Artigo 5

 

1 Universidade Estadual do Centro Oeste UNICENTRO, Brasil, Mestrado em Educação, e-mail: ana_durski@hotmail.com

 

Recebido em: 31/08/2021 - Revisado em: 20/11/2021 - Aprovado em: 10/03/2022 - Disponível em: 01/04/2022

Resumo

O presente trabalho abordou o histórico da evolução do trabalho na sociedade mundial desde épocas remotas quando os trabalhadores não tinham direitos, como ele foi entendido e sua valoração ao longo de períodos específicos da história da humanidade, proporcionando compreender a criação e o desenvolvimento do Direito do Trabalho. Além disso, evidenciou a relação íntima entre os fatos sociais, culturais, políticos e econômicos ocorridos na sociedade e a sua interferência na criação e na evolução das normas trabalhistas. E ainda a ascensão dos direitos relacionados ao mundo do trabalho especificamente no Brasil, bem como as transformações que estes sofreram em momentos específicos da história.

Palavras-chave: Trabalho; Direito; História dos direitos do trabalho; Fatos Sociais; Leis

 

 

Abstract

This work addressed the history of the evolution of work in world society since remote times when workers had no rights, how it was understood and its valuation throughout specific periods of human history, providing an understanding of the creation and development of the Law of Work. In addition, it highlighted the intimate relationship between social, cultural, political and economic facts occurring in society and their interference in the creation and evolution of labor standards. And also the rise of rights related to the world of work specifically in Brazil, as well as the transformations they have undergone in specific moments in history.

Keywords: Work; Right; History of labor rights; Social Facts; laws

1. Introdução

 

O Direito do Trabalho é um dos ramos da árvore jurídica que desperta muito interesse, devido sua ampla abrangência social. Sendo resultado de um processo de evolução constante, passando ao longo dos séculos por mudanças profundas, o Direito do Trabalho hoje representa o fruto das reivindicações operárias e da intervenção estatal.

Desde que o homem habita sobre a terra ele desempenha atividades relacionadas ao seu sustento, segurança e abrigo, no intuito de garantir a sua sobrevivência. A caça, a pesca e a luta contra o ambiente, animais e outros homens, utilizando as mãos como ferramenta e arma, foi proporcionando o seu desenvolvimento e aprimoramento em face dos outros animais. Sendo assim, o início do trabalho humano revela a indissociabilidade entre seu esforço físico e o suprimento de suas necessidades.

Ao longo da história do homem, este desenvolveu atividades laborativas necessárias à sua própria subsistência e da sociedade em que vivia. O vocábulo trabalho, na sua origem, teve significado negativo, como um castigo, um sofrimento àquele que o devia. SOUSA (2002, p. 15) esclarece que o significado mais aceito pelos autores “acerca da etimologia da palavra trabalho” é aquele “com base em tripalium, “instrumento de trotura, constituído de cavalete de pau” ”.

O passar dos séculos permitiu ao ser humano o desenvolvimento das suas capacidades laborativas, entretanto as condições da realização daquele trabalho continuaram negativas por um longo período da história da humanidade (escravidão, servidão, aprendiz de ofícios). Encontra-se em SOUSA (2002, p. 18) que

Se o trabalho desde o início dos tempos esteve associado à ideia de sofrimento e se era, ao mesmo tempo, essencial ao atendimento das necessidades absolutas do homem e da sociedade, durante muito tempo, na Antiguidade, consistiu na exploração forçada do homem pelo homem, pela escravidão, o modo de produção reinante.

Foi a Revolução Industrial, com seus efeitos sociais, o marco histórico que determinou o início das regulamentações legais acerca do trabalho humano dando origem ao Direito do Trabalho. Nas lições de MARTINS (2017, p. 49)

A Revolução Industrial acabou transformando o trabalho em emprego. Os trabalhadores, de maneira geral, passaram a trabalhar por salários. Com a mudança, houve uma nova cultura a ser aprendida e uma antiga a ser desconsiderada.

