Artigo - 8

Acordos tácitos e acordos explícitos:

uma reflexão sobre a pertinência de se regular paralelismos de conduta

 

Tacit collusion and explicit collusion:

an essay about the pertinence of regulating the parallelism of conduct

 

 

Ronaldo Raemy Rangel1, Paulo Rogério Alves Brene2 e Patrícia Oliveira3

 

1 Universidade Fundação Getulio Vargas, Brasil, Doutorado em Economia, e-mail: rrrangel@fgvmail.br

2 Universidade Estadual Norte do Paraná, Brasil, Doutorado em Desenvolvimento Econômico,e-mail: paulobrene@uenp.edu.br

3 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil, Pós-Graduanda em Direito, e-mail: patriciasoliveira_@hotmail.com

 

Recebido em: 08/12/2018 - Revisado em: 17/02/2019 - Aprovado em: 02/04/2019 - Disponível em: 01/07/2019

Resumo

O objetivo deste ensaio é analisar o comportamento da autoridade reguladora frente à colusão tácita ou a de caráter explícito. Para tanto o texto apresentará quatro discussões básicas, sendo a primeira a relação entre Direito e Economia, enunciado o argumento. Já, na segunda será apresentado os conceitos de acordos tácitos e explícitos, para introduzir o debate sobre paralelismo de conduta e padrão de competição, tema da discussão seguinte. Por fim, fazer-se-á uma análise sobre a racionalidade e a legalidade. Entre os resultados destaca-se a prudência de se utilizar as ferramentas que a Economia pode oferecer a fim de que a disciplina da concorrência disponha de melhores técnicas para identificação de práticas comerciais indesejadas nos mercados, bem como esclarecer que tipo de coordenação pode ser considerado lícita (insuscetível de regulação). Tal discussão sobreleva também a importância da densa e rica relação que Direito e Economia guardam entre si e, longe de pretender suplantar os normativos positivados, demonstra que a eficiência das decisões pode ser beneficiada com a interligação proposta.

Palavras-chave: Direito e Economia; Acordos Tácitos e Explícitos; Paralelismo de Conduta; Padrão de Competição.

 

Abstract

The purpose of this paper is to analyze the regulatory authority’s behavior toward tacit or explicit collusion. For this, the text presents four basic discussions, the first being the relationship between Law and Economics. In the second discussion will be presented the concepts of resource distribution, for introducing the debate on parallelism of conduct and standard of competition. Finally, an analysis will be made of rationality and legality. Among the results, it is important to highlight the prudence of using the tools that the Economy can offer in order that the discipline of competition has better techniques for identifying undesirable commercial practices in the markets, as well as clarifying what kind of coordination can be considered lawful ( insusceptible to regulation). Such discussion also emphasize importance of the intense and rich relationship that Law and Economy have among with each other and, far from seeking to supplant the positive norms, demonstrates that the efficiency of decisions can benefit from the proposed interconnection.

Keywords: Economic Law; Tacit and Explicit Agreements; Parallelism of Conduct; Competition Standard, Conduct harmful to free competition.

 

1. Introdução

Parte das análises da ciência econômica, mais especificamente as ligadas a microeconomia, estão relacionadas à eficiência dos mercados ou, de outra forma, à situação de equilíbrio (oferta igual a demanda). Neste ponto o excedente do consumidor, ou seja, os benefícios que este obtém pela sua participação em um determinado mercado ou o nível de bem-estar alcançado implicitamente, assim como, o excedente do produtor, quantidade que recebe um vendedor de um bem ou serviço menos o custo de produção ou o benefício que estes obtêm por participar do mercado, são respeitados em sua plenitude. (ISMODES, 2009)

Em outras palavras a soma do bem-estar dos compradores e vendedores (todos os membros da sociedade) em um mercado atinge seu máximo - excedente total. Assim, a situação descrita é considerada a ideal para a economia, podendo ser observada na estrutura de mercado denominada Concorrência Perfeita. Mas outras estruturas existem e, para evitar ineficiência nestes mercados, surge a necessidade de intervenção por meio de normativos regulatórios bem como o acompanhamento jurídico-institucional por órgãos governamentais ligados ao direito econômico (a exemplo do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

