Proposição de um modelo teórico de inovação social para inclusão de imigrantes Senegaleses no mercado de trabalho
Proposition of a theoretical model of social innovation for Inclusion of
Senegalese immigrants in the labor market
Caroline Arenci Glória da Silva1, Cláudia Cristina Bitencourt2,
Gabriela Zanandrea3 e Cristiane Froehlich4
1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil, Mestrado em Administração, e-mail: carolinearenci@gmail.com
2 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: claucbitencourt@gmail.com
3 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: gabi.zanandrea@gmail.com
4 Universidade Feevale, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: cristianefroehlich@hotmail.com
Recebido em: 03/10/2019 - Revisado em: 03/02/2020 - Aprovado em: 19/03/2020 - Disponível em: 01/04/2020
Resumo
Este estudo trata-se de um ensaio teórico que visa desenvolver um framework para compreender o processo de inovação social a partir da articulação de diferentes atores para inclusão do imigrante senegalês no mercado de trabalho. Os senegaleses buscam oportunidades de trabalho e melhores condições de vida, este movimento ocorre devido à falta de condições básicas, já que no Senegal aproximadamente 50% da população vive na linha da extrema pobreza. Contudo, o Brasil está inserido em um contexto complexo, ocupando a 9ª posição no ranking de desigualdade social, com uma taxa de desemprego de aproximadamente 12,4%. Associado a isso, os senegaleses enfrentam condições de moradias inadequadas, dificuldades com a linguagem e resistência da população que os vê como uma ameaça ao seu trabalho. Para lidar com essa crise, vários atores são mobilizados para encontrar maneiras de apoiar e integrar os imigrantes no mercado de trabalho. Destaca-se a riqueza dessa interação como uma oportunidade de inovação social. Este artigo conceitual contribui para a literatura sobre como a inovação social emerge através da articulação de diferentes atores para incluir o imigrante senegalês no mercado de trabalho.
Palavras-Chave: Inovação Social. Senegaleses. Inclusão. Atores Sociais. Mercado de Trabalho.
Abstract
This study is a theoretical essay that aims to develop a framework to understand the process of social innovation from the articulation of different actors to include the Senegalese immigrant in the labor market. Senegalese are seeking work opportunities and better living conditions, this movement is due to the lack of basic conditions, as in Senegal approximately 50% of the population lives in the extreme poverty line. However, Brazil is in a complex context, ranking 9th in the social inequality ranking, with an unemployment rate of approximately 12.4%. Associated with this, Senegalese face inadequate housing conditions, language difficulties and resistance from the population who see them as a threat to their work. To address this crisis, various actors are mobilized to find ways to support and integrate immigrants into the labor market. The richness of this interaction stands out as an opportunity for social innovation. This conceptual article contributes to the literature on how social innovation emerges through the articulation of different actors to include the Senegalese immigrant in the labor market.
Keywords: Social Innovation. Senegalese. Inclusion. Social actors. Job market.
1 INTRODUÇÃO
Mais recentemente, os estudos de inovação vêm se dedicando aos impactos gerados, sobretudo àqueles que tratam da transformação social. Nessa ótica, apresenta-se a inovação social, que tem adquirido cada vez mais importância nos mais variados âmbitos, não apenas em termos acadêmicos, como também tem se tornado pauta de políticas públicas e agendas governamentais (ANDRÉ; ABREU, 2006; ANDION, 2017).
Nas últimas décadas, as sociedades vêm enfrentando consideráveis problemas sociais como resultado do esgotamento dos modelos econômicos. Os instrumentos tradicionais de política governamental começaram a se mostrar inadequados e as soluções de mercado nem sempre eficientes para resolver essas questões. Ao mesmo tempo, o crescimento dos custos governamentais para lidar com a provisão de serviços públicos tornou-se incompatível com o orçamento disponível (KON, 2018).
Nesse contexto, a inovação social volta sua atenção para grupos marginalizados incluindo desempregados, idosos, mulheres, não alfabetizados, imigrantes/refugiados e jovens (GRIMM et al., 2013). A estas dificuldades, acrescentam-se os fenômenos demográficos referentes aos fluxos migratórios em larga escala (SOARES, 2014).
