Artigo 5 - 5711

A ressocialização enquanto vivência e protagonismo:

Iniciativas pessoais e institucionais como contribuição à

ressocialização no Estado do Pará-Brasil

 

Resocialization as experience and protagonism: Personal and institutional initiatives as a

contribution to resocialization in the State of Pará-Brazil

 

Analêda Pontes Miranda de Carvalho1 e Roberto Magno Reis Netto2

 

1 Escola Superior Madre Celeste, Brasil, Graduanda em Direito, e-mail: anacarvalhopin@gmail.com

2 Universidade Federal do Pará, Brasil, Doutorando em Geografia, e-mail: bob_reis_ufpa@yahoo.com.br

 

Recebido em: 14/12/2018 - Revisado em: 26/04/2019 - Aprovado em: 20/11/2019 - Disponível em: 01/04/2020

Resumo

Este trabalho teve como objetivo compreender como protagonismos pessoais e institucionais podem contribuir para a ressocialização de internos do sistema penitenciário paraense. O estudo utilizou o método zetético, valendo-se de uma abordagem qualitativa e da técnica de coleta de dados por entrevista voltada à agente diretamente envolvida em ações de ressocialização, cuja fala foi sujeita à técnica de análise de conteúdo. Como conclusões, vislumbrou-se que é uma elevada compreensão dos deveres de cidadania que parece impelir os propósitos da entrevistada e demais protagonistas citados, para além de sua respectiva função pública, tornando necessária uma maior atenção estatal para o perfil dos agentes públicos destinados a determinadas funções, para o próprio atingimento dos propósitos legais. O emprego de recursos próprios e a busca por parcerias, por sua vez, denotou a necessidade da (re)construção de redes que, em verdade, promovam uma (re)integração entre os fragmentados setores da sociedade e Estado.

Palavras-Chave: Ressocialização. Protagonismo. Ações Sociais.

 

Abstract

This work aimed to understand how personal and institutional protagonisms can contribute to the resocialization of inmates of the paraense penitentiary system. The study used the zetetic method, using a qualitative approach and the interview data collection technique aimed at the agent directly involved in resocialization actions, whose speech was subjected to the content analysis technique. As conclusions, it was found that it is a high understanding of the duties of citizenship that seems to impel the purposes of the interviewee and other protagonists cited, in addition to their respective public function, requiring greater state attention to the profile of public agents assigned to certain functions, for the proper attainment of legal purposes. The use of own resources and the search for partnerships, in turn, denoted the need for (re) construction of networks that, in fact, promote (re) integration between the fragmented sectors of society and the state.

Key Words: Resocialization. Protagonism. Social actions.

 

1. Introdução

A ressocialização é um ideal ainda muito distante de ser alcançado. Ao lançar um olhar sobre a criminologia e o direito penal do século XXI, constata-se que em seu bojo ainda reside um desejo de vingança por detrás da palavra justiça.

Esta constatação remete a própria história das penas, surgidas com o intuito de punir aqueles que atentavam contra os ditames sociais. Fossem pequenos delitos ou grandes crimes, a pena sempre era o castigo do corpo (sob diversas formas e perspectivas): anteriormente ao século XX, aplicavam-se penas desproporcionais e voltadas ao controle do diferente, do não cidadão, e, a partir da década de 1950, o controle do crime dividiu-se entre ideias de castigo social e reinserção, que, infindavelmente, parecem batalhar entre excluir e acolher aquele que transgride a norma jurídica (GARLAND, 2008). Sob esta contradição de forças, entende-se o porquê das cadeias não oferecerem condições efetivas de promoção da ressocialização dos presos: ainda permanece o espírito do castigo, mesmo a contrassenso do que determina a própria legislação brasileira a respeito do tema, o que levanta a grande curiosidade literária sobre temas como a pena ou a ressocialização, de maneira teórica e abstrata.

Contudo, sob um olhar pragmático, é comum constatar iniciativas de indivíduos, grupos e/ou instituições que, ao invés de deixar a reinserção social nos braços nem sempre comprometidos do Estado, propugnam iniciativas contrárias à ideia hegemônica do punir o criminoso, atuando em busca da sua reinserção nas fileiras de uma sociedade que, se analisada profundamente, não se mostra tão acolhedora. Diante desta constatação, o presente trabalho, enquanto fruto de pesquisas desenvolvidas por instituições privadas de ensino e grupos de pesquisa de universidades públicas (o LAB-GEOCCRIM – Laboratório de Pesquisas em Geografia da Violência e do Crime, da Universidade do Estado do Pará; e o Grupo de Pesquisa Métodos de Diagnóstico em Segurança Pública, da Universidade Federal do Pará) teve como objetivo compreender: como protagonismos pessoais e institucionais podem contribuir para a ressocialização de internos do sistema penitenciário paraense.

