Artigo 8 - 5770

 

O caráter científico das finanças sob a ótica epistemológica

 

 

The scientific character of finance from an epistemological perspective

 

 

Jéssica de Castro1

1 Universidade Estadual Unicentro, Brasil, Doutoranda em Administração, e-mail: jeessicacastro@hotmail.com

 

Recebido em: 27/01/2019 - Revisado em: 21/02/2019 - Aprovado em: 20/03/2019 - Disponível em: 01/04/2019

Resumo

Este ensaio teórico consiste de proposições acerca de aspectos epistemológicos voltados à área de finanças. Tem como objetivo propor reflexões que permitam a discussão sobre a cientificidade da área, considerando aspectos de delimitação e de evolução da Ciência cunhados por Karl Popper e Thomas Kuhn. Identificam-se aspectos contraditórios no campo das finanças corporativas e no campo das ciências comportamentais, com base nos critérios de Popper há indícios de que as teorias possam apresentar caráter científico, no entanto, de acordo com os critérios de Kuhn não foi possível identificar apenas um paradigma abrangente capaz de explicar as decisões financeiras em suas duas correntes.

Palavras-Chave: Finanças Comportamentais; Finanças Modernas; Hipótese dos Mercados Adaptativos; Epistemologia.

 

Abstract

This paper is about epistemological topics focused on the area of finance. The purpose is create thoughts about the scientificity of the area, considering aspects of delimitation and evolution of science coined by Karl Popper and Thomas Kuhn. Contradictory aspects are identified in the field of corporate finance and in the field of behavioral sciences, based on Popper’s requests there are indications that theories exhibit scientific characters, however, according to the Kuhn indexes, it was not possible to use only one paradigm comprehensive able to explain how financial decisions in its two streams.

Keywords: Behavioral Finance; Modern Finance; Adaptive Markets Hypothesis; Epistemology.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A Administração é uma prática que já existe há milhares de anos, no entanto, a administração como campo de estudos na academia é jovem quando comparada as outras áreas de conhecimento. A largada inicial oriunda dos ensinamentos de Taylor, e a consequente criação das escolas de negócio foram importantes no sentido de legitimar e formar pessoas especializadas para a prática gerencial, foi o momento de alterar o status da administração e posicioná-la no campo decisório e não somente no campo operacional como vinha se desenvolvendo (Vizeu, 2010).

Pela própria forma como a Administração se desenvolveu, tendo seu início pautado numa figura da administração como prática, ela carrega até os dias atuais reflexões sobre sua característica de cientificidade. Com o passar dos anos, ela foi se ajustando até enquadrar-se no que conhecemos hoje como Ciências Sociais Aplicadas. Um fato relevante na construção do conhecimento foi essa separação de ciências, “cada qual no seu quadrado”, mas que hoje, dado o volume de conhecimento construído, verificamos que novamente se faz necessário a ligação entre as áreas de forma que se apresentem como complementares, e permitam explicações para fenômenos que apreciados de forma isolada em sua respectiva área de conhecimento, não seria possível entendê-las/explicá-las.

Embora sua classificação mediante um órgão estabeleça a administração como uma ciência social aplicada, muitas discussões são apoiadas no questionamento: “Administração é mesmo uma ciência?”. E se, a Administração for uma ciência, suas subáreas também podem ser consideradas científicas?

 

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Critérios de Demarcação da Ciência

Partindo da questão levantada no item anterior, como podemos direcionar as discussões e estabelecer uma resposta (adequada) a tais questionamentos? Será que podemos considerar as subáreas da administração como campos científicos individuais ou devemos (se for ciência) considerá-los, pedindo licença a Thomas Kuhn e utilizar sua expressão dizendo que são apenas “peças no quebra-cabeça” todo?

Para argumentarmos mais a respeito, nos limitaremos a discutir uma área específica do campo da administração, a área de finanças. As finanças tem seus momentos marcantes na história e podemos dividí-los em três grandes grupos: as finanças antigas, que ocorreram até a década de 50 nos EUA, depois as finanças modernas ou Neoclássicas. E, por último, o recorte mais jovem no âmbito das finanças, as finanças comportamentais.