Estabelecer um panorama sobre a evolução histórica das principais normas de direito do Trabalho, desde a Revolução Industrial até o Século XXI, evidenciou-se relevante tanto para o aprofundamento do conhecimento das principais leis trabalhistas quanto das fontes materiais que oportunizaram o seu surgimento e seu aprimoramento, pois conforme ensina Ferrari (2011, p. 36) “sejam quais forem os valores que lhe atribuam (degradante ou enobrecedor), o trabalho sempre ocupou o lugar central em volta do qual as pessoas organizaram suas vidas”.

A proposta de pesquisa que foi efetivada demonstrou-se relevante na formação continuada do docente pois oportunizou o aprofundamento e o aprimoramento no trabalho do professor realizado com os acadêmicos em sala de aula, para que conheçam, reflitam e avaliem o quanto as movimentações sociais podem resultar em normas jurídicas que são aplicadas à própria sociedade à qual pertencem. Isto porque o trabalho tem sido, ao longo dos séculos, fator de estabilidade e progresso do homem em sociedade.

Já diz o brocardo romano “ubi societas, ibi jus”. Assim, são considerados indissociáveis os dispositivos legais dos fatos ocorridos dentro da sociedade. A pesquisa demonstrou que, ao longo da história, os fatos/contextos sociais influenciaram no surgimento de normas de Direito do Trabalho.

Faz parte do senso comum, que os direitos trabalhistas têm a função de regulamentar e equilibrar a relação de trabalho; bem como de que as leis devem ser adequadas ao momento em que vivemos, se alterando em função das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais, em busca de responder melhor aos desejos e necessidades da sociedade.

Tomando-se por base este raciocínio, esta pesquisa teve como foco a evolução histórica do Direito do Trabalho e os fatos sociais que o influenciaram, para se poder entender como chegamos às leis trabalhistas que temos hoje.

O objetivo geral da pesquisa, foi definir um panorama sobre a evolução histórica das principais normas de direito do Trabalho, desde a Revolução Industrial até o Século XXI.

Especificamente, foi organizada com base na cronologia histórica, a evolução do trabalho humano em fases, sendo possível identificar as cinco principais, quais sejam, escravidão, servidão, trabalho nas Corporações de Ofícios, trabalho livre e emprego; também, ao longo da história foram identificados os mais marcantes acontecimentos que influenciaram o mundo do trabalho, e de que forma eles oportunizaram a criação de normas de Direito do Trabalho (Revolução Industrial, Revolução Francesa, 1ª e 2º Guerras Mundiais, movimentos migratórios, ideologias, etc).

 

 

2. Fundamentação Teórica

 

O trabalho é um fenômeno social presente nas diversas civilizações ao redor do planeta terra. Analisar sua evolução histórica, marcada pelos movimentos dos trabalhadores bem como da intervenção do Estado, nos permite compreender o ordenamento legal que se tem atualmente.

Vinculando-se esta pesquisa ao trabalho humano, é necessário ir à sua origem. O trabalho, necessidade vital, está ligado ao homem desde sua origem, e tem sua raiz na insatisfação. “O trabalho sempre preservou o homem de sua própria destruição e o impeliu a interagir, unindo-se a outro ou a outros” (FERRARI, 2011, p. 234)

Silva (2016, p. 3705) conceitua trabalho como “todo esforço físico, ou mesmo intelectual, na intenção de realizar ou fazer qualquer coisa.”, ou seja, um desgaste na intenção de obter algo; pois a finalidade do trabalho é criar, produzir, transformar.

Na legislação trabalhista pátria encontram-se as forças que unem os trabalhadores em busca da construção de uma vida coletiva

§1.º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.

§2.º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional (CLT, Art. 511, §§ 1º e 2º)

Assim, ocupa o trabalho posição central na organização da vida das pessoas, e as relações que dele decorrem são pautadas pelo Direito.

Nas lições de Nader (2000, p. 16), “a vida em sociedade pressupõe organização e implica a existência do Direito”. Os seres humanos, pertencentes a um grupo social, relacionam-se com base em crenças, valores e papéis, e o trabalho é um dos papéis que desempenhamos no qual o Direito é o meio que torna possível a interação social e o progresso.

