferir este isomorfismo coercitivo, uma vez que o mindset organizacional não muda rapidamente quando se trata de aspectos culturais já enraizados na organização e a resistência a essas mudanças também aparece como um fenômeno comum.

Para Dimaggio e Powell (1983), as mudanças nas estruturas organizacionais deixaram de ser impulsionadas pela concorrência e necessidade de eficiência, resultando em processos que tornam as organizações mais similares, sem necessariamente serem mais eficientes. Ou seja, as abordagens organizacionais altamente estruturadas proveem um contexto no qual o esforço individual para tratar racionalmente a incerteza e restrições frequentemente leva à homogeneidade em estrutura, cultura e resultado.

Outra mudança apontada por organizações diz respeito à questão da sustentabilidade como responsabilidade da ARH. Autores como Meira, Moreiras e Assan (2016) já haviam identificado uma relação isomórfica com a questão da sustentabilidade nas organizações, alertando quanto ao papel desempenhado pelas políticas públicas e agências reguladoras, bem como da sociedade, para que as empresas incorporem o tema de sustentabilidade em sua agenda estratégica. No caso das organizações que declararam mudanças relacionadas a sustentabilidade, trata-se de isomorfismo de caráter normativo, uma vez que foram impulsionadas por diretrizes de gestão ambiental incorporadas por estas organizações.

 

 

5. Conclusão

Autores como Alvin Toffler e Steve Case afirmam que as organizações estão entrando em uma “terceira onda”, na qual a internet e a tecnologia estão impulsionando as organizações para se reinventarem e revolucionarem o “mundo real” (CASE, 2017). A recente pesquisa conduzida pela Deloitte Touche Tohmatsu (2017), realizada em nível global junto a mais de 10.000 líderes de RH, em 140 países, revelou que a maior preocupação dos práticos da área diz respeito a como a ARH vai colaborar e, eventualmente, conduzir esse movimento rumo às “organizações do futuro”.

A academia, da mesma forma, já sinalizou a necessidade de a ARH se adaptar a esse cenário emergente. Lawler e Worley (2011) sugeriram que, ao invés de a ARH se expandir horizontalmente, meramente assumindo mais áreas, as corporações deveriam inovar em sua estrutura e processos, em um movimento estratégico para integrar funções que impulsionam a eficácia organizacional, incluindo responsabilidade social, comunicação, estratégia, design organizacional e eficácia sustentável (LAWLER; WORLEY, 2011).

No trabalho realizado, foram estudadas, em profundidade, as mudanças na ARH de 150 organizações, estabelecidas no Brasil, selecionadas em pesquisa anterior (FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO, 2016) como organizações com excelência em sua ARH. Podemos inferir que essas organizações são especialmente adequadas para o estudo que foi conduzido, uma vez que se mostram propensas a uma postura inovadora, buscando manter-se em um alto nível de eficácia e alavancando a efetividade na gestão de pessoas.

As 92 mudanças identificadas se mostraram relativamente dispersas dentre os diversos portes e segmentos das organizações pesquisadas. De fato, nos causou alguma surpresa que organizações que fazem uso intenso da tecnologia, como as de computação e telecomunicações, não aparecessem com destaque em iniciativas de mudança, uma vez que a literatura destaca o fator tecnológico como impulsionador de modificações. Também foi interessante observar que as mudanças aconteceram em maior número nas empresas do segmento industrial, enquanto comércio e serviços não apresentaram com tanta intensidade. Cabe mencionar ainda que não houve concentração na quantidade de mudanças por conta do porte da empresa, o que sugere que esta variável não é impeditiva ou facilitadora de mudanças.

O mimetismo ou apropriação organizacional ocorre quando as organizações de copiam as práticas e estruturas das organizações líderes, pois as consideraram mais eficazes por conta de fatores que vão desde seus bons resultados até por elas serem fonte de prestígio. O benchmarking — entendido como adoção e difusão de boas práticas de gestão onde organizações adotam os modos de funcionamento das outras instituições, copiando certos aspectos e adaptando outros às suas necessidades visando melhorar sua eficiência — à luz da Teoria Institucional, é um exemplo do isoformismo mimético, caracterizado pela adoção de modelos testados e bem-sucedidos em organizações similares. São muitos os casos de organizações que “lançam moda” e são copiadas pelas outras, o que leva a uma concentração de certas práticas organizacionais em determinado sistema ou setor.

A comparação entre as organizações pesquisadas, por meio da análise de suas próprias declarações, cujos achados foram detalhados no objetivo anterior, aponta para um elevado isoformismo mimético. Este isoformismo pode ser verificado pela comparação de estruturas, políticas e práticas de ARH, declaradas por elas.

Os resultados da presente pesquisa apontam que as mudanças, pouco tem de disruptivas e transformacionais, segundo um perfil conservador onde se estabelece um elevado isoformismo institucional na ARH brasileira.

A importância desta pesquisa relaciona-se ao interesse de teóricos e práticos no entendimento do que envolve a função RH, sobretudo quanto às mudanças que podem estar ocorrendo diante de um cenário volátil, incerto, complexo e ambíguo. Na medida em que as organizações estão mudando, o trabalho se propõe a oferecer uma contribuição original a partir do entendimento sobre aspectos da ARH no contexto nacional, observando se e o que está mudando em organizações estabelecidas no Brasil.

As contribuições do estudo envolvem a clarificação da realidade e servem de parâmetro para a identificação de lacunas nas pesquisas do campo, cooperando, ainda, como parâmetro para a reflexão do saber necessário aos profissionais da área.

Salientando o que já foi pontuado anteriormente, a ARH e suas mudanças são influenciadas pelo contexto e, considerando a instabilidade política e econômica do momento em que se realizou a presente pesquisa é possível inferir que as organizações poderiam não estar propensas a conduzir grandes mudanças. A reprodução dessa pesquisa em momento futuro poderá servir para aprofundar a questão da influência do contexto nas mudanças.

 

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