Artigo 7 - 6292

1 Universidade Estadual de Londrina, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: ivandutra@uel.br

2 Universidade Estadual de Londrina, Brasil, Doutorado em Ciências Sociais, e-mail: benilson@uel.br

3 Universidade Estadual do Paraná, Brasil, Doutorando em Administração, e-mail: cleberbro@gmail.com

 

Recebido em: 18/12/2019 - Revisado em: 07/06/2020 - Aprovado em: 12/07/2020 - Disponível em: 01/10/2020

Resumo

Ainda pouco disseminadas, experiências de cooperação intermunicipal de cunho ambiental continuam a despertar interesse de acadêmicos e gestores. Criado em 1995, o Consórcio Intermunicipal para Conservação do Remanescente do Rio Paraná e Áreas de Influência (CORIPA) está sediado na região noroeste do estado do Paraná e é integrado por sete municípios de pequeno porte, cujos territórios compreendem a área do Parque Nacional de Ilha Grande e suas adjacências. Após um período de crise no início dos anos 2000, o CORIPA é reestruturado e fortalecido, fato que contou com a articulação de diversos atores organizacionais. Para compreender melhor essa experiência, neste artigo analisa-se a cooperação intermunicipal na abordagem de laços fortes e fracos de Mark Granovetter da Teoria de Rede Social. Adotou-se uma abordagem exploratória predominantemente qualitativa apoiada, principalmente, em entrevistas, documentos oficiais e com a contribuição de indicadores sociométricos. O trabalho traz a relevância da ampliação da rede de cooperação vertical e horizontal do CORIPA e dos laços fortes e fracos por meio de suas densidades, além de outras análises de redes sociais, ao mesmo tempo apresenta resultantes de cooperação de consórcio interfronteiriço.

 

Palavras-chave: cooperação intermunicipal; laços em rede social; consorcio ambiental; CORIPA.

 

Abstract

Still little disseminated, experiences of inter-municipal cooperation of an environmental nature continue to arouse the interest of academics and managers. Created in 1995, the Intermunicipal Consortium for the Conservation of the Remnant of Paraná River and Influence Areas (CORIPA) is located in the northwest region of the state of Paraná and is composed of seven small municipalities whose territories comprise the area of the Ilha Grande National Park and those located in the surrounding areas. After a period of crisis in the early 2000s, CORIPA was restructured and strengthened, a fact that relied on the articulation of several organizational actors. In order to better understand this experience, this article will analyze intermunicipal cooperation accordingly to the strenght of ties from theSocial Network Theory. We adopted a predominantly qualitative approach based on interviews, official documents and sociometric indicators. The work points to the importance of expanding CORIPA’s vertical and horizontal cooperation network and strong and weak ties, while presenting results with the nature of the ties.

Keywords: intermunicipal cooperation; network ties; social network; environmental consortium; CORIPA.

 

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, principalmente após meados dos anos 1990, a cooperação intergovernamental vem sendo uma resposta aos diversos desafios colocados pela gestão de questões complexas, abrangentes, de elevado custo e conflituosas. Esse é o caso de temas ambientais, na medida em que, em geral, se caracterizam por tratarem de fenômenos transfronteiriços, intersetoriais e imporem restrições e mudanças nos padrões tradicionais de uso dos recursos territoriais. Os municípios têm crescentemente assumido atribuições ambientais diante das diretivas da Constituição de 1988, mas também das deficiências dos governos estaduais. Contudo, principalmente no caso dos pequenos municípios, vários entraves são enfrentados, como a fragilidade da estrutura e escassez de pessoal e recursos orçamentários e as pressões nas esferas técnica, política, econômica e ambiental. É diante desse quadro que a cooperação intergovernamental, na forma do fortalecimento das articulações entre os entes federados e do consorciamento público, vem sendo apresentada como estratégia para os pequenos municípios lidarem com problemas regionais (LEME, 2016).

O surgimento de consórcios intermunicipais, como exemplo de associativismo territorial ou de redes federativas em escala local, tem provocado grande interesse, dado que eles implicam uma inovação e expectativa de maior efetividade, mas também precisam superar grandes desafios de ordem cultural, político, administrativo e econômico. Embora a disposição para cooperar por meio de associação entre atores governamentais diante de problemas comuns seja uma alternativa de ação recomendável e possível, nem sempre esse caminho é escolhido e, quando o é, por exemplo na forma de consórcios, nem sempre a articulação intermunicipal resultante é forte e duradoura (ABRUCIO; SANO, 2013).

Assim, aspectos relacionados aos vínculos entre os atores em cooperação, ainda que formal, podem assumir diferentes configurações ao longo do tempo e do espaço, com diversas potencialidades e restrições para reunir recursos materiais e políticos e influenciar os resultados das políticas públicas. Uma possível leitura da capacidade, tipos e relevância desses vínculos é oferecido pela abordagem de laços em rede social de Granovetter (1973, 1983). A perspectiva de laços em rede social destaca a importância dos vínculos entre os atores que constituem a estrutura social em rede e como eles podem estar associados a mudanças, força e perenidade na articulação das ações que impactam as políticas públicas dos municípios e movimentos associativistas municipais.

No movimento associativista municipal dos anos 1990, incentivado pelas tendências descentralizadoras trazidas pela Constituição de 1988 e por conflitos socioambientais regionais, surgiu, em 1995, o Consórcio Intermunicipal para Conservação do Remanescente do Rio Paraná e Áreas de Influência (CORIPA), que se constitui a sua primeira fase. Localizado na região noroeste do Paraná e nas imediações do Parque Nacional de Ilha Grande (PNIG), o CORIPA, constituído por sete municípios, é o mais antigo e a principal referência estadual de cooperação intergovernamental para a proteção ambiental. Após um período de crise entre 2000 e 2007, a mobilização e articulação de diversos atores, em cooperação horizontal e vertical, conduziu a um novo padrão de cooperação intermunicipal e ao fortalecimento do CORIPA e das políticas ambientais.