A sociedade, através de seus legisladores, estabelece o Direito para que ele conduza a vida social, pois

o Direito, na atualidade, é um fator decisivo para o avanço social. Além de garantir o homem, favorece o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da produção de riquezas, o progresso das comunicações, a elevação do nível cultural do povo, promovendo ainda a formação de uma consciência nacional (NADER, 2000, p. 27)

Sendo assim, compreende-se que “o direito está em função da vida social. A sua finalidade é a de favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade (NADER, 2000, p. 25).

 

3. Metodologia

 

Quanto à metodologia adotada, buscou-se inicialmente procurar conhecer o trabalho e o Direito do Trabalho, suas características e seus problemas, bem como identificar fatores que contribuíram para sua evolução. Adotou-se, portanto, quanto aos objetivos, uma metodologia descritiva/explicativa. Já em relação aos procedimentos adotados para a coleta de dados, caracterizou-se esta como uma pesquisa bibliográfica, já que utilizou exclusivamente fontes bibliográficas para cotejar os dados encontrados e sua interferência no mundo do trabalho.

Sendo assim, o desenvolvimento da pesquisa deu-se inicialmente a partir da revisão bibliográfica e leitura acerca da origem do trabalho, sendo este sido percebido desde os primórdios do homem sobre a terra, mormente a partir do momento em que passou a produzir instrumentos com os quais provinha sua alimentação, seu abrigo e sua segurança. A história do trabalho está diretamente ligada à história do homem sobre a terra e sempre ocupou lugar privilegiado em torno do qual se desenvolveram relações sociais e posteriormente as relações do mundo do trabalho.

Em um segundo momento, partindo da evolução do trabalho ao longo da história, esta pesquisa buscou identificar quais foram os principais fatos sociais, históricos, econômicos e culturais que estão associados à momentos de mudança na história do trabalho, bem como que oportunizaram o surgimento de regras disciplinadoras para o mundo do trabalho. Esta aproximação entre o trabalho e os fatos sociais que o influenciaram foi também determinante para a compreensão do surgimento e da história do Direito do Trabalho.

E após, num terceiro momento, foi possível estabelecer um panorama sobre a evolução histórico-legal das principais normas de direito do Trabalho, desde a Revolução Industrial até o Século XXI.

 

4. Resultados

4.1. EVOLUÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A conotação de trabalho como algo negativo, é uma ideia que persiste por muitos séculos na história. Como nos ensina Martins (2017, p. 46) “Inicialmente, o trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer em razão de ter comido o fruto proibido (Gên., 3)”, o que indica que o homem é condenado a trabalhar para prover seu próprio sustento.

No Livro do Gênesis encontramos o trabalho com o sentido de pena, castigo, pois

Porque deste ouvido à voz de tua mulher, e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de sua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que fostes tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar. (BÍBLIA SAGRADA, 2001, Ed. Ave Maria, p. 51).

A noção de trabalho associada à penosidade também é confirmada quando se busca a origem da palavra. Cassar (2014, p.3) nos diz que:

Do ponto de vista histórico e etimológico a palavra trabalho decorre de algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura. O termo trabalho tem origem no latim – tripalium. Espécie de instrumento de tortura ou canga que pesava sobre os animais. Por isso, os nobres, os senhores feudais ou os vencedores não trabalhavam, pois consideravam o trabalho uma espécie de castigo. A partir daí, decorreram variações como tripaliare (trabalhar) e trepalium (cavalete de três paus usado para aplicar a ferradura aos cavalos).

Entendendo-se o trabalho como fato social, ele é encontrado desde as civilizações de origem mais remota na história da humanidade. Pacífico então o entendimento de que “ a primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o escravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito menos trabalhista.” (MARTINS, 2017, p. 46). Nestes primórdios da escravidão ela era de origem política, passando muito mais tarde a ser principalmente de cunho econômico.

Nos diz Führer (2016, p.17) que “a história do trabalho humano é uma história de terror”, pois na escravidão a exploração do homem não conhecia limites; o escravo sofria torturas, mutilações e abusos de toda ordem, sendo que seu trabalho não tinha limite de horário ou de esforço.