Mas antes para que possamos elucidar nossa opinião sobre o tema, vamos retomar as ideias centrais de dois dos principais estudiosos da ciência: Karl Popper e Thomas Kuhn e suas percepções singulares sobre o que é ciência.

 

 

2.1.1 Karl Popper

Karl Popper foi um dos filósofos mais influentes da ciência moderna, sendo considerado o pai do racionalismo crítico. A proposta central de Popper está em separar ciência de não ciência. Para isso foi estabelecido um critério de demarcação que permite realizar tal classificação. O critério de demarcação de Popper é conhecido como Falseacionismo, ou seja, para que uma teoria tenha caráter científico esta deve ser passível de ser falseada em testes empíricos, considerando obviamente, um rigor metodológico que suporte a possível contradição encontrada.

Em sua obra ‘Conhecimento Objetivo’ a partir da qual ganhou notoriedade, Popper fundamenta sua ideia de falseacionismo pautando-se no argumento onde julga “ter resolvido o problema filosófico da indução”. Neste momento Popper deixa claro que, para que seja possível verificar a cientificidade de uma teoria, deve-se direcionar os estudos de maneira dedutiva e não indutiva. Para Popper teorias científicas não são construídas da parte para o todo, pois para “validá-la” toda a população deveria ser observada e isso é impossível. Assim, ele coloca que as teorias científicas devem emergir do princípio da dedução, partir do todo e examinar a parte, por meio de observações, testes empíricos e experimentos. (CHALMERS, 1993)

Para Popper, “avanços significativos na ciência ocorrem quando essas conjecturas audaciosas são falsificadas” (CHALMERS, 1993, P. 73). Isto é colocado tanto no campo das ciências naturais quanto no campo das ciências sociais. Ainda, embora uma teoria se sustente a partir de inúmeros testes, não seja falseada, ainda assim não é possível afirmar que esta teoria é verdadeira, “a discussão crítica nunca pode firmar razão suficiente para alegar que uma teoria é verdadeira” (POPPER, 1975, p. 85), apenas pode considerar a teoria “a mais próxima da verdade” entre as teorias que existem, isso porque, para Popper a ciência tem caráter hipotético, as premissas da ciência não podem ser provadas e então assumem-se como prováveis verdades.

Além do acima exposto, cabe ressaltar que a visão do falsificacionismo sofisticado de Popper, complementa o critério de demarcação da ciência considerando que esse pensamento “desvia o foco de atenção dos méritos de uma teoria isolada para os méritos relativos de teorias concorrentes” (CHALMERS, 1993, p. 69). Ou seja, não basta que a teoria seja falseada, mas deve-se atentar-se ao rigor metodológico durante a condução das obervações, bem como, deve considerar que exista uma nova teoria capaz de explicar os fenômenos de uma maneira melhor que a anterior era capaz de explicar, ela deve portanto “ser mais falsificável do que aquela que ela se propõe a substituir” (CHALMERS, 1993, p. 69).

 

2.1.2 Thomas Kuhn

Thomas Kuhn, teve como principal obra em sua carreira a pesquisa intitulada “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Físico e filósofo da ciência teve grande prestígio e reconhecimento em seus estudos. Sua obra aborda a ciência sob o ponto de vista dos paradigmas – “realizações científicas universalmente conhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1962, p. 13), ou seja, paradigma é um conjunto de valores, conhecimentos e métodos aceitos pela comunidade científica – Na visão de Kuhn, o conhecimento para ser reconhecido pela ciência deve ser capaz de ser direcionado por um paradigma.

Kuhn coloca o processo de construção do conhecimento como um ciclo, o período inicial chama-se pré-paradigmático ou pré-ciência onde há uma ampla divergência entre os pesquisadores, nesta fase, ainda há muito que se estabelecer para o direcionamento de estudos que possam gerar conhecimento científico, grupos de cientistas buscam informações para constituir e firmar seus paradigmas.