Em termos práticos, buscou-se uma compreensão de como a ação de agentes públicos, seja por protagonismos pessoais ou decorrentes de suas funções específicas (inerentes aos cargo que ocupam) pode contribuir, para além das determinações do texto legal, com a ressocialização de internos do sistema penal. A importância do tratamento do tema, certamente, revela a própria compreensão de como determinados protagonismos, obscurecidos pelo cumprimento frio do que a lei determina, podem realizar os propósitos sociais das normas e, assim, garantir o propósito de reinserção social objetivado constitucionalmente. A compreensão deste fenômeno, além de inspirar a prática, pode trazer à tona importantes elementos inerentes ao protagonismo enquanto critério a ser levado em conta no direito administrativo, na gestão pública e quanto à própria teorização do direito e gestão de políticas públicas.

Em termos práticos o estudo se estruturou da seguinte maneira: fez-se necessária uma primeira discussão sobre os atuais contornos e características da pena e do sistema penitenciário (com incursões sobre o Sistema Penitenciário Paraense), seguida da descrição do percurso metodológico adotado, e, por fim, a exposição dos resultados da análise e sua discussão.

 

2. Fundamentação teórica

2.1 O sistema penitenciário e a promessa da ressocialização

As palavras de Foucault (2014, p. 15) foram claras em destacar qual deveria ser, em tese, a nova sistemática de aplicação de sanções penais e aprisionamento nos regimentos democráticos modernos: “desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repreensão penal”. Contudo, a despeito do entendimento de que o suplício não mais corresponderia à ideia de pena justa, ainda assim, há muitas contradições indicadas pela literatura internacional e nacional sobre incoerências nos métodos de aprisionamento atuais. Uma das principais contradições relativas ao sistema penitenciário brasileiro, certamente, diz respeito à não garantia dos direitos fundamentais vinculados aos artigos 40 e 41, da Lei de Execuções Penais – a Lei N. 7.210/1984 (BRASIL, 1984) –, notadamente, no que se refere à preservação da integridade física e moral do apenado.

Nesse sentido, destaca-se que o espaço em que ocorre a custódia dos internos é bastante distante do propugna a mencionada lei: superlotação como regra; falta e/ou precariedade da qualidade da água; alimentação de péssima qualidade, com baixo (ou nenhum) teor nutricional; proliferação de doenças de todos os tipos e precaríssimo atendimento de saúde; insuficiência de atendimento educacional e jurídico; ausência de estruturas para visitas e sujeição destas à revistas vexatórias; condições subumanas para as mães presas; maus tratos e torturas; e, invisibilidade de minorias como, por exemplo, migrantes; além da prevalência de um alto número de presos provisórios e de pessoas de baixa escolaridade, integrantes da raça negra (pretos ou pardos) e componentes de áreas pobres do território das cidades e estados (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018).

Assim, ao contrário das próprias conclusões havidas em 2017, pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário Brasileiro, a respeito da importância da garantia da dignidade humana como elemento essencial à qualquer processo de ressocialização e da necessidade iminente de aperfeiçoamento de espaços e práticas, o que se verifica, concretamente, é a permanência do quadro de incipiência de planejamento e ações, observado desde o início desta segunda década do século XXI (BRASIL, 2017).

Nesse sentido, autores como Davis (2018) e Alexander (2017) apontam que as prisões estariam muito longe do exercício de qualquer papel ressocializador, constituindo verdadeiros instrumentos racistas e seletivos de segregação social, pelo que afirmam a necessidade de se pensar em alternativas socializantes diversas do encarceramento puro e simples. Na mesma senda, Garland (2008) destaca que o sistema penitenciário, após a crise do estado do bem estar social – Welfare State - (a partir da década de 1970) e da redução progressiva de investimentos sociais na maior parte dos países alinhados à economias liberais, se revelou como instrumento político de tratamento das massas excluídas das fileiras do mercado formal de trabalho e não inseridas nos diversos setores da economia individual. E, em sentido semelhante, porém, reforçando aspectos de pobreza e raça, Wacquant (2015) asseverou o advento de um modelo de Estado Penal, que configuraria a principal forma de tratamento dispensada pelo Estado às camadas pobres e estigmatizadas (pela raça, origem, local de moradia, entre outros).

Como ponto comum, todos estes autores revelam a crítica que há tempos já era denunciada por Foucault (2014, p. 249): a prisão é a “[...] região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo pode funcionar[...]”, atingindo indivíduos socialmente estigmatizados e sobre os quais se institui o controle estatal.

Na literatura nacional, não se constata um quadro diferenciado. Macaulay (2014) destaca que o superencarceramento, além de impor condições degradantes a uma massa de encarcerados que está além dos números da capacidade prisional, certamente, também impõe ônus aos cofres públicos para custeio de medidas necessárias à manutenção de meios de controle e reformas estruturais, bem como, à contenção de males corriqueiros e inevitáveis nestes ambientes insalubres, como surtos de doenças (como a tuberculose e AIDS).