Diziam os romanos que “os escravos nascem ou são feitos”, e essa categoria de trabalhador foi a força motriz da agricultura e da criação de animais, bem como da prestação de serviços domésticos e de segurança na antiguidade. A escravidão foi uma instituição do mundo antigo, e sua amplitude também deu-se também em função de sua paga, quando muito, era a comida. Na Idade Antiga, a maioria dos escravos na Grécia e em Roma era composta de estrangeiros capturados nas guerras, mas também as dívidas e cometimento de crimes poderiam levar à escravidão. Na antiguidade, para os gregos, o trabalho braçal não era considerado indigno, desonroso e, por isso, entregue aos escravos. “Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Compreendia apenas a força física.” (MARTINS, 2017, p. 46). Enquanto que a atividade do homem digno “ consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra” (MARTINS, 2017, p. 46), dedicando seu tempo à filosofia, à política.

Mais tarde, na Idade Média , durante o Feudalismo imperou um sistema intermediário entre a escravidão e o trabalho livre. Era o regime da servidão.

Neste momento, embora a servidão tenha sido um modo de trabalho mais avançado do que a escravidão, o trabalho físico ainda era considerado um castigo. Na servidão o trabalhador era vinculado à terra, devendo submissão total e hereditária ao Senhor Feudal. Os servos, apesar de serem livres e reconhecidos como pessoa, ainda são submetidos a grandes jornadas de trabalhos em condições degradantes.

Nascimento (2012, p. 43) assim dispõe:

Não diferiu muito a servidão, uma vez que, embora recebendo certa proteção militar e política prestada pelo senhor feudal dono das terras, os trabalhadores também não tinham uma condição livre. Eram obrigados a trabalhar nas terras pertencentes aos seus senhores. Camponeses presos às glebas que cultivavam, pesava-lhes a obrigação de entregar parte da produção rural como preço pela fixação na terra e pela defesa que recebiam.

A partir do século XVI a servidão entra em declínio, com a submissão dos Feudos a um governo central, e a formação das nações. Nas lições de Barros (2016, p. 48-49),

Após a queda do Império Romano, as relações predominantemente autônomas de trabalho foram paulatinamente sendo substituídas por um regime heterônomo, que se manifestou sobretudo no segundo período da época medieval, nas Corporações de Ofício.

Neste período inicia o mercantilismo e a terra perde importância como fonte principal de riqueza. Surgem as primeiras vilas e cidades e com elas os artesãos, profissionais que se agruparam nas Corporações de Ofícios. O principal objetivo das corporações era preservar o mercado de trabalho para os mestres e seus herdeiros, com regras muito rígidas. Esta rigidez foi um fator de estagnação e acabou inviabilizando as corporações quando as cidades cresceram e surgiram as novas exigências socioeconômicas.

Segundo Barros (2016, p. 49), “é sabido que nenhuma sociedade consegue se manter sob o domínio de instituições que não se justificam mais em face de seus progressos naturais”; assim, abusos praticados pelos Mestres nas Corporações de Ofícios, a incapacidade de adaptação do trabalho às novas exigências socioeconômicas, a Revolução Industrial com suas novas tecnologias, o princípio liberal e os postulados individualistas e leis que suprimiram as Corporações de Ofício, conduziram ao fim deste modelo de trabalho.

Com o advento da Revolução Industrial a sociedade do século XVIII sofreu profundas alterações. Toma força o liberalismo, o qual “pregava um Estado alheio à área econômica, que, quando muito, seria árbitro nas disputas sociais, consubstanciado na frase clássica laissez faire, laissez passer, laissez aller (MARTINS, 2017, p. 49). Com a Revolução Industrial as partes passaram a regulamentar livremente suas relações de trabalho, o que não significou, necessariamente, em melhoria para o trabalhador, pois não havia um ente regulamentador, o Estado ainda não intervinha nas relações de trabalho.

Segundo Martins (2017, p. 49), “a Revolução Industrial transformou o trabalho em emprego” e “o direito do trabalho e o contrato de trabalho passaram a desenvolver-se. Consequentemente, em vários países surgiram disposições trabalhistas destinadas a proteção do trabalhador. Sendo assim, é possível afirmar que a Revolução Industrial foi o fator político-econômico determinante no surgimento do Direito do Trabalho.