Neste artigo, analisa-se particularmente como o CORIPA se relaciona com outros atores para a cooperação nessa última fase, a partir de 2007, na perspectiva de laços, com o amparo de uma investigação predominantemente qualitativa e na abordagem de Granovetter (1973, 1983) de laços fortes e fracos. Tal análise foi desenvolvida para demonstrar como a força dos laços em rede, constatados pela temporalidade, confiança recíproca e interesses comuns, contribuíram ou influenciaram nos entraves e/ou superações de demandas para a cooperação intermunicipal (ABRUCIO; SANO, 2013) e fortalecer o CORIPA.

Desta maneira, procurou-se somar a outros esforços que buscam a compreensão e avaliação de novos arranjos institucionais que visam superar os obstáculos à efetividade de políticas públicas, em especial, as ambientais em âmbito local e regional. A associação municipalista e, mais especificamente, as conexões ou laços de mutualidade entre atores em consórcios intermunicipais são ainda pouco abordadas nos estudos organizacionais brasileiros (ABRUCIO; FILIPPIN; DIEGUEZ, 2013). Em especial, neste trabalho, interessa avaliar o potencial da abordagem de laços em redes de forma exploratória, para identificar e analisar relações e variáveis que garantem a institucionalidade dos consorciamentos.

O artigo está dividido, além da introdução, em quatros momentos. Nos próximos, apresenta-se os fundamentos teóricos e os procedimentos metodológicos. Na exposição dos resultados, destacam-se o contexto da origem e as duas principais fases do arranjo, aprofundando, na última fase, a descrição e a análise dos laços fortes e fracos da rede social construída em torno do CORIPA e suas implicações para a cooperação intermunicipal e para as políticas ambientais.

 

2 POLÍTICA AMBIENTAL E COOPERAÇÃO INTERMUNICIPAL

Políticas ambientais tratam de um amplo número de questões relacionadas à preservação e conservação de condições naturais necessárias à perpetuação da vida em sociedade. Assim, elas expressam as ações governamentais que “[...] afetam ou tentam afetar a qualidade do ambiente ou a utilização de recursos naturais. Elas representam decisões coletivas da sociedade com relação à realização de determinados objetivos ambientais e às ferramentas específicas usadas para alcançá-los” (KRAFT, 2011, p. 39).

Desde dos anos 1960, as políticas ambientais disseminaram-se pelo mundo. No Brasil, após a Constituição de 1988, os municípios assumiram, sobretudo, as atribuições de gestão e planejamento do uso do território e de unidades de conservação, fiscalização ambiental e, após a Lei Complementar nº 140 de 2011, o licenciamento ambiental.

Ocorreu a crescente importância das municipalidades na gestão ambiental pública nos últimos 20 anos, constatada por Carlo (2006), Leme (2016), Borinelli, Guandalini e Baccaro (2017), ainda que de forma heterogênea em expressivos acréscimos no volume de recursos alocados e na expansão de estruturas ambientais municipais. Contudo, os municípios brasileiros, sobretudo os menores, enfrentam grandes obstáculos, notadamente, a falta de recursos financeiros, humanos, tecnológicos, informacionais e administrativos, e maior suscetibilidade aos legados de uma história política e institucional fortemente marcada por fenômenos privatistas, com as práticas autoritárias e concentradoras como o clientelismo, o coronelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo (CARLO, 2006; LEME, 2016). Daí o associativismo territorial, por meio da cooperação horizontal, entre os municípios, e da vertical, com outros níveis de governo, vem ganhando força como uma alternativa para o enfrentamento desses entraves.

A cooperação formal entre organizações, principalmente as públicas em âmbito local e regional, não é nova e é exercida em diversos países sob diferentes arranjos e temas (ABRUCIO; SANO, 2013). Mais recentemente, a cooperação intergovernamental local ganhou maior evidência em um contexto marcado por fenômenos como, por exemplo, maior participação de diversos atores sociais, ampliação de atribuições e pressões políticas sobre o Estado e processos de centralização-descentralização e/ou autonomia-dependência entre atores e organismos (FARIA; ROCHA; FILGUEIRAS, 2006).

A cooperação intermunicipal, na perspectiva de Abrucio, Filippin, Dieguez (2013), aqui também entendida como cooperação interorganizacional entre municípios, detém-se na necessidade e desafio de gerar mecanismos de coordenação e parcerias entre os níveis de governo em assuntos coletivos e de políticas públicas. O desafio é gerar formas de cooperação vertical e horizontal que produzam uma articulação intermunicipal mais duradoura e efetiva, as quais, muito embora não eliminem o conflito e competição entre os municípios, contribuam para reduzi-los (BALÃO, 2014).

A cooperação entre municípios pode ocorrer de diversas formas, como associações, federações de municípios e pelo consorciamento. Segundo Cruz (2002), o consórcio é o acordo firmado entre municípios à realização de objetivos de interesse comum dos participantes mediante a utilização de recursos financiados pelas partes que o compõem.

Experiências de cooperação intergovernamentais têm se multiplicado no Brasil após a Constituição Federal de 1988, e com elas novas necessidades para superar obstáculos recorrentes à ação municipal, como a baixa arrecadação de recursos, principalmente de municípios de pequeno porte, além de problemas comuns de alta complexidade que levam à soluções que considerem a cooperação em um território mais amplo, como é o caso dos problemas ambientais identificados no CORIPA (OLIVEIRA, 2003).

Entre os fatores favorecedores do consorciamento intermunicipal, em levantamento da literatura internacional, Abrucio e Sano (2013) destacam , a existência de uma identidade regional prévia que abarque um conjunto de municípios, a constituição de lideranças políticas regionais que são capazes, mesmo em contextos adversos, de produzir alianças intermunicipais, questões que envolvem “tragédias dos comuns”, isto é, problemas coletivos que atingem vários municípios, a lógica das políticas públicas, ou por pressão de regras sistêmicas e/ou de seus mecanismos de indução de instâncias estaduais e federais, apoio e indução do governo estadual e/ou federal, pactos políticos, ad hoc, entre prefeitos e governadores e a existência de marcos legais que tornem mais atrativa e estável a cooperação.