A investigação sobre funcionamento das estruturas de mercado tornou possível identificar que os efeitos da coordenação das políticas comerciais entre empresas oligopolistas tem como objetivo maximizar lucros conjuntos nessa estrutura desse mercado, mas disto advém prejuízos para os consumidores que, a depender da intensidade e da dimensão dos efeitos deletérios, requer do Estado atuação em favor da situação hipossuficiente daqueles, realçando a importância da relação entre direito e economia. Como a colusão pode ser entendida como um esforço conjunto entre as firmas e sendo que não há colusão, tácita ou explícita, sem que as empresas que participam do mercado relevante cheguem a um consenso em relação a preços, quantidades ofertadas, rentabilidade, etc. Dada essa situação, o problema de pesquisa deste trabalho é: Qual deve ser o comportamento da autoridade reguladora frente à colusão tácita ou a de caráter explícito?

Assim, em maior ou menor medida, o estudo das relações entre Direito, Economia e Mercados insere-se no debate sobre estratégias de desenvolvimento econômico e melhoria do ambiente de negócios, levando em consideração as características de uma dada sociedade. Destaca-se ainda que, conforme Rêgo (2017), a relação existente entre Direito e Economia é tão antiga quanto à existência destes dois ramos do conhecimento humano. A partir de tal argumentação, torna-se necessário identificar os ganhos mútuos em se fazer a ponte entre essas duas disciplinas. Daí a relevância do tema também é apresentada.

De toda sorte, para responder ao problema de pesquisa proposto tal estudo deve, a um só tempo, lançar mão do ferramental econômico para discutir desenhos jurídico-institucionais, bem como ser sensível à lógica interna ao sistema jurídico e sua estrutura normativa, o que será feito em quatro seções além desta introdução e das considerações finais. Dessa forma, se, num passado recente, Direito e Economia andaram em paralelo, atualmente encontram-se fatores importantes para que o fosso entre elas seja transposto, sendo este o objetivo da primeira seção onde será enunciado o argumento. Já, na seção seguinte, apresenta-se os conceitos de acordos tácitos e explícitos, para introduzir a discussão sobre paralelismo de conduta e padrão de competição, tema da seção três. Por fim, antes das considerações finais, na quarta seção fazer-se-á à guisa de conclusão, uma análise sobre a racionalidade e a legalidade.

 

2. Enunciando um argumento

A defesa da concorrência, no Brasil e demais países que a disciplinam, tem por objetivo prevenir e reprimir o abuso do poder de mercado por parte das grupos empresariais que o detêm. A hipótese central de tal atuação é a de que essas empresas, por meio de elevadas participações de mercado, são capazes de implementar estratégias que se manifestam em práticas ou condutas anticompetitivas, isto é, práticas cujos resultados se traduzem em elevação nos preços, redução da oferta, queda na qualidade ou no ritmo de lançamento de novos e melhores produtos.

Claro está que o combate às condutas consideradas anticompetitivas exige a identificação das formas de concorrência desejáveis (ou lícitas do ponto de vista competitivo), o que, diferente do que se pode supor, não é algo trivial. Um exemplo de conduta consensualmente considerada como anticompetitiva, conforme Mello (2001), seria a formação de cartéis onde as empresas coordenam preços e níveis de produção de maneira que possam maximizar seu lucro conjunto, por seu turno, a imposição de exclusividade, por exemplo, é considerada por parte dos especialistas em antitruste como anticompetitiva, enquanto outra parte, como apontado por Fagundes (2003), a considera lícita, em alguns casos, e até mesmo positiva.

Um dos objetivos da legislação repressiva às infrações contra a ordem econômica é o combate ao abuso do poder de mercado quando este se manifesta na forma da imposição de políticas comerciais (aos fornecedores, concorrentes ou clientes) vistas como anticoncorrenciais, isto é, geradora de ineficiências e não geradoras de bem-estar econômico. Contudo, com base na teoria econômica e nos preceitos de eficiência que dela advêm, verifica-se que alguns ilícitos supostamente cometidos por empresas denunciadas no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) carecem de sustentação lógica, já que em algumas situações, do ponto de vista econômico, as práticas aduzidas nos processos administrativos instaurados, se tivessem ocorrido seriam inócuas e, portanto, sua utilização como elemento para obtenção de vantagens indevidas implausíveis.