Inicialmente, a chegada da tecnologia (máquina a vapor, tear mecânico) gerou insegurança, desemprego e revolta, levando os trabalhadores a promoverem quebra de teares e de outras máquinas, o Ludismo. Após a percepção de que eles seriam necessários para operá-las, foram, aos poucos ocupando os postos de trabalho junto às máquinas implantadas na produção, mas numa posição secundária e em condições adversas para o trabalhador.

As péssimas condições de trabalho, incluindo trabalho de crianças desde os 6 anos de idade, jornadas de até 16 horas de trabalho por dia, espancamento de empregados e salários miseráveis, levaram os trabalhadores a se unirem em busca de melhorias nas condições de trabalho. Imperativo neste contexto o surgimento de regras que regulamentassem e protegessem o trabalhador. Esse entendimento é confirmado por Martins (2017, p. 50) que afirma começar “a haver necessidade de intervenção estatal nas relações do trabalho, dados os abusos que vinham sendo cometidos, de modo geral, pelos empregadores”.

Alguns movimentos sociais de caridade buscavam minorar o sofrimento dos trabalhadores miseráveis. Ao mesmo tempo, inspirados pelas teorias sociais, os trabalhadores percebem a sua força enquanto coletividade, oportunizando surgirem movimentos sindicais operários em busca de melhorias nas condições de trabalho. Concomitantemente, a Igreja Católica, convicta de que o trabalho compõe uma dimensão fundamental da existência do homem, com a sua doutrina social manifestada nas encíclicas papais Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Divini Redemptoris, confirma a necessidade do Estado intervir nas relações de trabalho para assegurar o bem comum (BARROS, 2016, p. 51-52).

Pode-se dizer que surge então o Direito do Trabalho para “limitar os abusos do empregador em explorar o trabalho e para modificar condições de trabalho” (MARTINS, 2017, p. 53). O Estado foi aos poucos rejeitando a doutrina do não intervencionismo, promulgando as primeiras leis de proteção ao trabalho e é criada a Organização Internacional do Trabalho.

 

4.2. EVOLUÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO DO TRABALHO

 

Nas lições de Martins (2017, p. 52), “a legislação do trabalho é o resultado da reação contra a exploração dos trabalhadores pelos empregadores”. Partindo do momento em que se reconhece a participação mais efetiva do Estado, intervindo nas questões trabalhistas, é possível relacionar uma sequência de normas regulamentadoras para o mundo do trabalho, consoantes ao momento histórico-social em que surgiram.

 

Quadro 1 – Primeiras leis regulamentadoras do trabalho

1923.png 

1929.png 

1935.png 

Fonte: Organizado pela autora, com base em MARTINS, 2017.

É possível depreender, do quadro acima que as regulamentações acerca do trabalho foram passando por fases, e correspondem aos momentos histórico-sociais que determinaram o seu surgimento. Com a Revolução Francesa e a supressão das corporações de ofício, ficou evidente o ideal de liberdade individual da pessoa, inclusive para o mundo do trabalho, no qual o Estado não deveria intervir.

A Revolução Industrial, que foi acontecendo ao longo do século XVIII, modificou profundamente a sociedade e o trabalho, o que passou a demandar disposições normativas destinadas a proteger os direitos do trabalhador. Pode-se dizer que o advento da Revolução Industrial é considerado a principal motivação para o surgimento do Direito do Trabalho.

Também é importante destacar o papel da Igreja Católica em defesa dos direitos dos trabalhadores através da edição das Encíclicas Papais.

Ao longo do século XX os direitos sociais ganharam força acarretando a sua sistematização e status constitucional. “A Constituição de Weimer de 1919 foi reconhecida pelo seu conteúdo de proteção ao direito social, rompendo com o modelo liberal até então predominante e seriamente abalado pela tragédia da I Guerra Mundial (FARIAS, 2015, p.29).

Para Martins (2017, p. 53),

a partir do término da Primeira Guerra Mundial, surge o que pode ser chamado de constitucionalismo social, que é a inclusão das constituições de preceitos relativos à defesa social da pessoa, de normas de interesse social e de garantia de certos direitos fundamentais, incluindo o Direito do Trabalho. (...) A constitucionalização do Direito do Trabalho a partir de 1917 mostra a passagem do Estado Liberal para o Estado Social.