Diante de tantos desafios e dos diferentes contextos, interessa, no estudo das experiências de cooperação intermunicipal, não só compreender em que condições elas são formadas, mas também como podem alcançar formas de articulação que lhes deem perenidade (ABRUCIO; FILIPPIN; DIEGUEZ, 2013; BALÃO, 2014). De acordo com Abrucio, Filippin e Dieguez (2013, p. 1564), “A construção e a manutenção do consorciamento dependem da capacidade de combinar inovação institucional com inovação no conteúdo da política”.

Pensado como uma rede federativa, o consórcio pode ser entendido como instituições, políticas e práticas intergovernamentais que reforçam os laços entre os entes, preservando o pluralismo e a autonomia deles (ABRUCIO; SOARES, 2001). Desse modo, pode-se ler a criação e manutenção dos consórcios sob perspectiva da dinâmica das relações sociais entre atores (em rede) vinculados por laços. A premissa aqui é que a busca de soluções para problemas comuns por meio da produção compartilhada de políticas públicas implique novas relações que se desenvolvem ao longo do tempo em laços sociais de atores. Assim, entende-se que os consórcios intermunicipais que não estão em fase inicial (10 anos ou menos) desenvolvem relações ou rede social que estruturam a organização para além das fronteiras dos acordos formais, como é o caso do CORIPA.

Granovetter (1973, 1983, 1985) apresenta a rede social como um conjunto de nós, atores (pessoas ou organizações) ligados por relações sociais ou laços de tipos específicos. Um laço ou relação frequente entre dois atores tem força (forte ou fraco) e conteúdo (confiança ou oportunismo). Visto que as estruturas sociais formadas por redes de laços fracos e fortes contribuem para compreensão das dinâmicas territoriais, e, ao passo que o setor público tem condutas de poder ou padrões institucionais de natureza diferente, pode-se entender que esse ator pode ou não se apropriar dessas estruturas.

Expandindo a proposta de Granovetter, que se preocupou com o impacto dos laços e da imersão nos mercados, foi utilizado a compreensão dos laços e estruturas sociais ao nível intergovernamental, sem desconsiderar que as escolhas dos indivíduos em rede estão relacionadas às escolhas de outros indivíduos. As ações dentro de uma rede social, formando uma estrutura relacional, podem ser compreendidas pelos laços entre atores sociais e isso conduziu este estudo para esclarecer os vínculos e visualizar suas consequências, na cooperação intermunicipal, para a política ambiental local.

Na literatura existem diferentes abordagens e subcategorias de “redes de políticas públicas” destacadas por Carlsson (2000). Porém, elas não foram discutidas aqui, discutiu-se e focalizou-se na relação entre atores que foi denominada laço. Granovetter (1973) esclarece o laço forte ou o fraco, qualificando a força pela probabilidade linear da combinação da quantidade de tempo, da intensidade emocional, da intimidade (mútua confidencialidade) e os serviços recíprocos, caracterizados pela alta intercorrelação entre os nós que formam um laço, sem a perda de autonomia que cada um deles (nós ou atores) tem para uma decisão, ainda que esta tenha recebido influência ou coerção da estrutura social de sua rede.

Portanto, o que dá a qualidade de “laço forte” é a interação frequente, a confiança contraposta ao oportunismo (GRANOVETTER, 1985) e uma longa história, aquela que implica mudanças significativas entre as partes do relacionamento (GRANOVETTER, 1973). Os laços fracos denotam aqueles com baixa confidencialidade entre seus nós, não demandando muitas interações para serem mantidos. Além disso, Granovetter (1983) também argumenta que (dentro de toda a estrutura da rede) a densidade de uma subestrutura dentro da própria estrutura social da rede determina a força de seus laços, se é forte (malha mais densa) ou fraco (malha menos densa). Essa perspectiva é adotada por Jacaúna (2015) em seu estudo sobre política ambiental em rede em unidades de conservação. Em particular, na abordagem quantitativa, os estudos sociométricos, considerando Scott (2017), respondem às interações unidirecionais e bidirecionais entre atores e à densidade das redes. Para Burt (2000) e Scholz, Feiok e Ahn (2006), no caso de redes dispersas, os seus laços fracos parecem ser mais eficazes do que as redes fortes de projetos comuns de cooperação (centralizada), também apontando para os postulados de Granovetter (1973, 1983) de que as pontes ocorrem nos laços fracos. Portanto, a confiança é mais bem explicada pelo laço forte quando os atores compartilham informações mais relevantes, mas tais laços não auxiliam o todo da rede a se adaptar, se reconfigurar ou gerar novos fenômenos de forma responsiva diante de contextos que surgem de modo emergente, e isto retorna ao argumento da ‘fraqueza dos laços fortes’. Dessa forma, laços fortes e fracos deveriam constituir uma rede social, assumindo em cada momento e contexto específicos um significado e relevância para a cooperação.

Em suma, a cooperação intermunicipal, na grande variedade, especificidade e possibilidades de arranjos, dinâmicas e resultados dos modelos e redes de cooperação, remete à necessidade de estudos particulares como o do CORIPA para a fomentar um debate mais profícuo.

 

3 METODOLOGIA

O estudo tem caráter exploratório e sua abordagem é predominantemente qualitativa (COLLINS; HUSSEY, 2005). Para compreender as relações estabelecidas na rede e a força dos laços, partiu-se de três categorias apontadas por Granovetter (1973, 1983, 1985): temporalidade das relações, confiança e interesses comuns. A coleta de dados foi realizada por meio de observação, levantamento documental, sítios eletrônicos (websites) institucionais e representativos, e entrevistas, realizadas com roteiro semiestruturado. Foram realizadas 12 entrevistas presenciais e ‘in loco’ com ocupantes e ex-ocupantes de cargos-chave no CORIPA e nas secretarias municipais do meio ambiente dos municípios consorciados.