Godoi (2017, p. 239), em tom mais crítico, informa que as prisões brasileiras (em especial, as paulistas) se materializariam como um “[...] dispositivo de governo de populações calcado em perversidades múltiplas”, voltado, conforme apontam Danin e Cardoso (2018, p. 225) à “população pobre, carente e excluída[...]” assim eleita “[...]como alvo para punição e aprisionamento, executando uma verdadeira limpeza social”. Estes últimos autores, aliás, manifestam especial enfoque sobre o sistema penitenciário paraense, que, conforme dados oficiais da Superintendência do Sistema Penitenciário, em março de 2019, 18.241 internos (dos quais 7.715 correspondiam a presos provisórios), quando seus estabelecimentos prisionais, em verdade, só admitiriam um quantitativo de 9.970 internos, ou seja, pouco mais da metade do quantitativo total (ESTADO DO PARÁ, 2019).

Diante deste quadro, afirma-se que a função hegemônica do sistema penal, na atualidade do século XXI, estaria ligada à própria exclusão de classes e grupos não adequados à lógica do mercado de consumo e fileiras do trabalho formal (GARLAND, 2008), ou, de forma pior ainda, grupos etnicamente discriminados e classificados como não cidadãos, portanto, indignos de respeito (WACQUANT, 2015). Desta forma, o direito oficial acabaria assumindo um papel meramente simbólico (GALDI, 2014), uma vez que, além de não buscar as causas atinentes ao fenômeno da criminalidade, ainda por cima, alimenta a criação de novos tipos penais, que reforçam o superencarceramento, e, com isso, a incapacidade do sistema penal em tratar de maneira digna os dententos, num círculo vicioso que somente retroalimenta a criminalidade.

O resultado é nefasto: no Brasil do Século XXI, constata-se que as funções de proteção social dos internos, em diversos Estados (inclusive no Pará), é realizada por organizações criminosas que, sob o discurso de garantia de direitos dos semelhantes, cooptam fileiras de cidadãos excluídos dos sistema de mercado e assistência formais para a (lucrativa) economia do crime (REIS NETTO; CHAGAS, 2018). Com isso, a massa carcerária acaba por se afastar cada vez mais do Estado e, assim, se entregar ao mundo do crime e sua generosa mão. A ressocialização, neste contexto, acaba por se transformar num mito ou utopia.

2.2 Fundamentos de uma política de ressocialização e a iniciativa de entidades públicas e privadas

Como visto, a inaplicabilidade da legislação parece afastar o interno da própria ideia de cidadania e convívio social, em contrassenso ao que é determinado pela lei, num processo de segregação social cujas consequências já são conhecidas desde os clássicos.

Beccaria (2009, p. 50), por exemplo, afirma que a violência das penas gera um efeito reverso: “Os países e os séculos em que se puseram em prática os tormentos mais atrozes, são igualmente aqueles em que se praticaram os crimes mais horrendos”. Ou seja, se na execução da pena o detento recebe o mesmo tratamento desumano que viveu em sua liberdade, de nada valerá o seu aprisionamento. Foucault (1990), por sua vez, destaca que o Estado-Juiz, ao determinar o aprisionamento, deveria se preocupar com a reeducação, já que a única certeza que deve caber ao preso é a da justa punição e não a da teatralização pública de sua sanção, de modo a desvincular a ideia de justiça da ideia de violência.

Afinal, a punição é consequência de um crime, assim compreendido como ato que se opõe a lei penal incriminadora. Nesse sentido, afirma Bitencourt (2012, pág. 235) que a definição de crime o denota como uma ação típica, antijurídica e culpável, ou seja potencialmente repreensível, porém, sempre de acordo com valores jurídicos igualmente estipulados no teor da legislação promulgada pelo Estado Democrático de Direito. Nesta senda, é de se afirmar que, tão importante quanto a punição, deve ser a ressocialização do detento, o que, nem de longe significa abrandar as consequências de seu crime, mas, tentar propiciar uma reflexão sobre o ato e outros valores sociais conexos, o que, obviamente, deverá ocorrer desde o processo de triagem no sistema penitenciário e adequação do interno às reais necessidades de sua pena, de maneira individualizada, até mesmo após sua saída do sistema penitenciário.

Nesse sentido, Foucault (2014, p.264) estabelece “sete máximas da ‘boa condição’ penitenciária, que constituiriam princípios basilares da ideia de ressocialização: a busca pela transformação do comportamento do indivíduo; o isolamento conforme critérios de tipo de crime, idade, disposições pessoais e técnicas de correção a serem aplicadas; a revisão das penas conforme o comportamento individual; a adoção do trabalho como peça chave no processo de socialização; a garantia de meios educacionais do detento; o controle do regime prisional por pessoas especializadas; e, por fim, a adoção de meios de acompanhamento e controle do indivíduo até sua readaptação, mesmo após a saída da prisão.