Após o amadurecimento desse período, inicia-se o que Kuhn chama de ciência normal, nesta etapa surgem os paradigmas. Fazer ciência representa neste contexto, “resolver um quebra-cabeça” como sugere-o, todos os direcionamentos e delimitações da pesquisa serão estabelecidos pelo paradigma proposto, cada “peça do quebra-cabeça” representa parte do conhecimento obtido, portanto, caracteriza-se como um conhecimento cumulativo, Kuhn (1962, p. 29) descreve que “a ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas”, outra característica desse momento é o reduzido interesse em produzir novidades, dadas as próprias coordenadas impostas pelo paradigma vigente, embora este não represente um pacote completo de regras.

No âmbito da ocorrência da ciência normal, podem ainda, surgir “anomalias” – problemas que a comunidade científica precisa enfrentar – as anomalias em esferas menos representativas, exigem uma reestruturação do próprio paradigma e na forma de dar continuidade as pesquisas.

Uma característica da visão kuhniana diz justamente que “rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria ciência” (KUHN, 1962, p. 110), assim, os paradigmas não são “abandonados” em sua primeira dificuldade. Por outro lado, se tais anomalias persistem resistindo a análises e passam a ser reconhecidas pelos cientista como tal, elas podem gerar um período de “crise”. Entende-se por crise o momento em que o paradigma não é mais capaz de explicar novos problemas que vão surgindo pois, certos fenômenos vão além da sua abrangência. Portanto, na medida em que os paradigmas não conseguem mais responder a tais questões devem ser substituídos por novos paradigmas.

Surge então o que Kuhn define como “revolução científica”, uma fase do conhecimento completamente não cumulativa onde os antigos paradigmas, dão lugar a novos paradigmas que são capazes de responder questões que anteriormente apresentavam-se fora do campo de conhecimento. Essa fase de revolução científica, é onde ocorre o progresso da ciência, um novo paradigma, estará apoiado nos fundamentos do paradigma anterior, considerando o fato de que o novo paradigma, para ser capaz de substituir o outro, precisa abranger tudo o que este compunha e ainda as anomalias que impulsionaram sua criação.

Novamente, a partir de “mais um passo dado” volta-se para um período de ciência normal, denominado, “nova ciência normal” fazendo a retomada do modelo de pesquisa direcionado pelo paradigma até o momento que novas questões não sejam passíveis de soluções e por conseguinte, nova crise e nova revolução científica venham a ocorrer, contribuindo em mais uma etapa do progresso da ciência.

 

 

2.2 Finanças

O campo de estudos em finanças possui três fases, a primeira conhecida como Finanças Antigas, que perdurou de 1930 a 1950, depois surgiram as Finanças Modernas ou neoclássicas na década de 50 e mais recentemente as Finanças Comportamentais,

 

2.2.1 Finanças Antigas

As denominadas “finanças antigas” tinham como principal direcionador a prática. Neste momento da “história financeira” pesquisadores e práticos tradicionais da área, baseavam-se nas experiências práticas para descrever o comportamento do investidor e das empresas e, dessa forma, eram extraídas informações que pudessem sugerir algum tipo de tendência que indicasse quais poderiam ser as decisões mais assertivas nos investimentos e financiamentos.

A ideia central era elaborar um conjunto de regras que auxiliassem na tomada de decisão em finanças. E a regra que se enquadrava como uma negociação mais eficaz, dizia que neste modelo de finanças o ideal era comprar ativos subavaliados e vendê-los quando estivessem superavaliados. Quanto as decisões de financiamento o ideal nesta ótica era encontrar o nível normal de endividamento normal que era caracterizado pelo nível com menor custo de capital possível. Em relação a política de dividendos a regra principal era a distribuição em dinheiro por considerarem ganhos de capital mais incertos. E, ainda as decisões de estrutura de capital eram pautadas tanto no menor prazo possível de retorno do capital investido quando da taxa interna de retorno. (IQUIAPAZA; AMARAL; BRESSAN, 2009)

 

 

2.2.2 Finanças modernas ou neoclássicas

As finanças neoclássicas, por sua vez, surgiram na década de 50. Esse modelo de Finanças Modernas passou a considerar as características de racionalidade dos tomadores de decisão, e envolveu também a imprevisibilidade dos mercados. Nesta era das pesquisas em finanças, tem-se claro a figura do homo economicus, termo advindo da economia que é utilizado para representar um indivíduo racional. Indivíduo esse responsável pela tomada de decisão no contexto financeiro.

