Artigo 4

A mediação como método de resolução de conflitos em empresas familiares: relato de uma intervenção em uma pequena empresa industrial

 

Mediation as a method of conflict resolution in family businesses: a report from

intervention in a small industrial company

 

Bruno Barbosa Machado1, Henrique Geraldo Rodrigues2 e Márcia Freire de Oliveira3

 

1 Universidade Federal de Uberlândia, Brasil, Bacharel em Administração, e-mail: bruno.barbosaa@hotmail.com

2 Universidade Federal de Uberlândia, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: henrique@ufu.br

3 Universidade Federal de Uberlândia, Brasil, Doutorado em Engenharia de Produção, e-mail: marciafreire@ufu.br

 

Recebido em: 02/07/2020 - Revisado em: 19/12/2020 - Aprovado em: 16/04/2021 - Disponível em: 01/07/2021

Resumo

Neste relato técnico, aborda-se a situação-problema representada pelo contexto de recorrentes conflitos interpessoais entre três sócios de uma empresa familiar, em que se objetivou relatar o processo de mediação de conflitos realizado em uma pequena empresa industrial familiar, com a finalidade de identificar, compreender e delinear ações para reduzir as situações de conflito entre os sócios. Os resultados mostram que o método da mediação se mostrou pertinente como abordagem à situação-problema, gerando, como benefícios, o estabelecimento de uma dinâmica de diálogo entre os sócios e o compartilhamento de esforços destes na geração de um plano de ações para reduzir a ocorrência das situações de conflito. Como contribuição prática, o relato oferece informações úteis a gestores de empresas familiares que estejam buscando formas de lidar com os desafios inerentes à interação entre os membros da família, especialmente, naquelas em que conflitos familiares mostram-se frequentes ou com potencial de geração de danos muito alto.

Palavras-chave: empresa familiar; conflitos familiares; mediação; pequena empresa.

 

 

Abstract

This technical report, approaches a problem-situation represented in the context of recurring interpersonal conflict between three partners in a family company. The objective herein was to report on the mediation process concerning conflicts that occurred in a small industrial family company. The desired outcome was to identify, understand and delimit actions to reduce conflict situations among partners. The results show that the mediation methodology was pertinent as an approach to a problem-situation, as it generated benefits, such as the establishment of dynamic dialogue between partners, while sharing the effort of such in the generation of a plan of action for reducing the occurrence of conflict situations. As a practical contribution, the report offers useful information to family business managers that are seeking ways to deal with the inherent challenges found in the interaction between members of the family. This is specifically true for those businesses in which family conflicts are a frequent occurrence or have a very high damage generation potential.

Keywords: family companies; business-family conflicts; mediation; small business.

 

1 INTRODUÇÃO

As empresas familiares podem ser definidas como aquelas em que dois ou mais membros de uma família detêm a propriedade e/ou exercem a gestão da organização, e o fundador é também membro dessa família (CHUA; CHRISMAN; SHARMA, 1999; LONGENECKER; MOORE; PETTY, 1997). Diversos aspectos distintivos da empresa familiar são apontados na literatura, em especial, a interação de pessoas de diferentes gerações ou um pequeno número de famílias, com o propósito de propiciar a sucessão hereditária na condução dos negócios e a perenidade destes pelas gerações futuras (CHUA; CHRISMAN; SHARMA, 1999; DONNELEY, 1967; LODI, 1998; ZELLWEGER; NASON; NORDQVIST, 2011).

Não obstante o reconhecimento da existência de vantagens nas organizações familiares, como o sentimento de lealdade e comprometimento com o negócio (KETS DE VRIES, 1993) e o compartilhamento de crenças e valores (LONGENECKER; MOORE; PETTY, 1997), os conflitos familiares em relação a fatores como planejamento, liderança, gerenciamento e sucessão são apontados como um dos principais elementos negativos, comumente, presentes no ambiente organizacional de tais empresas (POUTZIOURIS, 2003).