Sob este aspecto, tem-se observado no Brasil um crescente fluxo migratório, ocorrido principalmente pela ideia de resiliência do Brasil frente às crises econômicas, que atrelados aos movimentos de globalização, propiciam importantes oportunidades. Com isso, o perfil do imigrante no Brasil a partir da segunda década do século XXI vem apresentando mudanças. Dentre essas, destaca-se a vinda de indivíduos senegaleses, principalmente, ao Estado do Rio Grande do Sul. Vale ressaltar que o motivo principal da imigração dos senegaleses ao Brasil e, principalmente ao Rio Grande do Sul, não se trata de perseguição política ou guerra, mas sim, pelas condições econômicas, já que no Brasil os ganhos salariais chegam até dez vezes mais que no Senegal (UEBEL, 2016). Nesse sentido, a trajetória migratória para essa região é resultante de articulações dos imigrantes com vistas à regularização e trabalho (TEDESCO; GRZYBOVSKI, 2011).
O tema deste estudo, inovação social, delimita-se à análise das iniciativas que estão sendo realizadas por diferentes atores, os quais podem ter grande potencial de transformação social. A escolha desse objeto de estudo, justifica-se pelo crescente aumento do fluxo migratório no Brasil, principalmente no que tange à nacionalidade senegalesa. Nesse sentido, destaca-se que apesar de haver senegaleses em diversos estados e em todas as regiões do Brasil, a concentração maior ocorre nas regiões Sul e Sudeste – principalmente nos estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de São Paulo (JUNG; ASSIS; CECHINEL, 2018). Atualmente o Rio Grande do Sul conta com uma população de aproximadamente 4,2 mil imigrantes (MAIA, 2017). Sob este aspecto, destaca-se que os imigrantes estabelecem-se em poucos municípios, através da formação de grupos, o que denota a criação de redes. Ao mesmo tempo, em que se verifica que a escolha dos locais está associada a regiões com alta demanda por empregos.
Grande parcela das contratações está concentrada na Região Sul do país, com cerca de 92% do total. O Estado do Rio Grande do Sul tem o maior número de admissões, são 2.111 senegaleses admitidos (68%). Em seguida Paraná (13%), Santa Catarina (10%) e São Paulo (3%). Sendo assim, os principais municípios que empregaram os imigrantes senegaleses no mercado formal de trabalho, foram: Porto Alegre, Tapejara, Caxias do Sul e Passo Fundo (CAVALCANTI; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2016).
Contudo, ao chegarem ao Brasil, deparam-se com um típico país em crise, os senegaleses encontram dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, e com isso, acabam atuando como ambulantes nas ruas centrais das cidades. Além disso, a população vê os imigrantes como uma ameaça a seus empregos escassos. Associado a isso, condições inadequadas de moradia, dificuldades com a língua e falta de formação profissional representam os três principais problemas enfrentados por tais imigrantes. Além disso, há uma carência de regulação e planejamento da atual política migratória no que tange o acolhimento dos novos imigrantes (WEISSHEIMER, 2015).
Diante dessa problemática observa-se um movimento de integração de diferentes atores, que se mobilizam e buscam reunir agentes capazes de facilitar a resolução ou amenização dos desafios enfrentados pelos imigrantes, bem como, a própria conexão destes. Nesta perspectiva, os esforços para integrá-los podem ser vistos como uma forma de inovação social que pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país acolhedor (PERLIK; MEMBRETTI, 2018).
Esse ensaio teórico visa desenvolver um framework para compreender o processo de inovação social a partir da articulação de diferentes atores para inclusão do imigrante senegalês no mercado de trabalho. Nesse ponto, destaca-se que embora a inovação social tenha atraído a atenção de pesquisadores nas últimas décadas, os processos de como ocorrem ainda permanecem vagos (BELAYUTHAM, 2019). Assim, este estudo visa lançar luz para o desenvolvimento de uma estrutura conceitual que demonstre o processo de inovação social para a inclusão de imigrantes no mercado de trabalho.