Dentro das finanças modernas há questões como a Hipótese do Mercado Eficiente, Teoria de Carteiras, Apreçamento de Ativos, Opções e, Teoria da Agência. Nos limitaremos a falar sobre a Hipótese dos Mercados Eficientes (HME) tendo em vista ser ela uma das teorias mais influentes neste campo de estudos, e ainda, é tomada como referência para a predição de modelos de precificação de ativos, englobando desde demandas das finanças corporativas como também a própria aplicabilidade quando o assunto são os derivativos financeiros. “Pode-se afirmar, seguramente, que o campo acadêmico das finanças em geral e, especificamente, o campo de análise e precificação de ativos foi construído com base na HME.” (RABELO JUNIOR; IKEDA, 2004, p. 98)

A HME, foi desenvolvida por Eugene Fama (1970), e defende que os ativos negociados sempre refletem inteiramente as informações disponíveis sobre os mesmos. Essa teoria infere que a competição é perfeita, e por isso nenhum agente individual é capaz de impactar de forma significativa os preços do mercado, além disso os investidores são seres totalmente informados, com acesso igualitário às informações e agindo racionalmente, também não há fricções, ativos divisíveis e nenhum custo de transação.

Na HME foram propostas por Fama (1970) três formas de eficiência:

a) forma fraca: Esta forma reflete as informações dos preços históricos disponíveis, sendo assim, o investidor não consegue obter retornos mais altos decorrentes somente da observação dos preços históricos. A análise realizada baseia-se nas movimentações passadas dos preços das ações. E as demonstrações financeiras publicadas pelas empresas, são utilizadas para prever possíveis movimentos futuros. A partir de possibilidades do lucro, o mercado percebe e se orienta no sentido de ajustá-lo novamente impedindo os ganhos acima da média.

b) forma semiforte: Nesta forma, o mercado se ajusta rapidamente conforme as informações públicas sobre o ativo, portanto, quaisquer informações como anúncios sobre dividendos, lucros, fusões, aquisições, investimentos, desinvestimentos e emissões de novas ações podem influenciar nos preços do mercado. Neste sentido, mediante o anúncio da empresa, seja de notícias boas ou ruins, a informação reflete ao preço das ações, o qual oscilará positiva ou negativamente de decorrente da direção da informação publicada.

c) forma Forte: Neste formato o mercado se movimenta quando os preços refletem todas as informações disponíveis sejam elas públicas e não públicas; neste mercado, mesmo os insiders traders (investidores com acesso a informações privilegiadas), não são capazes de obter retornos em excesso, pois o mercado reage rapidamente e ajusta seu preço. (RABELO JUNIOR;IKEDA, 2004).

Embora exista essa segmentação de três formas de mercado, as formas fracas e semi-forte são as que melhor descrevem a HME (FAMA, 1970). O Modelo de mercado em sua forma fraca, pressupõe que não é possível estabelecer um padrão de comportamento, e isso indica que as movimentações do mercado sob essa ótica ocorrem de forma aleatória e independente, para explicar essa movimentação foi criado um modelo denominado Random Walk. Esse modelo estabelece justamente que os preços variam de forma aleatória, e que seria impossível determinar o preço futuro de um ativo, tendo como consequência a falta de possibilidade de que um investidor individual consiga de forma sistemática vencer o mercado e ter ganhos superiores.

 

2.2.3 Finanças Comportamentais

A teoria de finanças comportamentais emerge a partir de um cenário onde a HME, não parece ser capaz de explicar todas as ocorrências. Na HME o preço de um ativo reflete as informações disponíveis, impedindo aos investidores qualquer ganho anormal. Neste sentido, diversos questionamentos com relação a essa teoria começaram a surgir, considerando cenários onde anomalias ocorrem ocasionando ganhos acima da média não previstos pela HME.