É nestes termos que o este texto pretende apresentar o argumento de que os órgãos do SBDC vêm cometendo equívocos em seus procedimentos e avaliações pois em prol de um viés de rigor processual (quase forense), que inclusive judicializa conceitos econômicos, vem sacrificando a efetiva análise econômica e, portanto, sua eficiência. Para tanto, usar-se-á como referência a pertinência ou não da regulação dos chamados paralelismos de conduta.

3. Acordos Tácitos e Explícitos

Um dos maiores problemas da teoria microeconômica tradicional decorre da dificuldade de tratar teoricamente a questão das estratégias empresariais. Isso porque as estruturas oligopolizadas de mercado são predominantes no mundo real, o que significa que qualquer teoria microeconômica que pretenda ser realista precisa levar em conta que as firmas consideram que existe interdependência entre os concorrentes nas suas decisões. Consequentemente, a moderna literatura microeconômica reconhece que as empresas, na busca legal pela maximização dos seus lucros, adotam condutas paralelas, mesmo sem qualquer contato ou acordo explícito (cartel) entre elas.

A adoção de acordos (tácitos ou explícitos) surge quando as firmas, a partir da repetição nas suas ações em seus respectivos mercados, percebem a melhor forma de aumentar seus lucros no processo concorrencial em que estão inseridas. Quando elas passam a reconhecer a interdependência de suas ações, uma revisão estratégica surge em direção à maximização de lucros. Stigler (1964, p. 44) deixa clara a hipótese em artigo, afirmando que “The present paper accepts the hypothesis that oligopolists wish to collude to maximize joint profits”. O autor usa o conceito de “colusão” como sinônimo de “paralelismo de conduta”, sem nenhuma conotação negativa.

Por seu turno, Tiroleet all (2003, p. 4), esclarecem o conceito de “colusão” (ou conluio) utilizado por Stigler. Para os autores

“Tacit collusion’ need not involve any ‘collusion’ in legal sense, and in particular need involve no communication between the parties. It is referred to as tacit collusion only because the outcome (in terms of prices set or quantities produced, for example) may well resemble that of explicit collusion or even of an official cartel. A better term from a legal perspective might be ‘tacit coordination’”.

Como apresentado por Coêlho (2016), os relatos de casos na área da defesa da concorrência e evidências empíricas de Organização Industrial demonstram a existência de diversas situações em que empresas estabelecem acordos tácitos ou explícitos (cartel). Para este, quando a coordenação de preços ou ações é fruto apenas da racionalidade econômica, as empresas seguem regras tácitas, que não foram combinadas explicitamente, ou seja, decorrentes da vivência na indústria e do aprendizado. Por fim, o autor conclui que a isso se denomina paralelismo de conduta ou acordo tácito e é considerada uma conduta legal.

Nota-se, portanto, que a teoria econômica e a jurisprudência antitruste consideram paralelismo de conduta, acordo, cooperação, colusão e conluio como palavras sinônimas. Dessa maneira, acordo tácito tem o mesmo significado que conluio tácito ou colusão tácita, como também os termos cooperação oligopolista e paralelismo consciente de conduta. Seja qual for o termo utilizado, o fundamental é entender que esse tipo de conduta é inquestionavelmente legal no Brasil e em qualquer país do mundo onde regras antitruste são aplicadas.

Já o cartel, conduta ilegal, é definido como sendo um conluio explícito entre firmas concorrentes e independentes, de um mesmo mercado relevante, que tem como objetivo eliminar ou diminuir a concorrência entre seus participantes, propiciando um aumento dos lucros, combinando preços e/ou quantidades, comportamentos ou qualquer outra variável que permita aumentar o poder de mercado. Em resumo, o cartel visa o aumento artificial do poder de mercado, que proporciona maiores lucros e menor eficiência do mesmo.