A forte associação da dimensão empresarial com a familiar, impactada pela inter-relação das tomadas de decisão familiares e profissionais, e pelas características das relações afetivas entre os membros da família, podem intensificar o surgimento de conflitos interpessoais que tendem a criar obstáculos, não apenas, ao processo de gerenciamento do negócio, mas, também à sua perenidade (BORNHOLDT, 2005; BRITO; SILVA; MUNIZ, 2010; DREHER; TOMIO, 2004; PEISER; WOOTEN, 1983).

A mediação é uma forma de lidar-se, de maneira pacífica e produtiva, com situações de conflitos interpessoais, nas empresas familiares (BARRETO; BARRETO, 2014; CÉZAR-FERREIRA, 2004; MOORE, 1998; MOREIRA, 2011). O processo de mediação envolve a intervenção por um terceiro imparcial que atua como facilitador da resolução dos conflitos, pela indução de entendimentos e acordos entre os envolvidos (KOVACH; LOVE, 2004) e se mostra particularmente adequada aos contextos em que os membros da família atribuem importância ao relacionamento, ou não podem renunciar ao convívio com aqueles envolvidos no conflito.

Pelo exposto, neste relato técnico aborda-se a situação-problema representada pelo contexto de recorrentes conflitos interpessoais entre três sócios de uma empresa familiar, membro de uma mesma família. Teve-se por objetivo relatar o processo de mediação de conflitos realizado em uma pequena empresa industrial familiar, com a finalidade de identificar, compreender e delinear ações para reduzir as situações de conflito entre os sócios. A estratégia de pesquisa baseou-se na investigação-ação (TRIPP, 2005), uma vez que tanto a intervenção feita na organização pesquisada quanto a coleta dos dados foram conduzidas pelo primeiro autor deste artigo. Os dados foram coletados por meio de observação participante (GODOY, 1995), durante os meses de setembro e outubro de 2018. Por fim, salienta-se que foram atribuídos nome fictícios aos sujeitos da pesquisa e à organização estudada.

Os resultados oriundos de um processo de mediação bem-sucedido podem abranger, além da celeridade e consistência técnica proporcionadas pela técnica, benefícios como a preservação ou restauração da relação afetiva, social e/ou negocial entre os agentes do conflito e, tão relevante quanto as demais, a incidência de custos econômicos e emocionais mais baixos do que quando o enfrentamento do conflito ocorre nos âmbitos da arbitragem e judicial (CÉZAR-FERREIRA, 2004).

Na sequência, o trabalho está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, faz-se uma breve contextualização da realidade organizacional investigada; na sequência, é apresentado o diagnóstico da situação-problema; então, são feitas a análise da situação-problema e a proposta de intervenção, seguidas pelas considerações finais.

 

2 CONTEXTO E A REALIDADE INVESTIGADA

O desenvolvimento das empresas familiares tende a ser impactado pela inter-relação entre as políticas e estratégias organizacionais, e os objetivos e interesses dos membros da família, em que a sucessão geracional na propriedade e na gestão apresenta-se como um elemento marcante (DONNELLEY, 1967). Como mostra Leone (2005), a gestão da empresa familiar é orientada por três vertentes: a vertente propriedade, pela qual o comando do negócio fica a cargo da família, detentora e controladora do capital; a vertente gestão, em que os membros da família devem ocupar os cargos mais estratégicos; e a vertente sucessão, em que a segunda e subsequentes gerações ocupam os cargos mais altos, anteriormente, ocupados por outros membros familiares.

Com isso, modos de agir no ambiente de trabalho e tomadas de decisão podem ser baseados em estreitos laços afetivos e confiança mútua dos membros gestores da família (BERNHOEFT, 1989).

Muitas dessas características são encontradas na ImpreX, empresa familiar com 17 empregados, situada no interior de Minas Gerais, que atua no ramo de impressos gráficos desde 1975, quando suas atividades eram voltadas à produção de jornais regionais. Em seus primeiros anos, o nome da empresa era LinoX, devido à utilização de uma máquina de impressão típica da época chamada Linotipo. Com o passar dos anos e com a especialização em produzir convites especiais, foi feita a alteração do nome da empresa para ImpreX, buscando remeter, de forma mais fidedigna, ao que seus proprietários consideram a razão de ser da organização: fazer convites com alto valor agregado, para impressionar cada pessoa que os recebem.