Como forma de contribuir no contexto das finanças modernas, estudos sobre o comportamento e irracionalidade do homem foram se desenvolvendo, estudos estes aliados a conceitos de outras áreas como Psicologia e Sociologia, visando obter explicações sobre as decisões financeiras dos indivíduos que destoavam do conceito da teoria até então vigente e, aproximar aos conceitos econômicos e financeiros. Esta corrente de finanças, considera em suas análises que o investidor possui racionalidade limitada, e que suas emoções e capacidade intelectual podem influenciar em suas decisões financeiras, e consequentemente esse comportamento do indivíduo pode influenciar no mercado contrariando a HME. Neste sentido, críticas antigas à HME, ganharam espaço em novas pesquisas. O trabalho de Kahneman e Tverski (1979) que trata sobre o processo de tomada de decisão do indivíduo em situações de risco, traz um dos mais importantes conceitos das Finanças Comportamentais, a aversão à perda, segundo este conceito as pessoas sentem muito mais a dor da perda do que o prazer obtido com um ganho equivalente.

Por vários motivos que envolvem questões comportamentais e limites à arbitragem, não espera-se (mediante essa ótica) que os mercados sejam eficientes, para as finanças comportamentais, os mercados podem ser ineficientes, isso porque investidores podem não ser totalmente racionais e isso faz com que o mercado siga a mesma tendência, ou seja, que seu comportamento extrapole os níveis racionais fazendo com o que este não se comporte de maneira esperada e prevista. Considera-se que o investidor não é completamente racional a ponto de direcionar suas ações sempre visando ganho, questões de natureza política e social podem também influenciar no comportamento deste indivíduo tomador de decisão. (RABELO JUNIOR; IKEDA, 2004).

Fama, criador da HME, em sua obra de 1997, numa evolução das suas pesquisas, concorda que existem anomalias no mercado, mas não admite que isso invalide sua teoria. Fama comenta que tais anomalias ocorrem de maneira aleatória, não necessariamente seguem padrões que possam ser explicados por teorias alternativas e que consequentemente acabam por concordar com a HME.

Segundo Fama et al. (2008), as principais anomalias são: Anomalias de Calendário, aquelas relacionadas à sazonalidade persistente nos preços das ações (Efeito dia da semana, Efeito Janeiro, Efeito mudança de mês); Anomalias Fundamentais: São relacionadas ao valor da ação (Ações de Valor ‘Value’ e Crescimento ‘Growth’, Efeito tamanho, Efeito sobre-reação, Efeito momento); e Anomalias Técnicas: relacionadas às previsões futuras, baseiam-se no comportamento passado (efeito anúncio, efeito dividendos, arbitragem, estratégias técnicas, Barreira de preço).

Um dos desafios para os pesquisadores de finanças comportamentais é provar que as anomalias de comportamento como os exemplos apresentados anteriormente, podem realmente ser previsíveis e ainda podem ocasionar mudanças definitivas no mercado. Padrões de comportamento, exemplificados como aversão à perda, autoconfiança excessiva, otimismo e no pessimismo exagerados e sobre-reação às novidades do mercado, foram identificados de maneira isolada por diferentes pesquisadores sem que se conseguisse estabelecer um modelo que incluísse todas as anomalias. (FAMA et al, 2008).

Grossman e Stiglitz (1980) vão ainda mais longe. Eles argumentam que a existência de mercados perfeitamente eficientes em termos de informação, são impossíveis, pois, se os mercados estiverem perfeitamente eficientes, não há lucro para coletar informações, caso em que haveria pouca razão para negociar, e os mercados acabariam em colapso.

De certa forma, o grau de ineficiência do mercado determina o esforço que os investidores estão dispostos a gastar para reunir e negociar a informação. Portanto, um equilíbrio de mercado não degenerado só surgirá quando houver oportunidades suficientes de lucro, isto é, ineficiências, para compensar os investidores pelos custos da negociação e coleta de informações. Os lucros auferidos pelos investidores podem ser vistos como rendas econômicas para aqueles dispostos a se envolver em tais atividades.