No entanto, embora negligenciada pelo Estado, ainda assim, tem-se que a ressocialização se tornou objeto de trabalho (e, talvez, até mesmo de lutas) engendradas por certos atores sociais: grupos religiosos, como a Pastoral Carcerária e inúmeros coletivos de origem protestante; associações de defesa de direitos; Instituições, notadamente, aquelas que já carregam em sua missão legal o dever de assistência (como a defensoria pública, por exemplo); e, até mesmo, agentes públicos ou cidadãos comuns que, de maneira individual e dentro de suas possibilidades concretas, passam a tomar ações que, a princípio, caberiam ao poder público.

Surge, assim, a ideia de protagonismo carcerário, definido, nas palavras de Silva (2005, p. 03) como um processo de recuperação:

 

[...] no qual o recuperando realiza ações de intervenção em seu “contexto social” (sociedade prisional), demonstrando que está disposto a participar, a colaborar, a encarar desafios e a mostrar que não está acomodado, como é comum que as pessoas pensem; é, em resumo, o método de recuperação no qual o recuperando é o protagonista (de protagonistés, palavra de origem grega composta pelas raízes proto, que significa o primeiro, o principal, e agonistes, que significa o lutador).

O fundamento dessa ação, curiosamente, se pauta nos próprios direitos garantidos aos internos ao longo da execução penal (acima referidos). Ou seja, utiliza-se o que o Estado simbolicamente declara como justo, como uma brecha permissiva à tomada de ações que, verdadeiramente, buscam a (re)inserção social de indivíduos não albergados efetivamente pela rede de garantias formais vinculadas à cidadania, e cujo principal tratamento dispensado pelo poder público, decerto, foi o rigor da legislação penal vigente (GARLAND, 2008).

Ainda pelas palavras de Silva (2005, p. 03) pode-se destacar que o protagonismo carcerário busca a recuperação da autoestima dos detentos e, com isso, coloca-lo como “o lutador principal; é o ator que desempenha o papel mais importante; é, enfim, a pessoa que ocupa o primeiro lugar num acontecimento: sua própria recuperação”.

Constata-se o que Santos (2011) denomina como legalidade subalterna ou cosmopolita, assim entendida, como um conjunto de ações contrárias à real postura política vigente (como se viu, segregadora e discriminatória), que se valem de uma hermenêutica jurídica crítica que reinterpreta a realidade e lei à luz de suas contradições e brechas, para buscar sua efetivação social (e não a justificativa das ausências sociais públicas e exclusão social de um contexto de cidadania).

Contudo, como reconhece Santos (2011), os estudos sobre esta praxe ainda estão muito distantes das acadêmicas e, decerto, ainda estão vinculados à concepções que não costumam ser interessantes, justamente, porque não combinarem com a ideia positivista de um direito politicamente isento e discriminatoriamente aplicado à sociedade. Trata-se do que o autor denomina como protagonismo judicial, ou seja, uma ação política voltada ao uso de estruturas existentes para realização de seus verdadeiros fins sociais, em superação aos entraves burocráticos alegados como limites da ação estatal.

Em razão disso, este estudo buscou mergulhar nas percepções decorrentes da vivência de uma cidadã e agente política do Estado, que, na qualidade de Defensora Pública Criminal, passou a protagonizar diversas ações e programas sociais, sem amparo institucional permanente, em busca da reinserção social e efetivação de direitos garantidos a internos do sistema penitenciário do Estado do Pará.

Afinal, a compreensão do porquê deste protagonismo, a despeito da postura hegemônica estatal de descaso com os direitos dos internos no processo de ressocialização, se revela um elemento importante sob diversas perspectivas.

Primeiro, pode desvelar problemas do sistema jurídico que só a experiência concreta pode perceber. Por conseguinte, pode expressar questões ignoradas pelo direito oficial e suas instituições, a serem apreendidas pelo sistema democrático e, assim, expressas em políticas públicas no âmbito carcerário. E, por fim, compreender a iniciativa pode revelar um modelo de expressão judicial da cidadania, a ser seguido noutros programas e ações, em busca do que Santos (2011) nomina como uma reforma democrática da justiça brasileira.

 

3. Metodologia

Compreendendo que a norma jurídica oficial, por si só, acaba ocultando diversas realidades por detrás de seu texto, o presente estudo, na busca pela compreensão das razões e do modus do protagonismo judicial de um agente público (e cidadão) na efetivação de direitos sociais (em contraponto à notada omissão estatal quanto à sua promoção), adotou o método zetético. Este percurso metodológico, conforme Bittar (2016), toma o direito como um fenômeno transnormativo, portanto, que comporta questões históricas, políticas, econômicas, espaciais e sociais em sua manifestação concreta, as quais, por sua vez, devem ser igualmente analisadas nas investigações de cunho científico, para plena compreensão da realidade.