A maior parte das etapas do processo produtivo é realizada internamente. Duas etapas – gravação de chapas de impressão offset e plastificação e laminação de papéis – são terceirizadas, devido ao custo oneroso para a sua realização, na própria empresa. Além disso, outras atividades terceirizadas pela organização são os serviços de transporte e o frete de mercadorias. Todas as demais etapas do processo são executadas internamente, quais sejam a criação e elaboração da arte final do convite, pré-impressão, impressão, corte e vinco e acabamento final.

A empresa foi fundada por Haroldo e, com o decorrer dos anos, sua esposa Heloísa e seus dois filhos – Breno e Lucas – passaram a atuar no negócio. Primeiramente, Heloísa assumiu a coordenação da função financeira da empresa; depois, Breno e Lucas, executando atividades diversas de suporte aos pais. Mesmo após a presença da família no dia a dia do negócio, Haroldo, quase sempre, gerenciava sozinho todas as atividades e sempre foi o único tomador de decisões da organização. Ainda que Heloísa fosse a responsável pelo departamento financeiro, nesta área a palavra final, também, era de Haroldo. Além disso, desde o início do negócio, ele, muitas vezes, executava atividades operacionais – em parte, porque já havia atuado como operador de máquinas, arte-finalista e vendedor, entre outras funções – juntamente com a responsabilidade de administrar a empresa.

Em 2015, contudo, ocorreu a sucessão abrupta da propriedade e gestão da empresa para a esposa e os dois filhos, devido ao falecimento de Haroldo, que, pouco tempo antes, havia sido diagnosticado com uma doença terminal em estágio avançado. Os três optaram por distribuir, entre eles, as funções gerenciais do negócio: Heloísa continuou coordenando o departamento financeiro, Breno assumiu a gestão do departamento de produção e Lucas tornou-se o responsável pela gestão administrativa da empresa. Com a atribuição de responsabilidades gerenciais entre os membros da família, antes concentradas nas mãos do fundador, havia a expectativa de que uma nova dinâmica gerencial, mais profissionalizada, fosse estabelecida.

Os irmãos Breno e Lucas, apesar da pouca experiência com o negócio, voltaram seus esforços à solução dos problemas e dificuldades que a empresa vinha enfrentando. Contudo, à medida que os dois se envolviam com a gestão do negócio e tinham que se relacionar com mais intensivamente com a própria mãe, no ambiente de trabalho, divergências de opiniões sobre como lidar com situações diversas intensificaram-se e levaram a contundentes conflitos de relacionamento, o que impactou, até mesmo, na interação dos três fora do ambiente da empresa.

Entre outras situações, era comum que após o expediente de trabalho, já que os três residiam na mesma casa, fosse retomada a discussão de questões que não haviam sido resolvidas na empresa, o que, por vezes, gerava novas situações de desentendimento e um clima conflituoso no ambiente doméstico.

 

3 DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA

No contexto organizacional, são encontrados dois tipos principais de conflitoso conflito de relacionamentos, que consiste nos desacordos das relações interpessoais ligados diretamente a tensão, ao atrito entre os indivíduos do grupo, e o conflito na execução de tarefas, caracterizado pela divergência de ideias e opiniões acerca da execução da tarefa (MARTINS, ABAD; PEIRÓ, 2014). Caso não seja feita a distinção das emoções durante um conflito de tarefas, esse pode se tornar também um conflito de relacionamento.

Os conflitos interpessoais decorrem, em parte, das diferenças de traços de personalidade, e de crenças e opiniões desenvolvidos, pelo sujeito, por meio de suas experiências no decorrer da vida; ainda que duas ou mais pessoas recebam a mesma informação, podem interpretá-la e retê-la de formas distintas, o que ocasiona algum nível de divergência, quando da confrontação de percepções (LEFRANÇOIS, 2013). No caso do contexto organizacional da ImpreX, verifica-se que características individuais como faixa etária, nível de escolaridade formal e tempo de experiência profissional, representam parte dos elementos modeladores de visões e opiniões distintas sobre o negócio.