 

2.2.4 Hipótese do Mercado Adaptativo

Concordando com a redação da parte introdutória deste estudo, onde foi referido que as ciências foram separadas, mas que, devido ao volume de conhecimento estão sendo unidas novamente, a hipótese do mercado adaptativo (AMH) criada por Lo (2004) tem por objetivo verificar se os mercados funcionam de forma recorrente, ou seja, é uma síntese das finanças com a psicologia e, por extensão, a psicologia evolutiva, a biologia evolutiva e a neurociência. A a Hipótese dos Mercados Adaptativos pode ser vista como uma nova versão da HME, derivada do princípio da evolução. Os preços refletem tanto a informação quanto é ditada pela combinação de condições ambientais e o número e natureza das “espécies” na economia. Por espécies, sugere-se grupos distintos de participantes do mercado, cada um se comportando de maneira comum. Por exemplo, fundos de pensão podem ser considerados uma espécie; investidores de varejo outro; fabricantes de mercado um terceiro; e gestores de fundos de hedge um quarto. Se várias espécies estão competindo por recursos escassos num mercado único, esse mercado é susceptível de ser altamente eficiente. (LO, 2004)

Portanto, sobre a HMA, estratégias de investimento passam por ciclos de rentabilidade e perda em resposta à condições e mudanças do negócio, como por exemplo, o número de concorrentes que entram e saem da indústria, e o tipo e magnitude de oportunidades de lucro disponíveis. À medida que as oportunidades mudam, também serão as populações afetadas. Em vez da tendência para uma maior eficiência prevista pela HME, a HMA implica consideravelmente em dinâmicas de mercado mais complexas, com ciclos, tendências, manias, bolhas, falhas e outros fenômenos que são rotineiramente testemunhados em ecologias de mercado natural.

Kim (2011) comenta que os participantes do mercado são dinâmicos, adaptam-se às mudanças que ocorrem no sistema e contam com a heurística para tomar decisões de investimento. Em seu estudo mostra grande evidência de influência de diversos eventos (guerras, choques, crises políticas, bolhas, etc.) na previsibilidade dos retornos e observou que nos casos de guerras e de crises políticas, houve alta previsibilidade com moderado grau de incerteza na previsibilidade e em caso de bolhas, a previsibilidade dos retornos apresentou-se menor do que em tempos considerados normais.

Dourado e Tabak (2014, p. 548) em sua pesquisa com dados da Bolsa de São Paulo argumentam que “a confirmação da HMA reitera o fato de que a influência de eventos externos gere uma alteração na racionalidade do mercado e na incorporação das informações disponíveis ao preço dos ativos.” Além disso os autores comentam que o Brasil, embora seja classificado como emergente, caracteriza seu mercado de ações como eficiente.

De uma perspectiva evolucionária, a própria existência mercados financeiros implica que as oportunidades de lucro devem estar presentes. Como eles são explorados, eles desaparecem. Mas novas oportunidades também estão sendo criadas constantemente, como certas espécies morrem, como outras nascem, e como instituições e as condições de negócios mudam. Dessa forma, a HME não está errada. Suas abstrações e suposições simplificadoras produzem boas aproximações dos mercados financeiros sob condições econômicas estáveis, estacionárias e previsíveis. No entanto, está incompleto, é preciso considerar um cenário de maior complexidade e volatilidade. (LO, 2004)

 

3 DISCUSSÕES

3.1 Finanças sob a ótica epistemológica

Dados os aspectos conceituais seguimos agora com nossa análise sobre os aspectos epistemológicos encontrados nas teoria financeiras.

Iniciaremos com a análise dos critérios de Popper, seu critério de demarcação de ciência e não ciência como comentado no item 2.1 deste estudo, reside na condição de que para ter caráter científico a teoria precisa ser passível de falsificação, utilizado por Popper o termo falseacionismo.

A construção do conhecimento se dá pelo método dedutivo, onde, parte-se da teoria proposta, e testes empíricos são realizados para testar essa teoria, que pode ou não ser falseada, caso não seja falseada a teoria em seu teste empírico, podemos dizer que essa teoria resistiu ao(s) teste(s) e por isso a teoria foi corroborada. Caso contrário, se a teoria for falseada, ela torna-se inválida e não mais é utilizada para explicar determinados fenômenos. Cabe ressaltar aqui que, a falseabilidade de uma teoria deve ser encarada com o “conceito sofisticado” de falseabilidade, caso que, para de fato a teoria ser reconhecida como falsa, devem ser aplicados vários testes com rigor metodológico, e não “descartá-la” na primeira tentativa de teste empírico que se mostrou contraditório.