O objetivo da adoção deste método foi, justamente, interpretar as possibilidades de ressocialização, empregadas pelo protagonismo de agentes públicos na atenção a cidadãos encarcerados, no sentido de buscar sua reintegração ao meio social, para além das propostas normativas da Lei de Execuções Penais. Diante disso, escolheu-se como sujeito da entrevista a profissional titular da 1ª Defensoria Pública do Estado do Pará, vinculada ao Município de Benevides, ambos, pertencentes à Região Metropolitana do Estado do Pará, que, para além do exigido por sua unidade funcional, tem desenvolvido atividades práticas voltadas à ressocialização de internos do sistema penitenciário do Pará, o que, como dito ao início, tornou interessante uma aproximação para verificação de como protagonismos pessoais e institucionais podem contribuir para a ressocialização.

Por conseguinte, o estudo não se ateve à questões numéricas, tendências ou prevalências, senão, ao conteúdo (o protagonismo judicial na defesa de direitos) de um determinado fenômeno percebido por um agente de significativa participação e ação em no contexto social da investigação. É, portanto, um estudo qualitativo (LAKATOS; MARCONI, 2016), por tal característica.

Para atingir as pretensões da pesquisa, adotou-se, a técnica de coleta de dados por entrevista, por meio de roteiro semiestruturado contendo 16 (dezesseis) perguntas. A entrevista foi aplicada após discussão e conformação de seu conteúdo às críticas da entrevistada, em respeito e liberdade de sua expressão. Ainda, promoveu-se a subscrição de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), preservando sua identidade.

A entrevistada ocupa o cargo de Defensora Pública há 7 anos e meio, e, ao tempo da entrevista, respondia pelo Município de Benevides-PA (Região Metropolitana da Capital). A entrevistada participa de projetos voltados à reinserção social de internos do sistema penitenciário do Estado do Pará (como se verá de sua fala). Expressamente, informou tomar sua função pública como motivador de suas ações, ao asseverar ter “a necessidade de fazer mais pelo assistido, que é o cliente da defensoria pública”.

Em relação ao município em questão, deve-se ressaltar que a entrevistada era a única agente pública frontalmente envolvida, ao tempo da pesquisa, com ações desta natureza. Chamou a atenção, ainda, o fato de que não há estabelecimentos prisionais no município, o que exigia um deslocamento externo da entrevistada para realização das ações sociais desenvolvidas. Estas razões, aliás, foram determinantes para sua escolha. Ademais, pretendeu-se (mesmo a partir de uma única entrevista) a obtenção de dados de caráter indutivo, que permitam a posterior ampliação da análise à outros sujeitos envolvidos com ação, porém, já sob primeiros construtos teóricos viabilizados por esta primeira aproximação empírica.

A entrevista foi transcrita, analisada e fragmentada em diversos trechos denotativos das percepções da pessoa entrevistada quanto às práticas ressocializadoras e sua importância, sob a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Observou-se, após organização em tabela de dupla entrada dos conteúdos de cada trecho da fala, que um primeiro conjunto de falas expôs as condições do atual encarceramento no Pará, seguindo-se da exposição das razões pessoais e institucionais do protagonismo da entrevistada, pelo que os resultados seguiram esse conjunto sintetizado de falas.

Cumpre registrar, ademais, que muito embora um leitor com pensamento mais acurado possa, até mesmo, promover a identificação da entrevistada e demais indivíduos citados, o bom exemplo protagonizado pelos mesmos não sobrepuja o motivo ético da omissão de seus nomes. Em verdade, o objetivo científico do estudo é o foco nos fatos e não nas pessoas. Primeiro, porque a compreensão do pano de fundo de suas ações é o que revela a razão da investigação. E, por conseguinte, porque o caráter altruístico da necessidade já fala por si só, muito além do que as linhas deste trabalho.

 

4. Interpertações sobre a entrevista e o protagonismo na ressocialização

4.1 Um retrato do aprisionamento como questão social

Em primeiro lugar, acompanhando o raciocínio desenvolvido no referencial do estudo (GARLAND, 2008), a entrevistada afirmou que o principal problema da ressocialização, em verdade, reside na anterior ausência de uma socialização dos indivíduos: “Mais importante que a ressocialização é a socialização [...]. Entendo que essa pessoa, que é parte da população carcerária, assim o é por falta de oportunidades [...]”.

Essa falta de oportunidades é explicada de forma mais assente:

Pela diagnose que fizemos nas casas penais já trabalhadas, a grande maioria do internos do gênero masculino tem nível fundamental incompleto como nível de escolaridade, vem de famílias numerosas, e nunca tiveram emprego formal. Neste contexto de abandono familiar e estatal, em não se promovendo o mínimo de políticas públicas de assistência social a estes indivíduos, outro não pode ser seu futuro, se não o da delinquência. Então nota-se que, em sua grande maioria é um público de péssimas condições sócio econômicas, baixo nível de instrução formal, e de uma visão de mundo muito estreita, que a meu sentir pode ter sido levado por uma situação excepcional ou ainda que esteja vivendo uma ambiência criminosa o faz por absoluta falta de oportunidades. Eu realmente acredito que se a esse indivíduo, que hoje é público da assistência jurídica integral e gratuita da defensoria pública na área criminal, se a ele tivesse sido oportunizado estudo, trabalho, moradia, lazer, esses direitos sociais, tal como previstos constitucionalmente, ele teria tido escolhas, ele teria grandes chances de não se desviar, de desenvolver atividades laborais lícitas e compor a sociedade extra muros, sim.