Em relação à faixa etária, observam-se duas gerações compartilhando a responsabilidade pela gestão, dado que, à época da sucessão, as idades de Breno e Lucas eram, respectivamente, 21 e 23 anos, ao passo que Heloísa havia completado 50 anos de idade. Quanto ao nível de escolaridade formal, Breno cursava a graduação em administração, Lucas já concluíra a graduação em ciência da computação e, Heloísa, concluído o ensino médio.

Tem-se em consideração que, à medida os gestores ganham mais tempo de experiência profissional, tendem a tomar conhecimentos, crenças e formas de tomar decisões, usados de forma mais ou menos exitosa no passado, como parte de um quadro de referência da ação gerencial, contribuindo para a consolidação de ideias dominantes e comportamentos rígidos (BETTIS; PRAHALAD, 1986). No caso dos membros da família gestora da ImpreX, pode-se notar que ao passo que Heloísa tinha a tendência a resolver os problemas operacionais e gerenciais por meio de modos de agir e de estratégias habituais, Breno e Lucas eram mais voltados a implementar estratégias que julgavam inovadoras e adaptadas às novas situações que se apresentavam ao negócio – ainda que, não necessariamente, tais estratégias fossem as mais eficazes ou selecionadas e implementadas de modo profissionalizado (POUTZIOURIS, 2003).

Um dos principais dilemas das empresas familiares é a equalização dos diversos sistemas de interesses relacionados à família, à estrutura de propriedade e à estrutura de gestão, de modo a permitir o gerenciamento tanto dos interesses coletivos quanto dos individuais (MOREIRA, 2011). Nesse contexto, para que os conflitos possam ser administrados por meio de entendimentos mútuos, avalia-se que os membros da família, envolvidos na gestão da empresa, têm condições propícias para adotar uma atitude de reflexão e de abertura ao diálogo, por meio da qual modos de agir aprendidos coletivamente e consentidos são adotados pelo grupo. Tal perspectiva tem em vista uma característica positiva comumente encontrada nas empresas familiares, que diz respeito à abertura para discussões, devido à proximidade e à confiança entre os membros da família (MEIRA TEIXEIRA; CARVALHAL, 2013).

 

4 ANÁLISE DA SITUAÇÃO-PROBLEMA E PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

A proposta de intervenção na ImpreX, objeto do presente estudo, ocorreu por meio da mediação, visando a contenção dos conflitos interpessoais que estavam impactando negativamente a qualidade da gestão da empresa. A mediação é um método de solução de conflitos flexível e não obrigatório, pelo qual as pessoas envolvidas participam de um processo de intervenção, conduzido por um terceiro neutro, o mediador, que busca contribuir para que as pessoas interessadas criem possibilidades de solução da disputa, por meio de consenso (MOORE, 1998).

Desse modo, o processo de mediação, realizado na ImpreX, foi conduzido por um consultor externo, mediante convite pelos sócios da empresa, com a responsabilidade de facilitar e direcionar o processo de diálogo, explorando, juntamente com os sócios, aspectos relativos à identificação dos conflitos, suas causas e a proposição de um plano de ações.

 

4.1 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

O processo de mediação abrangeu a realização de duas sessões de mediação, com a duração de quatro horas e que contaram com a participação dos três sócios. O mediador coordenou o processo, orientando-se pela abordagem segundo a qual a mediação deve ser aplicada como um método de gerenciamento e resolução de conflitos por meio do estímulo à cooperação entre os envolvidos, e não pela intimidação (MOORE, 1998). Em outras palavras, as decisões devem ser tomadas conjuntamente pelos envolvidos e não pela imposição de um terceiro, e o acordo gerado deve refletir a escolha de alternativas criativas, em vez de refletir uma situação em que há inocentes/ganhadores e culpados/perdedores.

Tal abordagem mostrou-se útil, especialmente, para evitar que eventuais desentendimentos, durante o processo de intervenção, pudessem levar à suspensão da mediação. O programa de trabalho, implementado no decorrer das duas sessões de mediação, contou com três etapas, que se mostraram alinhadas a recomendações feitas por Moore (1998) para a condução de mediações de modo produtivo. Conforme se apresenta, na sequência, tais etapas são: a) identificação das situações de conflito; b) compreensão da natureza dos fatores geradores de conflitos; c) geração do plano de ações de melhorias.