Assim, no âmbito de uma indústria oligopolizada, o estabelecimento de algum tipo de paralelismo de conduta é uma regra geral, dada a interdependência estratégica entre os agentes. Algum tipo de coordenação das decisões tomadas pelos agentes é normal e esperado, mesmo quando não resulta de um acordo explícito e intencional (cartel).

 

4. Paralelismo de Conduta e Padrão de Competição

A literatura econômica considera como um fenômeno natural a interdependência entre as firmas, estabelecendo a noção de função de reação (curvas de reação), que representam a maneira pela qual cada firma reage às ações de outras. Ao explicar o modelo de Cournot, que é um modelo econômico que aponta para uma grande interdependência nas decisões das firmas, Kon (1999, p. 28) atesta que “(...) nenhuma firma pode agir com a suposição de que sua ação não provocará a reação de seus competidores (...)”. A autora complementa que esta reação “(...) existe e, embora não possa ser prevista com absoluta certeza, as reações de seus rivais podem ser parcialmente antecipadas” (KON, 1999, pág. 28). Confirmando o argumento, Massimo Motta (economista-chefe da Comissão de Concorrência Europeia) e a ex-Conselheira do CADE Lúcia Helena Salgado afirmam em livro recente “(...) que as funções de reação são negativamente inclinadas: assim as decisões são substitutas estratégicas (...)” (MOTTA e SALGADO, 2015, pág. 236), ou seja, as firmas consideram o comportamento de suas rivais para determinar a sua própria política.

Assim, na literatura econômica e na jurisprudência antitruste o “paralelismo consciente de conduta”, fruto de interações frequentes entre concorrentes, não é considerado infração à ordem econômica porque é racional e não supõe pactuação entre os produtores. No caso de oligopólio, a empresa sabe que qualquer decisão que tomar será analisada pelos rivais, que podem reagir de diversas maneiras. Desse modo, tende a optar por decisões que não impliquem acirramento irracional (para ela) da competição no seu mercado. Quanto maior o grau de interação entre concorrentes no mercado, maior o grau de paralelismo consciente de conduta (acordo tácito).

A questão evidente que se coloca a partir desse entendimento é que autoridade antitruste não pode exigir que a empresa, após análise das condições de mercado e da estratégia dos seus adversários, deva agir de forma contrária aos seus interesses, adotando estratégias comerciais que reduzem seus lucros. Qual o motivo de tratar empresas como se devessem atuar desconsiderando a interdependência de suas decisões sobre preços ou volumes, quando isso seria economicamente irracional? Por essa razão e com esse argumento, decisão proferida em 1954, em sede de acusação de cartel envolvendo distribuidores de filmes, conforme citado por Scherer e Ross (1988), abriu caminho para o atual entendimento sobre paralelismo de conduta nos EUA. A Suprema Corte americana considerou que a questão relevante é se as empresas tomam decisões de forma independente ou sob acordo, e que, nesse sentido, o paralelismo de conduta não tipifica um acordo que viole a lei.

Importante notar que a diferença básica entre cartel e paralelismo de conduta não está relacionada com resultados de mercado (desempenho em termos de preços e quantidades ofertadas), mas sim com o fato de que não há comunicação direta entre os participantes; a conduta das firmas é consequência da racionalidade econômica dos agentes que utilizam as características estruturais e instrumentos do mercado facilitadores dessa prática. Porém, tanto no acordo tácito (conduta legal), quanto no acordo explícito (conduta ilegal cartelizadora), o resultado no mercado pode teoricamente ser próximo ao de monopólio.

Desse modo, o que leva a confundir esses dois tipos de coordenação é justamente o que pode ser mais facilmente observado na realidade em qualquer um dos dois casos: o paralelismo de conduta - comportamento semelhante nas estratégias de mercado, na forma de decidir condutas competitivas, paralelismo nos preços (em períodos próximos de tempo, para patamares idênticos ou muito próximos). Ao se constatar a existência de paralelismo de conduta, o investigador menos treinado pode concluir equivocadamente pela existência de cartel, quando, a bem da verdade, se trata apenas de similitude, fruto da racionalidade econômica dos agentes. Conceitualmente o acordo pode ser tácito.