Nesse contexto, destaca a importância do desenvolvimento de projetos que busquem a reinserção social dos internos, refletindo:

Entendemos que, promovendo atividades de resgate à dignidade pela realização de capacitação profissional por cursos e oficinas, intentamos gerar cidadão e cidadãs conscientes do protagonismo de suas histórias, hábeis ao desenvolvimento de competências e habilidades importantes para a apresentação no mercado de trabalho e como empreendedor quando da vida extra muros. Trata-se de perspectiva real de recomeço.

Em verdade, a opinião da entrevistada traduz muito bem o que Garland (2008) e Wacquant (2015) mencionam a respeito da massa carcerária comum: trata-se de pessoas excluídas das fileiras do mercado de trabalho e da sociedade de consumo, que, encontraram na criminalidade uma oportunidade de ascender numa sociedade individualizada onde se é conforme aquilo que se tem (BAUMAN, 2001).

Nesse sentido, aliás, informa a entrevistada:

A grande maioria dos delitos é da modalidade tráfico de drogas e delitos contra o patrimônio. São crimes próprios de quem vive na periferia, de quem vive na pobreza, de quem tem baixa escolaridade, e que não tem emprego e ou renda. Estas modalidades de crime são condutas praticadas reiteradas vezes pelo mesmo agente porque a condição de pobreza ou miséria perdurará.

Portanto, um dos principais desafios da ação ressocializadora é reverter a situação de segregação socioeconômica, por meio de ações concretas que, de alguma maneira, insiram os internos (ainda no contexto do cárcere) num contexto que os permita a aquisição de conhecimentos que franqueiem o ingresso posterior no mercado de trabalho.

 

4.2 Da ressocialização como vivência e protagonismo

Questionada a respeito de sua iniciativa em projetos que buscam a ressocialização, a entrevistada assim respondeu:

Eu desenvolvo esse trabalho por iniciativa própria, mas conto com a ajuda de muitas pessoas que me permitem associar a coordenação desses projetos em concomitância com meu trabalho ordinário de defensora pública criminal na comarca de Benevides. [...] Posso dizer que construí amizades sólidas com este trabalho, dada a parceria, o sofrimento, as dificuldades enfrentadas [...].

Quanto à natureza dos trabalhos desenvolvidos, conforme mencionado ao fim do tópico anterior, a entrevistada demonstrou a consciência de que a ressocialização está ligada à capacitação dos internos, de modo que os mesmos não dependam da economia do crime como alternativa à sobrevivência, de modo que possam ser cientes de que são os principais determinantes de sua própria história.

Entendemos que promovendo atividades de resgate à dignidade pela realização de capacitação profissional por cursos e oficinas, intentamos gerar cidadãos e cidadãs conscientes do protagonismo de suas histórias, hábeis ao desenvolvimento de competências e habilidades importantes para a apresentação no mercado de trabalho e como empreendedor quando da vida extra muros. Trata-se de perspectiva real de recomeço.

[...] Concluímos cursos profissionalizantes em secretariado, atendimento ao público, atendente em telemaketing, telefonista e atendente de farmácia no CRF (Centro de Recuperação Feminino) de Marituba e de Ananindeua. Implementamos uma fábrica de vassouras a partir de garrafas pet na casa penal de Mocajuba-PA e estamos em vias de concluir uma oficina de flores a partir de garrafas pet, com exposição das flores ornamentando a berlinda de nossa senhora no Círio de Marapanim-PA, oficina esta, realizada na unidade prisional materno infantil em Ananindeua-PA.

Em verdade, a perspectiva parte da ideia de (re)construção de uma cidadania perdida, como fica claro da fala da entrevistada, noutro momento.

Eu penso que a importância desse projeto é o resgate da dignidade, é a consciência da sua condição de cidadão,  da sua condição de protagonista de sua própria história,  é a formação de um condicionamento para o trabalho, é a promoção de habilidades e competências por meio de cursos e oficinas, é a viabilização do aprendizado de uma nova profissão ou novo ofício, é o resgate ou o despertar para valores talvez adormecidos,  ou jamais conhecidos pela população carcerária,  cuja base familiar e a moral costumam ser incipientes e até inexistentes. Então eu penso que os nossos projetos tem a feição de trazer este encarcerado para fazer parte de uma sociedade, talvez pela primeira vez

Fica clara a realização pragmática do propósito institucional indicado por Santos (2011) em relação às defensorias públicas, quando sugere um repensar de sua atuação a partir de uma sociologia das ausências, que lance um repensar sobre a impotência dos indivíduos em afirmar sua cidadania e defender seus direitos num contexto de uma justiça cada vez mais restritiva aos pobres. Contudo, deve-se ressaltar que, embora a prática ressocializadora evidenciada em relação à atividade da entrevistada também seja desenvolvida por outras pessoas e órgãos, a ausência de mútuo conhecimento das ações e projetos, certamente, demonstra a falta de articulação desta política no nível macro, da instituição.