No que diz respeito as teorias de finanças modernas, cujas premissas atendem as proposições da Hipótese dos Mercados Eficientes, a qual estabelece que, o mercado é capaz de transmitir imediatamente para os preços dos ativos todas as informações relevantes e que não é possível prever tendências, uma vez que tais tendências já estão sendo acolhidas pelo mercado. Então, entendemos que, movimentações de mercado em sentido oposto, que evidenciem ganhos extraordinários, colocando o investidor como um ser irracional e/ou técnicas de análise que permitam previsões de comportamento do mercado, podem ser indicativos de que tal hipótese é passível de falseamento.

Cabe ressaltar que críticas relacionadas ao investidor racional já vem sendo propostas há certo tempo pela corrente das finanças comportamentais. Teoria esta que, por sua vez, considera que o comportamento do indivíduo é avesso à perda, e, apoia-se no fato da existência do investidor com racionalidade limitada. Com isso, o mercado de capitais estaria sujeito a flutuações na relação do preço do ativo e seus fundamentos, o que possibilitaria traçar estratégias que buscam padrões de comportamento, o que resultaria na possibilidade da obtenção de lucros acima da média de mercado. Portanto, mercados onde seu comportamento fosse contrário ao esperado pela teoria, poderiam também indicar a característica de falseabilidade.

O terceiro item a ser analisado nessa evolução histórica das finanças, diz respeito a HMA, a qual visa identificar se com o passar do tempo existem períodos previsíveis e não previsíveis, mostrando a possível existência das duas situações em períodos diferentes para um mesmo mercado. Essa hipótese, nada mais é do que uma tentativa de “junção” dos fundamentos da HME e das Finanças Comportamentais, sendo assim, se na análise das observações não puder atender aos critérios de regularidade de previsões em recortes temporais que busca a HMA, indícios de possibilidade de falseamento se apresentam para esta hipótese.

Passamos então para a ótica de Thomas Kuhn e a abordagens dos paradigmas. No campo acadêmico um paradigma é tão essencial quanto a observação e o experimento, vejamos se de fato, a HME, representou ou ainda representa um paradigma no campo das finanças. As finanças modernas contaram com o surgimento de vários modelos matemáticos estabelecidos para o estudo do mercado de capitais, como os trabalhos de Markowitz com a teoria do Portfólio (1952), Modigliani com a Política da Estrutura de Capital (1958) e Sharpe (1966), tais modelos, continham suas explicações, mas ainda não havia um escopo mais amplo que abarcasse todas as teorias direcionando esforços em comum. Assim, seria este um momento da construção do conhecimento científico que Kuhn chama de pré-paradigmático?

Em meio a esses modelos surge a HME orientando e direcionando estudos subsequentes sobre o comportamento do mercado de capitais. Pesquisas sugerem que os mercados de capitais possuem anomalias, bem como podem apresentar eficiência. Ainda não foi possível rejeitar totalmente a HME nos mercados de capitais, entretanto, ela não é capaz de explicar as anomalias existentes. Podemos, portanto, considerar a HME, um paradigma e dizer que esses estudos são as peças do quebra-cabeça que Kuhn chama de período da ciência normal?

Em sequência como comentamos, diversas críticas começaram a surgir com relação a abordagem da HME, a identificação de anomalias nos testes empíricos, fez com que emergissem mais teorias na tentativa de explicar melhor tais fenômenos. Desses novos estudos quem surge ganhando força são as finanças comportamentais, com críticas severas ao escopo do que é apresentado pela HME. Tivemos então, neste momento, uma revolução científica? Talvez não, pelo fato de que para Kuhn, um novo paradigma para de fato ser considerado como tal, precisa explicar tudo o que o paradigma vigente explica e ir além, contemplando também o campo das críticas que motivaram sua criação, o que não é o caso das finanças comportamentais pois, ela foca no investidor irracional e nas anomalias, mas não possui estudos no sentido de substituir os princípios norteadores da HME.