A estratégia adotada foi abordar as três categorias (citadas) que destacou a origem e a evolução histórica dos laços e da rede social do CORIPA. Para reconstruir a trajetória e o contexto das fases do consórcio, dando ênfase à descrição da natureza das relações na fase de fortalecimento do consórcio, recorreu-se a um conjunto de dados primários e secundários sobre a estrutura administrativa, recursos, leis, indicadores de políticas ambientais e resultados, especialmente em programas, ações e áreas protegidas. O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) forneceu os valores do Imposto sobre Circulação de Mercadorias Ecológico (ICMS-E) e das Áreas de Proteção Ambiental (APAs), enquanto que da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e do IBGE, em dados do MUNIC, foram extraídos, respectivamente, os dados sobre os gastos ambientais e informações sobre a estrutura política ambiental municipal. Os valores orçamentários e do ICMS-E foram atualizados pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI) em valores de dezembro de 2013. Outras informações dos municípios e do consórcio foram retiradas das entrevistas, documentos oficiais e trabalhos acadêmicos.

Para a representação dos laços fortes e fracos, bem como da estrutura da rede social do CORIPA, recorreu-se complementarmente ao tratamento quantitativo de dados qualitativos, sobretudo daqueles extraídos de entrevistas que trataram da fase de fortalecimento do consórcio.

O uso da sociometria, conforme Scott (2017), permitiu a apuração da frequência, tipo de interação entre atores - se unidirecional ou bidirecional-, e a densidade da rede chegando à estrutura social dos 31 atores identificados, a partir de ‘análise de centro e periferia’ em valoração de intensidade de laços, a qual resultou no desenho da rede estruturada (sociograma), processados pelo software UCINET 6.109 e NodeXL 1.0.1. A escolha de analisar a densidade e a centralidade (comentada mais adiante) foi uma escolha simples e de conveniência para auxiliar na verificação de formas de ação política (poder).

As menções e ações entre atores bidirecionais formaram o modo de extração das entrevistas que foram gravadas e seu conteúdo analisado de forma semântica; a partir disso, tal conteúdo foi convertido, recebendo valoração de intensidade, utilizando-se, no processo, da técnica adaptada do método de Mudge (Csillag, 1995); isto resultou na distinção da intensidade dos laços. Todo este procedimento se classifica numa aplicação “mix quali-quanti” de comparação “par a par”.

Em termos analíticos foram aplicadas técnicas de análise de centro e periferia, análise de ilhas, e a análise da confiança foi adicionada a medida de centralidade dos atores por indicadores degree (in-out) da sociometria. O estudo não teve como objetivo aprofundar o potencial da análise sociométrica da rede, mas demonstrar e dar mais precisão aos achados relacionados aos objetivos do trabalho.

Para a análise dos dados qualitativos e quantitativos usamos a análise de conteúdo e a triangulação. Os resultados foram apresentados, em maior parte das análises, sem privilegiar apresentações mais detalhadas de dados quantitativos devido ao limite de texto que se faz regra para este periódico, e principalmente porque as técnicas de Sociometria não implicaram a principal sustentação, mas de complementação nas análises. Portanto, estão apresentados em sequência histórica de forma a enfatizar a trajetória, a temporalidade na relação entre os atores e as fases do CORIPA.

 

4 RESULTADOS

Neste tópico, evidenciam-se eventos relevantes da origem e dos primeiros anos do CORIPA a fim de ilustrar a primeira crise do consorciamento diante de alguns entraves à cooperação intermunicipal. Em seguida, recorreu-se à demonstração da configuração da rede social do CORIPA em laços forte e fracos e indicadores sociométricos, e, apontou-se como esses entraves foram superados, culminando na reestruturação e no fortalecimento do CORIPA e das políticas ambientais. Ao longo da exposição, está relacionada a força dos laços em rede, lidos a partir da temporalidade, confiança mútua e interesses comuns entre atores, com fatores que favoreceram a cooperação intermunicipal.

4.1 APAs e o CORIPA como Alternativas aos Conflitos Socioambientais: Da Origem ao “Apagão”

Embora relativamente heterogêneos, os municípios integrantes do CORIPA guardam certas similaridades. Vizinhos, eles estão localizados na mesorregião Noroeste do estado do Paraná, na microrregião de Umuarama. De modo geral, os municípios consorciados são de pequeno porte; ainda assim têm expressivas variações em suas populações: Guaíra (30.669), Altônia (20.516) e Terra Roxa (16.763) são as mais populosas, seguidos respectivamente por Icaraíma (8.839), São Jorge do Patrocínio (6.047), Xambrê (6.011), Alto Paraíso (3.206) e Esperança Nova (1.970) (IBGE, 2013). Com exceção de Guaíra, turismo e comércio, todos os demais municípios têm como principal atividade econômica a agricultura e pecuária. Segundo dados do Índice de Desempenho Municipal do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES, 2010), na dimensão renda, os municípios do CORIPA apresentam desempenho médio baixo e baixo. Em 2010, todos os municípios tinham Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) abaixo do IDHM do Paraná, de 0,749, e apresentaram PIB per capita inferior ao do estado. Os municípios de Xambrê, Altônia, Guaíra e São Jorge do Patrocínio, respectivamente, estavam entre os cinco menores PIBs per capita da microrregião de Umuarama em 2010 (IBGE, 2018).

O rio Paraná percorre 4.695 km, é o quarto maior do mundo e forma uma das principais bacias hidrográficas do Brasil. No alto do rio Paraná encontra-se um complexo fluvial de aproximadamente 157 ilhas, a maior das quais é Ilha Grande, localizado na divisa do Estado do Paraná com o Mato Grosso do Sul e Paraguai. Esse ambiente proporciona abrigo e conservação a uma grande variedade de espécies da fauna e flora, formando um grande corredor biológico. Antes pertencente ao extinto Parque Nacional de Sete Quedas (1961), o ecossistema foi, após a inundação promovida pela Usina Hidrelétrica de Itaipu, terreno de várias mudanças, ações degradadoras e conflitos socioambientais decorrentes de atividades como o extrativismo de plantas nativas, agricultura e atividade pecuária, extração de areia, desmatamento e caça e pesca ilegais (SILVA; 2006).