Antes que eu tivesse esse trabalho, que não era apriorístico a ressocialização, já existia um programa de ressocialização que era o de remição de pena pela leitura, que é encabeçado pela defensora pública A. I. e funciona com apoio institucional da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará e da SUSIPE (Superintendência do Sistema Penitenciário). Esse projeto surgiu na DPU (Defensoria Pública da União), e depois a Defensora A.I. o trouxe para o Estado do Pará e ele já funciona em algumas casas penais. Pode ser que haja mais, mas não sei informar.

O Pará é muito grande, existem muitas casas penais e os defensores tem autonomia e independência funcional, então penso ser muito provável que alguém esteja realizando atividades extra processuais bem interessantes, até com viés ressocializador, que não tenha divulgação e que, portanto, eu não tenha conhecimento. Tenho certeza que pouquíssimos colegas sabem dos projetos que estou coordenando.

E, de maneira muito positiva, constata-se que há outras iniciativas no Estado do Pará que buscam a mesma finalidade ressocializadora, como se evidencia abaixo.

A Defensoria Pública não está sozinha nessa proposta de intento ao processo de ressocialização. Algumas casas penais já desenvolvem algum trabalho neste sentido, a exemplo de atividades de piscicultura, fábrica de vassouras, trabalho externo em parceria com gestões públicas municipais, como acontece no CRF de Marituba - as internas saem para trabalhar na limpeza pública. No CRF de Ananindeua tem muitas atividades. Inclusive o artesanato é muito forte, de modo que o produto do seu trabalho é comercializado numa loja num shopping Center [...].

Dentro da organização da SUSIPE há um setor específico para tratar desta matéria. [...] Existem também os trabalhos realizados pela pastoral carcerária da igreja Católica, como também pelas igrejas evangélicas. Eu penso que esse trabalho de evangelização, pelo menos, consiga fazer uma reconstrução ou uma desconstituição do que seria um perfil moral do encarcerado: Ele começa a adotar um comportamento, uma visão de mundo totalmente diferente daquela que ele tinha antes da evangelização, daquela conversão para a profissão de fé, e aí eu penso que ele tem essa grande chance sim de integração ou reintegração social.

Porém, quando questionada sobre à ação Estatal voltada à ressocialização, a entrevistada, embora aponte a existência de políticas públicas, acaba às vinculando ao protagonismo de certos agentes, como se vê a seguir.

O Estado do Pará, há a pouco tempo, implementou um serviço de prestação de assistência nos modos do que a gente faz no nosso projeto, e, quem conduz é a senhora C., que era diretora da casa penal onde a gente começou o projeto. Ela está fazendo um trabalho pela SUSIPE muito parecido com o que a gente faz pelos projetos e isso é bom, porque nos dá a sensação de que afinal, acertamos, e que a cultura da política pública de assistência social tende a vingar.

Ainda assim, pressupõe-se que a existência de ações e lutas de tantas entidades e indivíduos, justamente, exista em razão de negligências estatais na promoção dos direitos dos presos, possivelmente, em razão de questões de interesse político-sociais que desvirtuam os propósitos ressocializantes previstos em lei.

Eu penso que já existem algumas políticas públicas implementadas, e penso que na verdade, talvez não seja prioridade de gestão pública as questões referentes à população carcerária, talvez, porque a sociedade extramuros faça um movimento contrário no que respeita a investimentos e injeção de recurso público em prol de encarcerados. A máxima que vige em nosso meio social é a de que bandido bom é bandido morto, então políticas públicas que intentem melhora para o apenado seriam deveras impopulares. Existe uma difusão equivocada de desperdício de dinheiro público com apenados. Na verdade há um subinvestimento em muitas áreas de assistência social e no que tange à encarcerados isso se vê agravado. Inclusive quando a gente fala sobre assistência médica e odontológica para dentro da casa penal, o argumento é que não se tem esse serviço sequer para a sociedade extramuros, e, por essa razão não vai ter para a sociedade intramuros. Mas como disse, as coisas mudaram para melhor na gestão M. D. [superintendente da SUSIPE].

Eu penso que um item para essa resposta é o preconceito da sociedade, de inclusive sentir como se houvesse desperdício de dinheiro público, quando é voltado para projetos de assistência social ao encarcerado. Outra resposta, seria a escassez de recursos públicos e a necessidade de dirigir esses recursos para fins de maior aceitação social. Realmente, políticas públicas em prol do encarcerado não são prioridade, nunca foram. Sem falar que não contam com a aprovação da sociedade.