 

4.1.1 Identificação das situações de conflito

O início da primeira sessão de mediação foi direcionado ao levantamento das visões dos sócios sobre os problemas e conflitos existentes, em que o mediador solicitou que cada um relatasse as situações em que os conflitos mais frequentes ou relevantes ocorriam. Para Heloísa, responsável pelo departamento financeiro e a primeira a falar, um aspecto muito importante, entre outros, referia-se às dificuldades no relacionamento com os filhos, no ambiente de trabalho, por ter, praticamente, o dobro da idade deles. Além de considerar que possuía uma abordagem diferente para lidar com os diversos problemas que surgiam, ela percebia que, quase sempre, não conseguia desvencilhar-se do papel de mãe nos momentos de trabalho ou durante as discussões com os filhos e, ao mesmo tempo, sócios.

Já Lucas, responsável pela gestão administrativa, entendia que muitas situações de conflito ocorriam devido à empresa não possuir uma estrutura funcional profissionalizada e adaptada às necessidades do negócio, e que não normatizava as relações hierárquicas entre os membros da família. Em sua visão, como todos os membros do corpo gestor da empresa eram parentes, as discussões tendiam a transcender a simples aceitação de opiniões divergentes, fazendo com que cada um buscasse, continuamente, formas de tentar mudar a opinião do outro sócio, para fazer prevalecer o seu próprio entendimento sobre as formas de se lidar com os problemas e tomadas de decisão.

Por sua vez, Breno, responsável pela gestão da produção, julgava que, na empresa, não se aplicavam regras de administração fundamentais que pudessem fazer com que os conflitos ocorressem em menor frequência. Para ele, alguns dos principais elementos que geravam problemas eram a ausência de regras definidas para tratar atrasos e faltas de empregados, bem como para coibir o uso de aparelhos celulares, pelos empregados, durante o horário de trabalho. Também, entendia que a falta de gestão dos erros ocorridos na produção era uma das principais causas de desentendimentos entre os sócios, pois era comum que cada um resolvesse ao seu próprio modo os problemas gerados por erros e retrabalhos, no processo produtivo. Por fim, indicou que, por vezes, tinha que realizar cobranças, junto ao irmão e a mãe, por atividades ou responsabilidades que não haviam sido cumpridas.

Tendo sido concluída a identificação das situações, ocorridas no ambiente de trabalho, que geravam conflitos frequentes entre os sócios, o processo de mediação voltou-se à análise e compilação dos fatores presentes nas situações descritas pelos sócios que poderiam ser representar os principais fatores gerados de conflitos. Para facilitar a implementação das ações corretivas, bem como se obterem resultados mais consistentes, o grupo acordou a identificação dos cinco principais fatores geradores de situações de conflito; para isso, adotou-se como critério a priorização de fatores similares ou haviam sido apontados por mais de um dos sócios.

Compilaram-se os seguintes potenciais geradores de conflitos, que seriam objeto do plano de ações: a) falta de critérios formalizados para a tomada de decisão e a resolução de problemas recorrentes; b) não gerenciamento dos erros ocorridos na produção e falta de critérios pré-definidos para se lidar com os retrabalhos gerados no processo produtivo; c) inexistência de unidade de comando em relação às equipes, de modo que, frequentemente, os empregados tinham dificuldade em definir qual tarefa era prioritária ou que orientação seguir; d) desorganização dos controles financeiros; e) atitude dos sócios de resolver os problemas conforme a própria opinião e sem a busca por consenso.

Na sequência, indicou o mediador, a natureza de tais fatores deveria ser analisada, para que o grupo de gestores pudesse compreender, de forma adequada, como ocorriam as situações de conflito e, se necessário, as suas causas.