Vale ressaltar que para produção deste ensaio térico foi utilizada a pesquisa chamada técnica de bola de neve (BIERNACKI; WALDORF, 1981) que facilita a busca de referências bibliográficas sobre o tema investigado até que seja alcançado o objetivo proposto. Foram utilizadas as bases de dados Scopus, Web of Science e Google Acadêmico para a coleta dos artigos. Inicialmente fez-se à seleção dos artigos nas bases que apresentavam no título e no resumo as palavras “inovação social”, “atores da inovação social”, “migração de senegaleses”. Foram selecionados 58 materiais entre clássicos e seminais que contribuíram para o objetivo da pesquisa. Em seguida foi realizada a exploração dos materiais selecionados, que contemplou a leitura integral com objetivo de identificar as contribuições para aprofundar a pesquisa sobre o objeto do estudo. Por último, foi realizado o tratamento dos dados e a intepretação dos mesmos para desenvolvimento do ensaio teórico.
2 CONCEITUAÇÃO DE INOVAÇÃO SOCIAL
Os estudos sobre inovação social têm aumentado nas últimas décadas. Bignetti (2011) aponta que a inovação social é diferente da inovação tecnológica e sua condução requer modelos diferentes dos tradicionais modelos desenvolvidos para a inovação tecnológica. São três os focos principais das pesquisas sobre inovação social: o empreendedorismo social, as organizações e os movimentos sociais. Entende-se que metodologias de pesquisas específicas devem ser aplicadas de forma que contemplem as particularidades inerentes ao processo de inovação social.
As inovações denominadas como tecnológicas, de acordo com Schumpeter, são aquelas onde ocorrem a introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de um bem e a introdução de um novo método de produção no ramo específico da indústria de transformação, que mereceram especial atenção nos últimos quarenta anos por parte dos estudos acadêmicos (BIGNETTI, 2011). Contudo, com o passar dos anos, observou-se uma ampliação e mudança do conceito de inovação.
As iniciativas de inovação, vistas sob a perspectiva de atender demandas para o bem-estar da sociedade, são conceituadas na literatura como inovações sociais (MEDEIROS et al., 2017). Inovação social é a proposta criativa para a resolução de um problema social, que propõe a melhoria do bem-estar social e assim promove o desenvolvimento.
A inovação social compreende uma forma de mitigar os problemas sociais, resultando em solução nova ou melhorada para uma comunidade específica (AGOSTINI et al., 2017). Para Diogo e Guerra (2013) a inovação social tem sido vista como uma forma de entender causas geradoras dos problemas sociais ao invés de apenas aliviar os seus sintomas, sendo uma forma de impulsionar o desenvolvimento regional para gerar melhorias ao bem-estar humano e ascensão dos processos sociais.
Howaldt, Kopp e Schwarz (2015) afirmam que a inovação social contempla um conjunto de estratégias, conceitos, ideias e formas organizacionais com vistas a expandir e fortalecer o papel da sociedade civil em resposta a uma diversidade de necessidades sociais (educação, cultura, saúde, entre outros), sendo entendida como uma construção de compromissos na busca de responder aos problemas coletivos, de forma a atender a demandas sociais de uma forma melhor do que as práticas existentes. Kon (2018) corrobora ressaltando que trata-se de soluções para as questões da sociedade como um todo, cujos efeitos sociais são mais intensos do que aqueles puramente voltados para os mercados econômicos.
A partir disso, pode-se afirmar que a inovação social busca soluções para atender demandas da sociedade por meio da articulação de diferentes atores que promovem ações coletivas com objetivo da mudança social.
2.1 ATORES PARA PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL
Para promover a inovação social é necessário que diferentes atores engajem-se em prol de melhor desempenho (MILLEY et al., 2018). Os atores se caracterizam como agentes de mudança por: adotarem uma missão social; procurarem continuamente novas oportunidades que sirvam essa missão; incorrerem num processo de contínua inovação, adaptação e aprendizagem; não se limitarem à mobilização de recursos disponíveis; e por prestarem constas às suas clientelas e beneficiários (SHARRA; NYSSENS, 2009).
De acordo com Howaldt et al. (2016) atores individuais e coletivos se engajam nestas inovações, os quais possuem diferentes funções, conforme visualizado no Quadro 1.