Para uma melhor compreensão sobre a forma de cooperação observada nos mercados (tácita ou explícita), é preciso uma correta identificação da estrutura e do padrão de competição no mercado. Sem isso, é impossível entender as estratégias empresariais decorrentes da estrutura do mercado, o grau esperado de colusão tácita do mercado. Sem isso, não se alcança compreender as formas de cooperação que um mercado relevante impõe aos competidores.

 

5. A Guisa de Reflexão: racionalidade e legalidade

Na busca de um melhor entendimento das condições da competição e da existência de algum tipo de colusão nos mercados, a Organização Industrial faz uso do chamado Paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD), que busca relacionar características estruturais do mercado com a conduta empresarial e o resultado em termos de grau de cooperação, preço, quantidade, qualidade, ritmo de inovação, entre outras variáveis relevantes. Dessa maneira, busca identificar e analisar características estruturais do mercado que influenciam a sustentação do conluio – que pode ser tácito ou explícito, dependendo se houve ou não contato direto entre as firmas.

Matsumura e Mello (2005), em trabalho patrocinado pela Secretaria de Direito Econômico - SDE/MJ, dividem essas características estruturais do mercado em três grupos: 1. Variáveis estruturais: número de competidores, barreiras à entrada, repetição e frequência da interação; 2. Variáveis do lado da oferta: capacidade instalada, grau de inovação no mercado, grau de homogeneidade das firmas e dos produtos; e 3. Variáveis do lado da demanda: crescimento e flutuações de mercado e elasticidade-preço da demanda. Os autores esclarecem que as variáveis de mercado facilitam ou dificultam acordos (tácitos ou explícitos), mas não garantem sua existência ou inexistência. A maneira como essas variáveis afetam as condições de sustentação de conluio são apresentadas no Quadro 1.

 

Quadro 1. Características de Mercado e Condições Necessárias para a Colusão

1814.png 

Fonte: Matsumura e Mello (2005, p.18).

De fato, os sucessivos processos de decisões estratégicas entre empresas conduzem de maneira quase inevitável a uma situação de percepção por parte das concorrentes de quais seriam as estratégias maximizadoras de lucro. Isso não significa, entretanto, um comportamento ilegal. Em resumo, a moderna literatura microeconômica reconhece que as empresas na busca legal pela maximização dos seus lucros adotam condutas paralelas, mesmo sem qualquer contato ou acordo explícito (cartel) entre elas.

Quando essa situação é fruto apenas da racionalidade econômica, as empresas seguem regras tácitas, que não foram combinadas, ou seja, que decorrem da vivência na indústria e do aprendizado. A isso se denomina paralelismo de conduta (ou acordo tácito, ou colusão tácita) e é considerada uma conduta legal no Brasil e em todos os países que aplicam leis antitruste. Os termos “acordo” e “colusão” não devem ser lidos na sua forma dicionarizada, mas sim, sendo um conceito econômico, devem ser compreendidos em conformidade com sua acepção, em que, ao contrário, por exemplo, da utilização corrente na ciência jurídica, não se confunde com conduta ilegal.

 

6. Considerações Finais

Como visto, a política de defesa da concorrência busca, também, garantir que as práticas comerciais realizadas pelas empresas não provoquem efeitos perniciosos na dinâmica dos mercados, reduzindo a ampla concorrência, princípio de quilate constitucional, e aumentando as ineficiências. Contudo, a prática da regulação tem demonstrado a subutilização de mecanismos e instrumentos de economia úteis à garantia de análises e decisões mais sofisticadas e coadunadas à realidade empresarial.

A lógica das empresas é o lucro e, portanto, é esta perspectiva que disciplina o comportamento delas face a existência de concorrentes em um mesmo mercado. Disto decorre que o alinhamento de políticas comerciais dos oligopólios pode decorrer de um comportamento lógico e natural das empresas. Infere-se, portanto, que a colusão, tácita ou explícita, é fenômeno natural e fundamentado na busca pela lucratividade de forma que, é a caracterização de comunicação direta entre as empresas a filigrana capaz de distinguir a prática de cartelização dos paralelismos de conduta lícita.