Se não podemos considerar uma revolução científica propriamente dita, será que ao menos o momento de teorias contraditórias representam um momento de crise paradigmática? E se finanças comportamentais não é caracterizada como o novo paradigma vigente (se é que podemos considerar a HME como paradigma) mas vem conquistando cada vez mais defensores da área, e tem se mostrado capaz de explicar fenômenos que a HME não consegue explicar, como podemos classificá-la? Aliás, será que podemos classificá-la? Neste sentido, talvez as Finanças comportamentais possam caracterizar-se como um paradigma complementar caracterizado por aquele que, após exaustivos testes, não apresentam capacidade de explicar ao mesmo tempo, tanto fenômenos não cobertos por seu concorrente, quanto fenômenos por ele compreendidos.

Se até então não encontramos um momento de revolução científica no campo das finanças, será que ainda estamos na ciência normal? Aliás, é um campo científico? Adiante, podemos nos questionar a respeito da Hipótese dos mercados adaptativos, seria este o novo paradigma das finanças? A HMA busca defender um campo que abarca as duas teorias anteriormente mencionadas, HME e Finanças comportamentais, o objetivo da HMA parece ser justamente o de “conciliar” os pressupostos das duas teorias, quando fala que há momento em que há padrões de comportamento que podem ser identificados, mas em outros momentos não. Lo (2011) destaca algumas características para a prática da HMA, em primeiro lugar, a relação de risco e retorno é complexa e depende do ambiente dos negócios e, portanto, não é estável ao longo do tempo. Outro fato é que alguns mercados são mais eficientes do que outros e o grau de eficiência de qualquer mercado em particular pode mudar. A implicação é que a previsibilidade do retorno e a rentabilidade do investimento surgem de tempos em tempos devido a mudanças na demografia de investidores, instituições financeiras e condições de mercado. assim, os investidores devem estar cientes das mudanças nas condições de mercado e adaptar a seleção do portfólio de acordo. Podemos dizer que a HMA é capaz de explicar tudo o que as duas teorias não conseguem explicar de forma individualizadas?

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O objetivo deste ensaio não foi responder de forma pontual indagações sobre o caráter científico das teorias financeiras, mas levantar proposições que nos levam a refletir se de fato, podemos concluir ou pelo menos, reconhecer similaridades na evolução dos estudos na área de finanças com os avanços científicos a partir dos critérios dos filósofos Karl Popper e Thomas Kuhn.

A intenção não foi também de determinar o alcance das teorias, mas tentar fazer um paralelo sobre os aspectos de delimitação e de evolução da Ciência alinhados as finanças. Pudemos identificar que os elementos contidos nas teorias abordadas apresentam indícios de caráter científico tanto sob o aspecto dos ensinamentos de Karl Popper, quanto sobre as conjecturas de Thomas Kuhn.

Identificamos no estudo que tanto a HME quanto as finanças comportamentais são teorias complementares que se revezam na capacidade de explicar o comportamento do mercado de capitais. Ou seja, em momentos onde o mercado se mostra com maior eficiência, a HME se corresponde melhor para prever seu comportamento, e em cenários onde há menor eficiência, os pressupostos das Finanças Comportamentais atendem melhor tais demandas. A HMA entra nesse cenário no sentido de contribuir neste “revezamento” onde envolve tanto momentos de maior, quanto menor eficiência de mercado.

Deve-se ressaltar, no entanto, que a HMA é uma hipótese relativamente nova e bastante inexplorada, não temos condições de considerá-la como “o novo paradigma” das finanças, bem como, as próprias finanças comportamentais ainda apresentam-se nessa fase de consolidação onde não permite estabelecer modelos preditivos para o comportamento do mercado e explicações de outros modelos já consolidados. Esta limitação deve servir como estímulo para novos trabalhos que busquem a construção de modelos robustos à luz das premissas das Finanças Comportamentais.

 

REFERÊNCIAS

 

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