Quadro 1 - Tipos e funções dos atores para promoção da inovação social
Fonte: Adaptado de Howaldt et al. (2016).
Além dos atores apresentados no Quadro 1, cabe destacar outro importante ator no desenvolvimento de inovações sociais, Centros de Inovação Social. Estes podem originar-se tanto de indivíduos enquanto empreendedores sociais, quanto de organizações sem fins lucrativos, de movimentos sociais, de instituições de ensino e de iniciativas governamentais. Na maioria das vezes são compostos por representantes de variadas entidades os quais atuam colaborativamente em um espaço comum por um mesmo fim. Ao redor do mundo, cada centro define seus objetivos e seu foco de ação, seu fundamento é propiciar um ambiente de pesquisa e, principalmente de ação, que catalise a criação e evolução de inovações sociais.
Todos os fomentadores da inovação social citados complementam suas atividades reciprocamente, dessa forma, é essencial que haja cada vez mais atores dispostos com esse modo de atuar e beneficiar a sociedade (SAJI; ELLINGSTAD, 2016).
3 INOVAÇÃO SOCIAL PARA INCLUSÃO DE IMIGRANTES NO MERCADO DE TRABALHO
Diante da base teórica discutida, há um crescente interesse em estudos que buscam esclarecer e compreender as novas formas de apoio e integração de imigrantes no mercado de trabalho. Nesse aspecto, cada vez mais tem emergido o campo das inovações sociais, tema este, que obteve destaque devido às formas de abordar problemas e necessidades sociais, a partir da reconfiguração de práticas sociais, onde ferramentas clássicas de políticas governamentais e soluções de mercado não eram capazes de resolver (MOULAERT et al., 2005; MILLEY et al., 2018; SECCO et al., 2019). Para Howaldt, Kaletka e Schröder (2017) a inovação é considerada social quando é socialmente aceita e difundida na sociedade ou em subáreas sociais, sendo que a partir de diferentes circunstâncias pode passar por um processo de transformação, e por fim ser institucionalizada como uma nova prática ou rotina. Assim, estas novas combinações são voltadas para o interesse público e o bem comum e, necessariamente, requerem o engajamento de uma ampla rede de atores (CHARALABIDIS; LOUKIS; ANDROUTSOPOULOU, 2005; SAJI; ELLINGSTAD, 2016).
O engajamento irá ocorrer quando uma questão social emergente atrair a atenção de diferentes atores (SAJI; ELLINGSTAD, 2016). O processo de inovação social inicia com a identificação do interesse comum em um problema social específico, onde uma comunidade de atores passa a ser constituída (CHARALABIDIS et al., 2005). Nesse contexto de mudanças nos papeis e nos relacionamentos, as inovações sociais emergem com o potencial de dissolver as barreiras tradicionais entre atores públicos, privados e sociedade (BAKER; MEHMOOD, 2015).
Assim, agências governamentais, organizações não-governamentais, empresas, sociedade civil, iniciativas de cidadãos ou cidadãos individuais, se mobilizam e estabelecem novas formas de interagirem (CHARALABIDIS et al., 2005). Para que isso ocorra, alguns indivíduos-chave são necessários (STRASSER; DE KRAKER; KEMP, 2019). A iniciativa de reunir diferentes parceiros e permitir que eles se comuniquem e colaborem entre si é geralmente realizado por um ator principal, o qual fornece uma liderança para o projeto de inovação social (SAJI; ELLINGSTAD, 2016). Porém, diferentemente da liderança tradicional, este processo envolve uma liderança coletiva entre vários atores de diferentes níveis (STRASSER et al., 2019) que interagem e se envolvem no processo de co-criação da solução para o problema social identificado (MILLEY et al., 2018).
Com base nisso, as novas iniciativas ou práticas sociais surgem como respostas às demandas sociais (CORREIA et al., 2015). Portanto, as iniciativas de inovações sociais podem gerar diversos benefícios e resultados sociais (LETTICE; PAREKH, 2010). Dentre os resultados, a literatura indica que há um predomínio de resultados intangíveis, que incluem mudança de lente na maneira como os problemas são vistos, que possibilitam novas soluções; melhorias na autonomia dos beneficiados; aumento do conhecimento e relacionamentos pessoais; estabelecimento de links entre atores desconectados anteriormente, que passam a se relacionar para alcançar a mudança social necessária (JACOBI; MARTINETTI, 2017; LETTICE; PAREKH, 2010).