 

4.1.2 Compreensão da natureza dos fatores geradores de conflitos

Na segunda sessão de mediação, inicialmente, o enfoque recaiu sobre a discussão na natureza dos fatores geradores de problemas e de conflitos, que haviam sido compilados na sessão anterior. O primeiro, qual seja a falta de critérios formalizados para a tomada de decisão e a resolução de problemas recorrentes, foi exemplificado por meio de situações como a não aplicação de punições por irregularidades cometidas por empregados, como ausências não justificadas, o uso de celulares pessoais e a realização de atividades particulares durante o horário de trabalho. Também, foi citada a ausência de uma política para a concessão de patrocínios a eventos e a realização de parcerias de negócios.

O segundo fator gerador de conflitos, o não gerenciamento dos erros ocorridos na produção e falta de critérios pré-definidos para lidar com os retrabalhos gerados no processo produtivo, foi relacionado a problemas decorrentes de erros cometidos pela equipe que atua na área de produção, em relação aos quais os sócios e gestores habituaram-se a não agir de modo tempestivo e assertivo. A causa, concordaram os sócios, estava menos na ausência de ação gerencial e mais na inexistência de normas internas e de critérios para se lidar com o descumprimento destas.

Quanto ao terceiro fator gerador de conflitos, inexistência de unidade de comando em relação às equipes, foi apontada a situação recorrente em que a equipe de produção, orientada por Breno a seguir o planejamento semanal de produção, era instada a alterar a programação de produção, pela inserção de pedidos urgentes, cuja negociação comercial com o cliente havia sido autorizada por Heloísa (coordenadora financeira). O que gerava o conflito, notaram os sócios, era a não observação dos limites de competência de cada deles.

O quarto fator gerador de conflitos, desorganização dos controles financeiros, foi caracterizado, principalmente, pela falta de separação das contas bancárias físicas dos sócios das contas da empresa, o que levava, na visão dos gestores, à impossibilidade de monitoramento adequado do desempenho econômico-financeiro do negócio, além de déficits de capital de giro.

Por fim, o quinto fator gerador de conflitos, qual seja a atitude dos sócios de resolver os problemas conforme a própria opinião e sem a busca por consenso, foi caracterizado pelas situações em que um dos sócios buscava lidar com problemas com forte impacto sobre o negócio sem, contudo, compartilhar com os demais as tomadas de decisão. Tais situações, geralmente, envolviam decisões sobre negociações com clientes e fornecedores, feedbacks a empregados e outros eventos inesperados.

Com base no entendimento mais aprofundado das situações de conflito e de suas causas, o grupo, sob a facilitação do mediador, dedicou-se a gerar um plano de ações de melhorias.

 

4.1.3 Geração do plano de ações para gerenciar e reduzir as situações de conflito

O papel do mediador voltou-se, nesse momento, à coordenação da construção conjunta de um plano com ações que solucionassem os principais conflitos identificados ou, pelo menos, minimizassem os efeitos destes. Como as ações para compor o plano seriam selecionadas das sugestões apresentadas pelos sócios, eles foram orientados a expor suas ideias em relação a cada um dos fatores geradores de conflitos.

Quanto à falta de critérios formalizados para a tomada de decisão e a resolução de problemas recorrentes, Heloísa expôs, primeiro, a sua visão. Para ela, seria necessário que o poder de tomada de decisão, em cada área da empresa, fosse, integralmente, delegado ao sócio responsável pela coordenação do departamento; assim, não haveria a possibilidade de ninguém tratar da situação-problema, tampouco a intervenção de um sócio sobre a decisão do outro. Também, ela julgou válido realizar votações entre os três sócios, sendo que a escolha da decisão seria determinada pelo maior número de votos, ou seja, dois votos.

Para isso, Breno apontou que seria necessária a realização de reuniões periódicas, para que as decisões pudessem ser analisadas e definidas. Lucas, por sua vez, mencionou que seria importante rever o layout da área administrativa, dado que todos – gestores e demais membros da equipe – ocupavam a mesma sala. Para isso, ele sugeriu que fossem criadas salas individuais para os três gestores, com o uso de divisórias; assim, quando necessário, contariam um ambiente físico propício para conversas que requeressem mais privacidade.