Assim sendo, é possível entender a importância que a ocorrência de grandes fatos histórico/sociais tais como a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais, proporcionaram o surgimento das primeiras normas garantidoras dos direitos dos trabalhadores.

 

 

4.3. O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

No Brasil, o Direito do Trabalho com seus avanços e retrocessos, desde seu surgimento tem sido influenciado pelos fatos sociais resultando em muitas alterações.

Sendo o Direito do Trabalho um processo de constante evolução, assim como internacionalmente, no Brasil as normas regulamentadoras foram positivadas após lutas sociais de movimentos operários pleiteando melhorias, bem como de intervenção do Estado.

A escravidão no Brasil, durante aproximadamente quatro séculos, foi a relação de exploração que havia entre o trabalhador e o proprietário; o país não tinha qualquer forma de norma trabalhista.

O início da regulamentação trabalhista no Brasil deu-se ainda durante o período em que vigia a escravidão, mas de uma maneira muito limitada. Logo após a declaração da independência do Brasil em relação a Portugal, foi outorgada a primeira constituição brasileira, a de 1824, que em termos de regulamentação do trabalho “apenas tratou de abolir as corporações de ofício (art. 179, XXV), pois deveria haver liberdade do exercício de ofícios e profissões” (MARTINS, 2017, P. 56), mas nada falou sobre direitos sociais.

A abolição representou uma etapa apenas na liquidação da estrutura colonial. A classe senhorial diretamente relacionada com o modo tradicional de produção e que constituía o alicerce da Monarquia foi profundamente atingida. A colônia perdeu suas bases. Uma nova classe dirigente formava-se nas zonas pioneiras e dinâmicas. A nova oligarquia, ainda predominantemente agrária, assumindo a liderança com a Proclamação da República Federativa que veio atender aos seus anseios de autonomia, que o sistema monárquico unitário e centralizado não era capaz de satisfazer. [...] Abolição e República significam, de uma certa forma, a repercussão, no nível institucional, das mudanças que ocorreram na estrutura econômica e social do país na segunda metade do século XIX, prenunciando a transição da sociedade senhorial para a empresarial (COSTA, 2010, p. 467)

Em 1891, em um contexto republicano e após a abolição da escravidão, fazia-se necessário estabelecer novos ideais e padrões de comportamento em relação ao trabalho. Foi então promulgada a segunda constituição brasileira, mas os ajustes em relação àqueles valores relacionados ao trabalho e firmados durante todo o período colonial foram lentos. A Carta Magna de 1891 foi muito tímida em relação aos direitos trabalhistas, assegurando apenas regulamentação quanto ao livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial por meio do §24 cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926.

Ao longo das primeiras décadas do século XX, o fluxo de imigrantes vindos da Europa, que passava por profundas transformações decorrentes da Primeira Guerra Mundial, movimentou a cena trabalhista no Brasil com reivindicações de melhorias nas condições do trabalho e nos salários. É nesse contexto de ampliação do trabalho assalariado que surgem as primeiras regulamentações esparsas sobre o trabalho.

Quadro 2 – Primeiras leis regulamentadoras do trabalho no Brasil

1944.png 

Fonte: Organizado pela autora, com base na legislação brasileira.

A partir do quadro acima, exemplificativo de algumas regulamentações relacionadas ao trabalho, percebe-se a conformação de um sistema de proteção, e que “começa a surgir uma política trabalhista idealizada por Getúlio Vargas em 1930” (MARTINS, 2017, p. 56), possibilitando a elaboração de inúmeras leis.

Pode-se afirmar que o Direito do Trabalho no Brasil inicia-se a partir da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e deu início à elaboração de uma legislação trabalhista ampla e geral (ROMAR, 2017, p. 36).

No início da década de 1930, eram sentidos os efeitos desastrosos da quebra da bolsa de valores (1929) sobre a economia brasileira. O impulso que a crise cafeeira deu no processo de industrialização ocasionou a expansão do mercado de trabalho e, consequentemente, as demandas trabalhistas.