No início da década de 1990 houve grande mobilização da população, mídia e organizações públicas e privadas para proteger o arquipélago de Ilha Grande, sensibilizadas pela perda da bela paisagem do salto das Sete Quedas, pelas mudanças nos processos biológicos na região depois do alagamento, da ocupação desordenada do arquipélago que se seguiu e por ser aquele trecho do rio Paraná o único livre de barragens. Tal mobilização resultou em diversas Ações Civis Públicas movidas pelo Ministério Público Estadual (MP) contra os municípios e os criadores de gado que ocupavam as ilhas irregularmente (SILVA, 2006).

Após intenso trabalho do Ministério Público (MP) e do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e outras instituições, a solução acordada, em 1993, com os prefeitos de Altônia, São Jorge do Patrocínio e Vila Alta (hoje Alto Paraíso), cujos territórios compreendem a Ilha Grande, foi a criação de unidades de conservação que abrangiam uma área contínua e contígua ao arquipélago de Ilha Grande (Figura 1). Para viabilizar o acordo da criação das APAs municipais, foi decisivo o então recém instituído ICMS-E, pioneiro no país, e um tipo de royalties ambientais criado pelo governo estadual em 1991. Altônia, São Jorge do Patrocínio e Vila Alta, em 1994, e Icaraíma, em 1995, criaram APAs municipais totalizando uma área 90.800 hectares. O esforço da cooperação para a conservação da região culminou na criação, em 1994, da Estação Ecológica Estadual de Ilha Grande e, em 1997, do PNIG e da APA federal das Ilhas e Várzeas do rio Paraná (OLIVEIRA, 2003).

Atraídos pela nova fonte de recursos (SILVA, 2006) e recorrendo ao associativismo territorial para a implantação das APAs, em abril de 1995, os municípios de Altônia, Alto Paraíso e São Jorge do Patrocínio criaram o CORIPA, um consórcio público de direito público. Em seguida, municípios vizinhos juntaram-se a eles: Icaraíma (1995), Guaíra (2000), Terra Roxa (2001), Xambrê e Esperança Nova (2005). Em 2014, Xambrê desligou-se do consórcio. A Figura 1 apresenta os municípios consorciados ao CORIPA e o Parque Nacional de Ilha Grande em 2014.

O CORIPA foi criado com o objetivo de prestar serviços técnicos e de gestão de meio ambiente, a fim de promover o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental, a educação ambiental e o turismo dos entes consorciados (CORIPA, 2019). Os primeiros anos do consórcio e das APAs foram de trabalho bastante intenso e cooperativo, sobretudo para atender os requisitos formais de regularização das áreas e receber as compensações do ICMS-E. Além das leis criando as APAs municipais, foi elaborado o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) das APAs de Ilha Grande em 2001. Em 1997, o CORIPA passou a participar da gestão do PNIG junto com o IBAMA (atual Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio). A constituição do CORIPA incentivou a montagem das primeiras estruturas municipais da política ambiental (secretarias, conselhos, fundos e legislações) entre 1997 e 1998, período do primeiro repasse de ICMS-E para Altônia, Alto Paraíso, São Jorge do Patrocínio e Terra Roxa.

 

Figura 1 - Mapa Parque Nacional de Ilha Grande e Municípios consorciados ao CORIPA

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Fonte: elaborado pelos autores com base em ICMBIO (2019).

Embora o consórcio, ou pelo menos a força da sua existência simbólica, tivesse um papel de integrador regional de esforços e “interesses comuns”, ainda existiam diversos problemas em 2002. Nenhum dos municípios havia apresentado a normatização do zoneamento das suas APAs. Era elevado o número de conflitos socioambientais decorrentes de atividades de caça, pesca, extração de argila e de areia, turismo predatório no domínio das APAs, em parte resultantes da fraca fiscalização e da não regularização fundiária das áreas. Não havia clareza das funções de cada instituição envolvida no processo de governança, comprometendo o desempenho ambiental local e regional (OLIVEIRA, 2003).

Alcançado o objetivo de elaboração do ZEE, houve uma desarticulação dos atores e o início de uma fase que denominamos de “apagão” (2002-2007). Nessa fase, a condução do consórcio mudava de acordo com o prefeito que o sediava. O uso indevido de material, de equipamento, o extravio de documentos e a ingerência dos prefeitos no projeto geraram instabilidade, descontinuidade e a perda de confiança no consórcio. A rotatividade da sede somava-se à rotatividade de prefeitos de diferentes partidos, o que aumentava consideravelmente os obstáculos. Além disso, a efetiva implantação do CORIPA, ou colocação em prática do ZEE, implicava ter que confrontar os interesses e a resistência de formas econômicas e sociais com repercussões e custos econômicos e político-eleitorais. Entre 1997 e 2002, os municípios consorciados receberam mais de 18 milhões de reais de repasses do ICMS-E (IAP, 2017). Contudo, em segundo plano, a gestão cooperativa das áreas pouco avançou e até retrocedeu.

Na fase do “apagão” a cooperação entre os municípios, demais órgãos e o CORIPA enfraqueceu-se possivelmente, pela baixa confiança e intensidade dos vínculos e a não identificação de interesses recíprocos (GRANOVETTER, 1973), sobretudo entre os municípios integrantes do consórcio. Atenuadas as ações de indução externas, principalmente do MP e do IAP, depois do ano de 2002, o consórcio desarticulou-se. A mudança de governos municipais de 2000 contribuiu para a perda da sua ainda frágil identidade. Com a autarquização excessiva dos municípios, o CORIPA foi engolfado pelos padrões políticos tradicionais e de uso do território local e regional.

 

4.2 Reestruturação, Fortalecimento e Ampliação da Rede CORIPA

A reestruturação do CORIPA, iniciada por volta do ano de 2007, nova fase que resultou no atual formato do consórcio, contou com diversas mudanças na estrutura e nos objetivos da organização, bem como na estrutura da sua rede social e laços. Contribuíram para essas mudanças diversos fatores, a própria letargia da organização, percebida como ociosa, o exemplo de outros consórcios mais efetivos, como o Consórcio Intermunicipal no Noroeste do Paraná (COMAFEM), e a possibilidade de aumentar a arrecadação de ICMS-E, melhorando a avaliação e ampliando as APAs. Além disso, as mudanças no marco legal, como as trazidas pela Lei federal nº 9.985 de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, e a Lei nº 11.107 de 2005 sobre consórcios públicos, exigiam e incentivavam uma atuação mais efetiva do CORIPA na condução das APAs e do PNIG.