Quanto ao não gerenciamento dos erros ocorridos na produção e falta de critérios pré-definidos para lidar com os retrabalhos gerados no processo produtivo, outro dos fatores gerados de conflitos, Heloísa defendeu que os prejuízos decorrentes de erros fossem arcados pelo próprio empregado. Além disso, considerou indispensável a realização de encontros periódicos com as equipes de trabalho, para sensibilização e conscientização quanto a importância da redução dos erros no trabalho. Por seu turno, Lucas ponderou que não seria favorável ao débito de eventuais prejuízos nos holerites dos empregados, devido ao entendimento de que o procedimento atrapalharia a harmonia entre os empregados e os gestores, bem como poderia levar a descumprimento de leis trabalhistas. Ele sugeriu, também, que deveriam ser feitos planos de ação para evitar a repetição dos erros, com ênfase na eliminação das causas destes.

Finalmente, Breno asseverou que, para que os conflitos decorrentes de erros fossem minimizados, as tomadas de decisão deveriam tempestivas, bem como deveria ser feito o controle e monitoramento da ocorrência de erros na produção, por meio de uma planilha, cujos resultados seriam divulgados e utilizados na conscientização das equipes.

Em relação à inexistência de unidade de comando em relação às equipes, o terceiro dos fatores gerados de conflitos, Lucas propôs, como ação de melhoria, que fossem definidas as reais atribuições e áreas de responsabilidade de cada um dos três sócios, de forma que cada um pudesse delegar, adequadamente, a execução e o acompanhamento de tarefas. Além disso, com a clara delimitação das áreas de responsabilidade, as possibilidades de ingerências seriam diminuídas. Heloísa e Breno mostraram-se favoráveis à proposta e complementaram que, no caso da ausência de um dos gestores, um dos demais deveria substituí-lo, interinamente, na coordenação das áreas pelas quais é responsável.

Para lidar com o penúltimo dos fatores geradores de conflitos, qual seja a desorganização dos controles financeiros, Lucas sugeriu que, primeiramente, fosse feita a separação das contas bancárias entre as pessoas físicas e jurídica, com o que Breno e Heloísa concordaram. Neste ponto, o mediador chamou a atenção dos demais para a necessidade da implantação de controles financeiros básicos, com o que, igualmente, todos anuíram.

Por último, em relação à atitude dos sócios de resolver os problemas conforme a própria opinião e sem a busca por consenso, Heloísa defendeu a ideia de que seria preciso definir de modo rígido todos os processos de trabalho sob a responsabilidade dos sócios, bem como normas e critérios segundos os quais as decisões deveriam ser tomadas. Lucas, no entanto, posicionou-se desfavoravelmente, pois entendia que, por se tratar de uma empresa de pequeno porte, em que os gestores, muitas vezes, precisavam ajudar uns aos outros, a excessiva burocratização tiraria a flexibilidade da atuação dos sócios. Nessa linha, Breno sugeriu que as tomadas de decisão mais críticas ao negócio, mesmo já efetivadas, poderiam ser discutidas durante as reuniões periódicas dos gestores e, com o decorrer do tempo, se necessário, novos critérios pudessem ser estabelecidos.

Tendo sido expostas as ideias de ações de melhoria, o mediador propôs aos gestores que, então, entrassem em consenso quanto às diversas ações sugeridas para a resolução dos conflitos. Para isso, todas as sugestões, por fator gerador de conflito, foram apresentadas ao grupo, e cada uma foi avaliada conjuntamente, resultando na definição do plano de ações de melhoria exposto no Quadro 1.

 

Quadro 1 – Plano de ações para redução das situações de conflito, na ImpreX

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Fonte: elaboração própria, com base nos dados da pesquisa (2018).

 

Como se observa, as ações contemplam, principalmente, aspectos da gestão organizacional do negócio, como melhoria de processos de trabalho, controles internos, organização do trabalho gerencial e layout, e aspectos relativos à comunicação e relacionamento interpessoal, quais sejam a implementação de reuniões, com enfoque na transmissão de informações e na discussão de problemas do dia a dia do negócio, tanto entre os gestores quanto entre estes e os demais membros da equipe da empresa. Com o cumprimento do programa de trabalho previsto, por meio da realização de duas sessões de mediação, o mediador enfatizou que, a partir de então, caberia aos gestores a implementação do plano de ações elaborado, cuja efetividade poderia ser avaliada quando das reuniões gerenciais.