No intuito de auxiliar as investigações realizadas pela regulação da concorrência, sugere-se o uso do chamado Paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD). Tal metodologia de análise e avaliação oferece o cruzamento de variáveis estruturais, de oferta e de demanda, com as quais o exercício da comparação pode indicar a existência ou não de colusão, seja tácita ou explícita, além dos efeitos da punição e assim auxiliar o agente regulador na identificação da conduta, diferindo a prática da cartelização.

Os pontos abordados neste trabalho buscam destacar a racionalidade de se utilizar as ferramentas que a Economia pode oferecer a fim de que a disciplina da concorrência disponha de melhores técnicas para identificação de práticas comerciais indesejadas nos mercados, bem como esclarecer que tipo de coordenação pode ser considerado lícita e, portanto, insuscetível de regulação. Tal discussão sobreleva a importância da densa e rica relação que Direito e Economia guardam entre si e, longe de pretender suplantar os normativos positivados, demonstra que a eficiência das decisões pode ser beneficiada com a interligação proposta.

 

Referências:

 

COÊLHO, D.Uma Batalha Travada em torno das Evidências: O Valor Probatório dos Indícios e sua (In)Suficiência para a Condenação de Carteis. RDC - Revista de Defesa da Concorrência, Vol. 4, no 1, Maio 2016, pp. 153-184

FAGUNDES, J. Eficiência Econômica e Distribuição de Renda em Análises Antitruste: O Modelo do Price Standard. Revista do IBRAC, v. 10 n.5 Dezembro, 2003, pp 1-18

ISMODES, J. Excedentes do Consumidor e do Produtor: Curso de Avaliação Socioeconômica de Projetos. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos - Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Brasília: 2009. Disponível: http://www.cepal.org/ilpes/noticias/paginas/0/35920/Excedentes_del_Consumidor_y_Productor_p.pdf. Acesso: 27/05/2018.

KON, A. Economia Industrial, São Paulo: Editora Nobel, 1999.

MATSUMURA, E. & MELLO, M. Uso de Métodos Quantitativos na Investigação de Conluio Tácito, Efeitos Coordenados e Preços Predatórios, ANPEC/IPEA/SDE, Área I/ Subárea I.3/ Estudo 1. 2005.

MELLO, M. T. Notas sobre o Sistema de Defesa da Concorrência. Texto para Discussão. no 458. Instituto de Economia da UFRJ, 2001.

MOTTA, M. & SALGADO, L. H. Política de Concorrência. São Paulo: Ed Campus, 2015

PEREIRA, J. M. Manual de Defesa da Concorrência. Política, sistema e legislação antitruste brasileira. São Paulo: Atlas, 2014.

PFEIFFER, R. A. Defesa da Concorrência e Bem-estar do Consumidor. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2015.

PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 8 ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2013.

RÊGO, N. M., Da interdiciplinariedade do direito com a economia ou pontos de diálogo científico em construção. Disponível: http://www.enm.org.br/docs/biblioteca/DA%20INTERDICIPLINARIEDADE%20DO%20DIREITO%20COM%20A%20ECONOMIA%20OU%20PONTOS%20DE%20DI%C3%81LOGO%20CIENT%C3%8DFICO%20EM%20CONSTRU%C3%87%C3%83O.doc. Acesso: 23/08/2018.

SCHERER, F. & ROSS, D. Industrial Market Structure and Economic Performance. Houghton Mifflin Company; 3 edition,1990.

STIGLER, G.J. A Theory of Oligopoly, Journal of Political Economy, n 72, Fev, 1964, 44-61.

TIROLE, J., IVALDI, M., B. JULLIEN, P. REY, P. SEABRIGHT. The Economics of Tacit Collusion, Final Report for DG Competition, European Commision, 2003.



Direitos autorais 2019 Ronaldo Raemy Rangel, Paulo Rogério Alves Brene, Patrícia Oliveira

Revista Capital Científico – Eletrônica (RCCe) Rua: Padre Salvador, 875 – Bairro Santa Cruz CEP: 85015-430  Guarapuava-Paraná-Brasil Campus Santa Cruz – Editora UNICENTRO ISSN  2177-4153 (Online)

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 3.0 Unported License.