Politicamente, os prefeitos dos municípios mais afetados pelas APAs, empossados em 2005, articularam-se, com a intermediação do IAP, para negociar com o PNIG um aumento de repasses de ICMS-E a fim de financiar a reestruturação do CORIPA. Esse evento também contou com a formação de um núcleo técnico-político responsável pela criação de uma burocracia profissional formado por ex-dirigentes do CORIPA e secretários de meio ambiente dos municípios consorciados. A partir de 2007, o CORIPA começou a se estruturar administrativamente com a contratação de pessoal e, no ano de 2010 ganhou uma sede própria fixa no município de São Jorge do Patrocínio. Com uma burocracia mais profissionalizada, houve um aumento significativo da prestação de serviços do CORIPA: assessorias para elaboração planos de arborização, de recursos hídricos e de resíduos sólidos, apoio à regularização fundiária e ao desenvolvimento de atividades econômicas de turismo. Uma parte dessas novas ações ocorreu por meio convênios, a exemplo do ICMBio, Itaipu e Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Contudo, na relação com os municípios, as atividades mais importantes e contínuas foram o monitoramento e o investimento nos itens avaliados na Tábua de Avaliação do ICMS-E aplicada pelo IAP para definir os valores a serem repassados aos municípios. A tábua considerava quatro grupos de indicadores: planejamento e gestão, meio natural e socioeconômico, recursos organizacionais e uso público, científico e para educação ambiental (IAP, 2017). Os novos serviços ofertados pelo CORIPA demonstravam a sua capacidade de fornecer respostas e instrumentos técnicos capazes de solucionar problemas das cidades consorciadas a custos menores (ABRUCIO; FILIPPIN; DIEGUEZ, 2013).

A reestruturação do CORIPA foi sustentada por um padrão de rede e de laços, principalmente, liderada nesse primeiro momento por vínculos mais fortes de cooperação horizontal e, diferente da primeira fase, internas ao consórcio. A rede (Figura 2), configurada no pós-crise, é resultante de entrevistas com os atores num corte transversal em 2013. Os atores destacados em cor vermelha são denominados nós dos laços fortes, por sua vez, representados nas linhas em com verde. As linhas em cor preta representam os laços fracos.

 

Figura 2 - Estrutura da Rede do CORIPA

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Fonte: os próprios autores

Em relação à fase inicial do CORIPA, na fase de seu fortalecimento ocorreu uma ampliação do número e da diversidade de atores da rede de relações: além dos municípios consorciados, instituições de ensino e de pesquisa públicas e privadas (UNIPAR, UNIOESTE, UEM, UFPR, Green Farm, NUPÉLIA/UEM, Agência Nacional das Águas, Usinas Itaipu e Santa Terezinha, ICMBio, Ministério do Meio Ambiente), (Secretaria do Meio Ambiente [SEMA], IAP, EMATER) e regionais (CIBAX, COMAFEN, Rede de Turismo Regional [RETUR]) e outros municípios (Pérola, Umuarama).

Os atores proeminentes na rede formaram uma estrutura de densidade sociométrica de 0,2586 dentro de toda rede valorada - um resultado que levou à conclusão de alta significância (SCOTT, 2017), e permitiu afirmar que é rede, sem, entretanto, ser um resultado que estime o poder dos laços fortes, adicionada à persistência de ações recíprocas durante essa fase. Entre eles se observa o CORIPA e o IAP, o ICMBio e o COMAFEM, os dois primeiros presentes desde a criação do consórcio e que ganharam força com os vínculos orgânicos de recursos e de compartilhamento da gestão das APAs e do PNIG. O IAP esteve presente desde a criação do consórcio, avaliando e fiscalizando a qualidade das APAs segundo os critérios do ICMS-E e mediando as relações entre os municípios.

Além de compartilharem a gestão do PNIG desde 1997, o ICMBio desenvolveu, em 2012, o Projeto “RIO + LIMPO” com o objetivo diminuir a quantidade de lixo nas ilhas do PNIG, que conta com a colaboração de toda sociedade. A atuação contínua do ICMBio e principalmente do IAP, como avaliador do ICMS-E, ilustram a importância de incentivos exógenos à cooperação intergovernamental. Por meio do IAP, diante da relevância econômica do ICMS-E para uma parcela dos municípios consorciados, pode-se atribuir ao governo estadual o “nível de governo polo” dessa experiência (ABRUCIO; SANO, 2013).

O fortalecimento do CORIPA contou com apoio e a experiência de outro consórcio, o COMAFEN, que, embora mais novo, nasceu mais estruturado administrativamente, prestava diversos serviços de caráter ambiental aos municípios e tinha maior independência em relação às prefeituras. Com a sua própria rede (Figura 2), o COMAFEM ilustra a importância das “pontes” (SCOTT, 2017), pois “recursos ou capitais processuais” de gestão ou políticos de uma rede fluíram para outra. A relação entre os dois consórcios ilustra a relevância das “pontes” destacado por laços fracos de Granovetter (1973, 1983) na resolução de problemas de ação coletiva também visto em Burt (2000).

Os atores com maior volume em laços fortes na rede foram o IAP, CORIPA, São Jorge de Patrocínio, ICMBio e Alto Paraíso, com interações unidirecionais. Quanto às intensidades de relações bidirecionais de interações entre atores, os mais intensos foram do IAP, CORIPA, São Jorge do Patrocínio e ICMBio, significando maior força. Esses laços pareceram gerarem um campo próprio de conflito favorecendo uma coesão local, que nesta retomada fásica contribuíram, em curto espaço de tempo, por mais consistência para que a rede não acabasse, se mantivesse e expandisse. Isto ficou evidenciado porque as pessoas representantes dessas organizações, por terem interesses e informações mais semelhantes, deram mais coesão às ações e à tomada de decisão, forjando capacidade para sustentar a inovação institucional representada pelo CORIPA. Por outro lado, deve-se destacar que esses resultados, mostraram que os laços fortes podem ser fonte de conflitos ao longo do tempo, de décadas de uma rede.