Finalmente, as iniciativas de inovação social quando implementadas, se bem-sucedidas, implicam em uma transformação social (SCHRÖDER; KRÜGER, 2019), que resultam em uma capacidade de se conectar aos desafios e às dinâmicas sociais, reformulando estruturas sociais e econômicas, podendo estas mudanças serem institucionalizadas ou formalizadas como políticas, com vistas a geração de novos valores e mudanças sociais (HOWALDT et al., 2016; VÉZINA; BEN SELMA; MALO, 2018; OEIJ, 2019).
Sob estas condições, os potenciais benefícios impulsionam a adoção de inovações sociais como forma de lidar com as deficiências e falhas na provisão de serviços de bem-estar básicos e universais, que estão relacionados a crescentes desafios como necessidade de bem-estar, aquecimento global, desigualdades sociais, envelhecimento da população, migração, pandemias e o terrorismo. Como consequência, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento há a necessidade de inovação social (NICHOLLS; SIMON; GABRIEL, 2015).
Baseado nestas concepções este estudo defende que as inovações sociais podem emergir em um contexto de apoio e integração de imigrantes no mercado de trabalho, e por isso apresenta um framework demonstrando como esse processo de inovação ocorre.
O atual contexto socioeconômico brasileiro requer o estabelecimento de diferentes estruturas que atendam às carências sociais observadas no país, dentre as quais percebe-se os desafios relacionados à imigração. O Brasil é um país com passado colonial, sendo destino de imigrantes em diferentes momentos de sua História. Desde 1980 vigorava no país o Estatuto do Estrangeiro, que havia sido elaborado no período do regime militar e adotava uma perspectiva de segurança nacional, onde o imigrante era visto como uma ameaça (OLIVEIRA, 2017). Contudo, o crescimento e a estabilidade econômica até então vividos pelo país atraíram uma série de imigrantes, elevando o número de autorizações concedidas. Em 2011, foram aproximadamente 1.450 autorizações, sendo que esse número passou para 4.801 em 2017, cujo pico máximo ocorreu em 2014 onde 36.292 autorizações foram concedidas (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2018).
A evolução no número de estrangeiros no país e debates em torno das políticas migratórias anunciavam a necessidade de avanços (PATARRA, 2012; OLIVEIRA, 2017). Por isso, a partir de 21 de novembro de 2017 entrou em vigor a nova Lei de Migração que representou avanços na política migratória brasileira (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2018), com a mudança de enfoque para a garantia dos direitos das pessoas imigrantes, tanto no que se refere aos estrangeiros que aportam no país, quanto brasileiros que residem no exterior (OLIVEIRA, 2017). Apesar disso, o imigrante ainda enfrenta inúmeras dificuldades onde as estruturas governamentais não são capazes de solucionar e assim, inovações sociais emergem para promover a integração e proteção destes imigrantes.
A partir do exposto, é apresentado a seguir um framework construído que demonstra como este processo de inovação social ocorre (Figura 2). O processo de inovação social que busca a integração dos imigrantes inicia pela identificação das necessidades sociais que carecem de atenção. No que tange aos imigrantes senegaleses inúmeros desafios podem ser observados, sendo que as principais carências estão relacionadas à língua (DUTRA; GAYER, 2015), desemprego (ASSUMPÇÃO, 2018), falta de capacitação (CAVALCANTI; TONHATI, 2017), preconceito dos nativos (DUTRA; GAYER, 2015) e exclusão social (ETCHEVERRY, 2017).