O texto corrobora com as afirmações de Garland (2008), no sentido de que a superação do paradigma do bem estar social se deu sob o paralelo advento um discurso científico que, propagado pela mídia, insinuou que os direitos humanos garantidos a todos, até mesmo no cárcere, seriam, de alguma forma, relativizáveis aos inimigos sociais, transgressores de normas jurídicas, os quais, em verdade, sempre foram pessoas marginalizadas e privadas de sua cidadania (WACQUANT, 2015), em sua maioria, pobres, negros e de baixo nível de formação e escolaridade. Assim, o dinheiro mal investido, poderia ser revertido em prol da sociedade de bem (em verdade, já detentora de uma série de privilégios sociais).

Corroborando esta ideia, arremata a entrevistada:

 

 

Conto com ajuda, mas não de feição financeira. Por exemplo: a gestão municipal dos municípios de Benevides e de Marituba são nossas parceiras, seja com apoio logístico eventual, seja com disponibilização de recursos humanos. A prefeitura de Benevides-PA, comarca onde atuo, cede estagiários, assessores e servidores para a Defensoria local, o que viabiliza a delegação de atividades atinentes as atribuições ordinárias que tenho como Defensora e me permite realizar atividades do projeto em concomitância.

Já contei também com a ajuda da ADPEP – Associação dos Defensores públicos do Estado do Pará - no que tange à impressão de certificados e, para o mesmo fim, contei com a Prefeitura de Marituba-PA, que emitiu certificados pela escola empreendedora, quando promovemos uma oficina de confecção de vassouras a partir de garrafa pet. A pedagoga E., de vez em quando, gasta do bolso contra a minha vontade, porque ela não deve carregar a responsabilidade que eu criei, mas ela é teimosa, e sem eu saber, injeta recursos próprios na compra de alguma material faltante, por exemplo. Mas, essencialmente é da minha renda pessoal como Defensora que sai a despesa mesmo.

Em suma, da afirmação constata-se que o Estado parece tomar medidas paliativas à ação social desempenhada pela Defensora Pública como uma verdadeira mostra protagonismo social, que, embora detenha como principal motivador sua função pública, de outro lado, está fortemente ligada a uma compreensão superior de sua cidadania e seus deveres decorrentes.

 

5. Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo compreender como protagonismos pessoais e institucionais podem contribuir para a reinserção social de internos do sistema penitenciário paraense. Num contexto em que o abarrotamento e as péssimas condições de funcionamento do cárcere expressam a dicotomia de modelos criminológicos vigentes, reacender as reflexões sobre os aspectos humanísticos das penas e da reinserção social de internos (que, na maioria das ocasiões, nunca ostentaram sua cidadania em plenitude) se denota como um movimento de reflexão em torno dos próprios direitos garantidos pela Constituição Federal.

Após análise dos dados colhidos na entrevista, verificou-se que, muito embora a entrevistada coloque sua função pública como o principal motivador de suas ações ressocializadoras (realizando, assim, os propósitos legais inerentes à Defensoria Pública do Estado do Pará), nas entrelinhas, é uma elevada compreensão dos deveres de cidadania que parece impelir os propósitos da entrevistada, afirmação que, certamente, pode ser estendida aos demais protagonistas citados ao longo da pesquisa realizada.

Neste ponto, o estudo forneceu importante constatação empírica que, de maneira indutiva, pode ser levada em conta numa ampliação posterior deste estudo. Com isso, pode-se vislumbrar se o protagonismo está diretamente ligado à aspectos de perfil profissional de agentes públicos para o exercício de funções específicas, o que é fundamental à própria noção de gestão pública do sistema judiciário.

Certamente, o debate pelo abrandamento da ampla criminalidade, parece perpassar pela necessidade de religação de vínculos sociais deveras enfraquecidos neste início de Século XXI. Compreender essa necessidade e empreender projetos e ações de restabelecimento de vínculos, decerto, talvez se mostre como um princípio norteador das futuras políticas públicas e iniciativas privadas de caráter social, conforme evidenciado do exemplo dos protagonistas identificados nestes estudo.

Embora a mensuração das contribuições não seja, neste momento, diretamente aferível da entrevista (ao menos com alto grau de confiabilidade), a simples constatação da presença do Estado e da sociedade no contexto do cárcere, ao menos, na visão dos protagonistas, parece representar uma luz àqueles gravados com a marca da não cidadania. Decerto, a continuidade das pesquisas desenvolvidas no presente projeto, a partir desse primeiro esforço, buscarão confirmar ou não essa hipótese por meio de acompanhamentos diretos dos projetos e percepções de seus respectivos atores (protagonistas e beneficiários), como se espera da boa ciência.

 

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