Os laços fracos ocorreram com instituições de ensino e pesquisa dos municípios de Umuarama e Pérola, e alguns órgãos governamentais, como EMATER, Ministério do Meio Ambiente, SEMA, Defesa Civil, Agência Nacional das Águas e RETUR. Um exemplo de laço fraco foi o convênio de cooperação entre o CORIPA e a Usina de Itaipu para a Readequação de Bacias Hidrográficas por meio do repasse de recursos financeiros e informações. A qualidade de independência e liberdade de atores heterogêneos dentro da rede é necessária para a cooperação intermunicipal (BALÃO, 2014) e a governança na rede. Laços fracos deram mais eficácia, ao conectar os fortes com as informações e recursos materiais e simbólicos (conhecimento, informações, legitimação) oriundos das organizações heterogêneas desse ambiente. Esse ponto é fundamental para sublinhar a contribuição de laços fortes e fracos para a cooperação intergovernamental. Ao mesmo tempo em que o primeiro mantém a coesão local como uma espécie de hierarquia, o segundo o oxigena, intercambiando recursos com o ambiente externo, recursos esses essenciais para promover a inovação dos conteúdos das políticas (ABRUCIO; FILIPPIN; DIEGUEZ, 2013).

A confiança encontrada em laços constituídos (GRANOVETTER, 1985) nesta fase, particularmente devido a ações práticas como o monitoramento da tábua de avaliação do ICMS-E, evidenciaram e consolidaram a confluência de interesses entre os entes consorciados (ABRUCIO; SANO, 2013), apesar de serem potenciais concorrentes aos recursos do imposto. Na centralidade como resultado complementar, destacam-se os municípios de Altônia, Alto Paraíso, São Jorge do Patrocínio, ICMBio e IAP. Nas análises qualitativas esses atores se destacaram nas relações de poder, quer seja pelo acesso a mais informações, representatividade/liderança ou prestígio em relação aos demais atores. Tal resultado parece ser contraditório para a teoria de laços fortes e fracos, mas isto pode ser explicado por ser este um estudo exploratório e a rede em sua configuração principiante. Os atores centrais possuíram, mesmo em episódios de crise, o poder de manter a rede conectada (JACAÚNA, 2015).

Na apuração da centralidade, com a matriz das relações montada a partir das entrevistas, foram calculados os valores de “degree” (centralidade) conforme Scott (2017). Excetuando o nó CORIPA, verificou-se os “indegree” (indicador de prestígio) mais altos (acima de 15.00), respectivamente, São Jorge do Patrocínio, Alto Paraíso, Altônia, Terra Roxa e IAP. Quer dizer que esses são os nós mais relevantes, por onde chegam as relações. No resultado “outdegree”, nós que mais direcionam laços para os demais, tem-se Alto Paraíso, São Jorge do Patrocínio, Altônia e o IAP. Importa-se lembrar que outros indicadores de centralidade não fizeram parte deste estudo, por ser exploratório e não ter maior preocupação com robustez quantitativa – sendo isto compensado pelo método ‘mix quali-quanti’, devendo ser proposto para outro estudo de característica quantitativa parametrizada.

Especificamente entre esses municípios, fundadores do CORIPA, a confiança recíproca e a centralidade deles na rede alicerçou-se em relações interpessoais de um núcleo técnico-político formado por pessoas que, em várias ocasiões, revezaram-se em cargos das secretarias municipais de meio ambiente e do CORIPA. Por exemplo, a encarregada de gestão e planejamento do CORIPA no momento da pesquisa já havia sido secretária de Altônia. O secretário de Alto Paraíso havia participado da criação do consórcio e sempre foi um entusiasta do CORIPA (CORIPA, 2014). O ex-secretário executivo do CORIPA havia sido secretário de São Jorge do Patrocínio e a atual secretária deste município já trabalhara como bióloga do consórcio. Assim, os representantes desses três municípios e o IAP podem ser vistos como empreendedores de políticas territoriais (ABRUCIO; SANO, 2013).

Os interesses mútuos entre alguns municípios ficaram mais evidentes nas diferenças econômicas indicadas pelo grau de dependência em relação aos recursos do ICMS-E. Os municípios com maiores proporções de território comprometido com APAs - São Jorge do Patrocínio (71%), Alto Paraíso (47%), Altônia (34%), Icaraíma (24%), Guaíra (10%), e Terra Roxa (7%) - também são aqueles que recebem as maiores cotas do imposto (IAP, 2017). Enquanto a participação média desses recursos na receita total dos municípios foi de 6% entre 2002 e 2013, os resultados mais expressivos são de Alto Paraíso (23%) e São Jorge do Patrocínio (24%) (IAP, 2017). Além disso, os recursos do ICMS-E não são suficientes para cobrir os gastos ambientais de Guaíra e Terra Roxa, enquanto Alto Paraíso, São Jorge do Patrocínio e Icaraíma, os menores municípios, comprometeram menos de um quarto desses recursos com o setor ambiental (IAP, 2017; STN, 2013). O maior grau de liberação de recursos para outras políticas públicas, se, por um lado, pode restringir o seu uso em projetos ambientais, por outro amplia a dependência e a mobilização de atores locais nas articulações à manutenção e ampliação dessa fonte de recursos de livre uso das prefeituras. Logo, os municípios que contribuem mais também são os que mais se beneficiam da existência e efetividade do consórcio; daí serem esses municípios os que mais mantinham laços fortes entre si e maior centralidade na rede do consórcio.

Uma análise preliminar dos impactos da atuação do CORIPA nas políticas ambientais locais aponta para evidências de avanços globais, mas também de disparidades quanto ao fortalecimento da preservação ambiental e das políticas ambientais municipais. O total de áreas preservadas cresceu 161% entre 1997 e 2013, de 47.757,85 hectares para 124.793 hectares, contabilizando mais de 30% dos territórios dos municípios consorciados como área de preservação (IAP, 2017). Como esperado, a participação do consórcio no bolo do ICMS-E estadual quase dobrou, de 7,5% para 14%, passando de 4,1 para 14,7 milhões de reais (IAP, 2017). Os gastos em gestão ambiental dos municípios consorciados aumentaram 75% entre 2002 e 2013 (STN, 2013).