A fase seguinte aborda a mobilização de atores, onde uma rede de atores é estabelecida, os quais irão interagir em busca de uma solução. Nas iniciativas voltadas para esse grupo de indivíduos, atores como ONG’s, igrejas, empresas, universidades, comunidades, órgãos governamentais e usuários são mobilizados (DUTRA; GAYER, 2015; ZAMBERLAM et al., 2014; SILVA; FERNANDES, 2017). A partir desse contexto, verifica-se que a Associação de Senegaleses assume o papel de ator principal na condução das iniciativas e no estabelecimento de redes ao aproximar e inserir os usuários e beneficiários imigrantes no processo de inovação social (TEDESCO; GRZYBOVSKI, 2011).
Em seguida, a próxima etapa do modelo diz respeito às iniciativas sociais que são desenvolvidas responderem as necessidades sociais, ou seja, baseadas nas discussões e decisões coletivas dos principais atores, novas ideias são pensadas e então transformadas em iniciativas sociais. No contexto migratório, verifica-se o estabelecimento de parcerias entre diferentes organizações que pensam em ações para facilitar a inclusão destes indivíduos, como por exemplo, orientação e encaminhamento de currículos para empresas, validação de diplomas, cursos profissionalizantes e de língua portuguesa, assessoria jurídica para regularização migratória, bem como, são promovidos eventos culturais para apresentação da cultura senegalesa (TEDESCO; GRZYBOVSKI, 2011; DUTRA; GAYER, 2015; ZAMBERLAM et al., 2014; SILVA; FERNANDES, 2017; DUTRA, 2017)
A partir disso, tem-se a fase 5 onde verificam-se os resultados das ações para o propósito pretendido. No caso, observa-se a inclusão no mercado de trabalho, aprendizagem da língua local, sensibilização da comunidade local à inclusão destes imigrantes (TEDESCO; GRZYBOVSKI, 2011; DUTRA; GAYER, 2015; ZAMBERLAM et al., 2014; SILVA; FERNANDES 2017).
Por fim, a última fase estabelece transformações sociais que podem ser observadas. Nesse ponto, destaca-se que estas transformações ocorrem tanto no processo colaborativo entre os atores, que passam a estabelecer novas formas de envolvimento, quanto na revelação de sujeitos para empreender e no dinamismo de reconfigurar a vida do imigrante ao inseri-lo na sociedade. Com base nestas reflexões, foi possível a elaboração do framework apresentado na Figura 1.
Figura 1 - Processo de Inovação Social para a inclusão de imigrantes no mercado de trabalho
Fonte: Elaborado pelos autores.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este ensaio teórico apresenta um framework conceitual para compreender o processo de inovação social a partir da articulação de diferentes atores para inclusão do imigrante senegalês no mercado de trabalho. Os senegaleses buscam no Brasil oportunidades de trabalho e melhores condições de vida, contudo, ao chegar no país deparam-se com inúmeras dificuldades.
Para lidar com essa crise, vários atores são mobilizados, com o intuito de encontrar maneiras de apoiar e integrar os imigrantes no mercado de trabalho. Da riqueza dessa interação surgem oportunidades de inovação social. Assim, este artigo conceitual contribui para a literatura sobre como a inovação social emerge através da articulação de diferentes atores para incluir o imigrante senegalês no mercado de trabalho. Primeiramente, o modelo foi articulado em cinco fases: (1) identificação das necessidades sociais; (2) mobilização dos atores; (3) desenvolvimento das iniciativas sociais; (4) resultados; e por fim; (5) transformações sociais, que possibilitam o entendimento detalhado sobre como esse processo ocorre. A partir disso, foram definidos alguns itens que são constituintes dessas etapas.
O framework aqui apresentado contribui tanto para a pesquisa quanto para a prática de inovação social. Assim, em termos teóricos fornece um panorama conceitual que permite compreender e analisar como o processo de inovação ocorre. Além disso, descreve como a rede de atores é composta, onde a partir da sua interação, as iniciativas sociais são formuladas e poderão acarretar importantes transformações sociais.
Finalmente, o estudo apresenta como limitação, o fato de constituir-se exclusivamente uma revisão teórica. Apesar de desenvolver esses aspectos conceitualmente oferece uma base para estudos futuros que busquem reflexões empíricas, por isso, recomenda-se identificar os diferentes atores envolvidos nas questões relacionadas com a imigração dos senegaleses e a realização de uma pesquisa survey com esses atores para compreender como emerge a inovação social nesse contexto.
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