No processo de mediação, espera-se que a ação do mediador propicie o estabelecimento de novas formas de relacionamento interpessoal entre as pessoas que se encontravam imersas em situações de conflito, que, no âmbito da intervenção, são as protagonistas da resolução da situação-problema (MOORE, 1998). Isso quer dizer que o mediador não possui um papel impositivo, pois ele “[...] facilita a comunicação, promove o entendimento, leva as partes a se focarem em seus interesses e procura soluções criativas que deixem as partes livres para chegar a um acordo próprio” (KOVACH; LOVE, 2004, p. 107). Foi este contexto que se observou no caso da intervenção feita na ImpreX.

 

5 CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA/SOCIAL

Neste relato técnico, teve-se por objetivo relatar o processo de mediação de conflitos realizado em uma pequena empresa industrial familiar, com a finalidade de identificar, compreender e delinear ações para reduzir as situações de conflito entre os sócios.

Os resultados mostram que o método da mediação se mostrou pertinente como abordagem à situação-problema identificada na organização pesquisada, gerando, como benefícios, o estabelecimento de uma dinâmica de diálogo dos sócios e o compartilhamento de esforços destes na geração de um plano de ações para reduzir a ocorrência das situações de conflito. Sugere-se que tais ações, uma vez que representam, também, melhorias gerenciais no contexto organizacional, têm potencial para induzir outros efeitos positivos, como a elevação da qualidade da gestão do negócio.

A ocorrência de conflitos é inerente aos processos de relacionamento interpessoal e, em certa medida, necessários ao processo de desenvolvimento dos grupos de pessoas e das organizações das quais fazem parte.

Não obstante, a recorrência de situações de conflito pode intensificar seus impactos negativos na organização, na forma de obstáculos à cooperação entre os gestores, à tomada de decisão e solução de problemas de forma profissionalizada e, por vezes, à própria sobrevivência da organização (BORNHOLDT, 2005; BRITO; SILVA; MUNIZ, 2010).

Nessa linha, como contribuição prática, ao descrever alguns dos procedimentos e resultados do processo de mediação implementado na organização pesquisada, julga-se que o presente relato oferece informações úteis a gestores de empresas familiares que estejam buscando formas de lidar com os desafios inerentes à interação entre os membros da família, especialmente, naquelas em que conflitos familiares mostram-se frequentes ou com potencial de geração de danos muito alto. Não obstante suas contribuições, naturalmente, este trabalho apresenta, também, limitações.

A principal limitação é de natureza metodológica, pois, por se tratar de um estudo transversal, a coleta dos dados limitou-se até a geração de um plano de ações para a empresa pesquisada, não permitindo, portanto, o exame do processo de implementação das ações avaliadas como necessárias à solução dos conflitos entre os sócios.

Nessa perspectiva, observa-se a oportunidade para a realização de estudos longitudinais, que abranjam a análise da dinâmica das relações familiares durante e após a implementação das ações que, normalmente, são planejadas durante o processo de mediação.

REFERÊNCIAS

BARRETO, M. G. P.; BARRETO, E. F. A mediação como instrumento para resolução de conflitos nas empresas familiares. Revista Brasileira de Administração Política, v. 7, n. 2, p. 149-160, 2014.

BERNHOEFT, R. Empresa Familiar: sucessão profissionalizada ou sobrevivência comprometida. São Paulo: Nobel, 1989.

BETTIS, R. A.; PRAHALAD, C. K. The dominant logic: a new linkage between diversity and performance. Strategic Management Journal, v. 7, p. 485–501, 1986.

BORNHOLDT, W. Governança na empresa familiar: implementação e prática. Porto Alegre: Artmed, 2005.

BRITO, M. J.; SILVA, S. S.; MUNIZ, M. M. J. The Meanings of the Death of the Founder: The Constructionist Approach. Brazilian Administration Review, v. 7, p. 227-241, 2010.

CÉZAR-FERREIRA, V. A. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo: Editora Método, 2004.

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