Contudo, os municípios consorciados apresentam expressivas diferenças nos gastos e na estrutura ambiental. São Jorge do Patrocínio (3,4%), Alto Paraíso (2,4%) e Altônia (1,5%) são os municípios que mais comprometeram recursos orçamentários com gestão ambiental. Isso se reflete na estrutura de gestão ambiental municipal: os avanços foram bastante diferenciados e modestos, como mostram os dados registrados no Relatório do MUNIC/IBGE de 2004 e 2013 (IBGE, 2004, 2013). Em uma avaliação geral, inclusive considerando número de funcionários atuando na área ambiental, as estruturas mais completas no final do período eram as dos municípios de Altônia, Alto Paraíso e São Jorge do Patrocínio.

Novas pesquisas serão necessárias para compreender melhor a natureza das relações e impactos recíprocos entre a atuação do CORIPA e as políticas ambientais locais. De qualquer forma, parece possível afirmar que o consórcio conquistou grande notoriedade e confiança regional e estadual, tornando-se um ator relevante na definição, embora com variada influência entre os municípios, das políticas econômica, ambiental e de conservação locais. Desse modo, é possível afirmar que o CORIPA, nessa última fase, conquistou um sentido de identidade territorial (ABRUCIO; SANO, 2013).

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após um início errático e o esvaziamento, revelando o baixo interesse dos municípios, a pressão social e de organizações estaduais e federais e o papel central do recebimento do ICMS-E na origem do projeto, o CORIPA entra em uma fase de reestruturação e fortalecimento, liderada, principalmente, por três municípios consorciados. Desde o início, mas sobretudo após a segunda fase, a organização CORIPA foi fundamental para a criação, ampliação e legitimação das áreas preservadas. A sua rede foi constatada neste trabalho, e mais, a formação dela permitiu a captação de novos recursos para os municípios, ampliando os serviços prestados para as suas políticas ambientais. Contudo, recursos e estruturas das políticas ambientais, sob diferentes níveis de engajamento, variaram entre os municípios, sugerindo que o nível e a intensidade da cooperação dependem de um entrelaçamento de condições e interesses econômicos, geográficos e políticos dos atores.

Embora com efeitos e participação diferenciais, o CORIPA tornou-se um instrumento estratégico para as políticas ambientais locais como espaço de poder relativamente autônomo para contrabalançar e reduzir o impacto de forças refratárias ao controle ambiental, a falta de recursos, entraves de coordenação interfederativas e mudanças político-administrativas. A experiência também confirmou o papel crucial, para o consorciamento, de incentivos externos de atores e recursos, como é o caso mais evidente do IAP/ICMS-E e do ICMBio, o que ilustra o caráter crítico da cooperação vertical para o fomento, promoção e monitoramento da cooperação e integração de políticas ambientais.

A abordagem na lente das relações do CORIPA com seus atores em redes vem renovar as teorias de cooperação intermunicipal, pois possibilitou compreender a experiência como um conjunto de interações em diferentes contextos, enfatizando a estrutura social nos laços fortes e fracos e a importância de distintivos atores que extrapolam o âmbito formal do consórcio. Ficou demonstrado que a densidade dos laços fortes foi suficiente para convalidar a existência da rede, mas são necessários outros indicadores se a intenção for uma análise de mais inferência. Em vista da proposta experimental de um estudo de característica metodológica “mix quali-quanti”, os dados qualitativos foram priorizados para análise, com a importante influência dos das relações ocorridas dentro dos laços fortes para maior estabilidade da rede e à tomada de decisão do novo arranjo; os laços fracos são indispensáveis para promover a inovação do conteúdo da política ambiental. Além daqueles apontados pela literatura, fatores econômicos, ambientais e geográficos, sobretudo em casos de preservação ambiental, podem contribuir significativamente para compreender as articulações que dão forma a uma rede em laços e a sustentam. Além disso, a rede CORIPA e suas características de território, tempo e intencionalidade ampliam o entendimento do processo social em organizações econômicas e políticas. Essa perspectiva também complementa o campo teórico-empírico das redes porque deixa o comum dos estudos brasileiros “de mercado”, ao expandir-se para as intersecções de economia plural dos setores público, privado e do terceiro setor.

Apesar dos avanços, persistem problemas relacionados à regularização fundiária, aos conflitos socioambientais nas áreas protegidas e à fragilidade orçamentária e de estrutura da política ambiental de alguns municípios. Experiências como a do CORIPA abrem um leque amplo para novas pesquisas, dado o seu caráter relativamente recente, complexo e inédito. Também, sugere-se investigar como vem acontecendo a participação e o controle social do CORIPA, ou ainda, o seu capital social, dado tratar-se de um arranjo formado quase exclusivamente por entidades governamentais. Outro tema interessante é a relação entre o CORIPA e os municípios e suas políticas ambientais, especificamente, os conflitos e usos diferenciais dos serviços, os impactos das ações do CORIPA nas políticas ambientais locais e se essas ações não reforçam a tradição formalista e simbólica das políticas ambientais.

Nesta organização propriamente não se pode concluir que o CORIPA é um fenômeno estável de cooperação intermunicipal - no argumento que redes devem ser consideradas em várias décadas, porque ainda está em suas fases iniciais, é preciso mais tempo e acompanhamento. Adicionalmente, parece haver ‘buracos estruturais’ que precisam de investigação. Por outro lado, pontualmente e na atual fase pode se observar um crescimento em cooperação, tendo em vista que há um vasto conjunto de fenômenos que vai além de fatores que facilitam e obstruem a formação e consolidação de consórcios. A abordagem de laços sociais, embora não suficiente, acrescenta uma relevante contribuição para uma melhor compreensão de experiências desse gênero e para orientar mudanças que tornem o associativismo territorial mais disseminado como resposta mais racional e democrática a grandes desafios nacionais, como aqueles representados pelas questões ambientais.

 

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