Neste contexto social, e durante o governo provisório recém instalado, o Brasil teve em 1934 a sua primeira constituição federal tratando especificamente de direitos do trabalho, adotando o constitucionalismo social. Ela “garantia a liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas” (MARTINS, 2017, p. 56), elevando a proteção do trabalhador ao nível de garantia constitucional.

A referida garantia constitucional pode ser percebida no conteúdo do art. 121 da Constituição Federal de 1934 que dizia que “ a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país”.

As Constituições que se seguiram (1937, 1946, 1967, EC nº1 de 1969) apresentaram um caráter intervencionista do Estado nas relações de trabalho, o que não afasta a importância dos dispositivos trabalhistas inseridos nas referidas normas, e sua contribuição para o aprimoramento, garantia e proteção dos direitos dos trabalhadores no Brasil.

A Constituição de 1937, advinda durante o Estado Novo, instituiu os sindicatos, mas num modelo restritivo com intervenção direta do Estado, onde só se podia exercer funções delegadas pelo poder público. Determinou-se nela a ilegalidade da greve e do lockout, declarados recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. É possível perceber a concepção de trabalho como uma obrigação social, um dever, no texto do art. 136 da CF de 1937

O trabalho é um dever social. O trabalho intelectual, técnico e manual tem direito a proteção e solicitude especiais do Estado. A todos é garantido o direito de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa.

Durante a década de trinta, diante da multiplicidade de normas regulamentadoras e da dificuldade para sua aplicação e estudo fazia-se necessário “o ordenamento das respectivas disposições num único texto” (SUSSEKIND, 2005, p. 60).

Sendo assim, após meses de trabalho, foi aprovada em 1º de maio de 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho, documento de importância ímpar para o desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil, sistematizando e consolidando as normas esparsas já existentes.

A Constituição de 1946, votada por Assembleia Constituinte, foi considerada a mais abrangente e democrática das que se tinha até então, e incluiu a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário. Entre as inovações, Martins (2017, p. 58) destaca “a participação dos trabalhadores nos lucros, repouso semanal remunerado, estabilidade, direito de greve e outros direitos que estavam na norma constitucional anterior”.

Nas décadas que se seguiram, intensificaram-se as lutas sociais que buscavam garantir os direitos trabalhistas já positivados e conquistar outros novos, como o 13º salário, tornado lei após ameaças de greve geral dos trabalhadores.

O acirramento dos conflitos sociais e políticos culminou com a assunção de militares ao comando do governo federal. Apesar do contexto conturbado em que veio, a CF de 1967 manteve os direitos dos trabalhadores, restringindo, porém, o direito à greve. Martins (2017, p. 58) confirma que “a Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas estabelecidos nas Constituições anteriores, no art. 158, [...]. A Emenda Constitucional nº 1, de 17-10-1969, repetiu praticamente a Norma Ápice de 1967, no art. 165, no que diz respeito aos direitos trabalhistas”. Vejamos

Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:

I - salário-mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as suas necessidades normais e as de sua família;

II - salário-família aos seus dependentes;

III - proibição de diferença de salários e de critérios de admissões por motivo de sexo, cor e estado civil;

IV - salário de trabalho noturno superior ao diurno;

V - integração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, segundo for estabelecido em lei;

VI - duração diária do trabalho não excedente a oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos especialmente previstos;

VII - repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local;

VIII - férias anuais remuneradas;

IX - higiene e segurança no trabalho;

X - proibição de trabalho, em indústrias insalubres, a mulheres e menores de dezoito anos, de trabalho noturno a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de doze anos;

XI - descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário;

XII - fixação das porcentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos comerciais e industriais;

XIII - estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garantia equivalente;

XIV - reconhecimento das convenções coletivas de trabalho;

XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;

XVI - previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado;

XVII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual ou entre os profissionais respectivos;

XVIII - colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença, mantidas pela União, conforme dispuser a lei;

XIX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral; e

XX - greve, salvo o disposto no artigo 162.

Parágrafo único. Nenhuma prestação de serviço de assistência ou de benefício compreendidos na previdência social será criada, majorada ou estendida, sem a correspondente fonte de custeio total.

A Constituição Federal de 1988, em vigor até hoje, promulgou avanços importantes na área dos direitos sociais, incluindo neles os direitos trabalhistas. O trabalho foi inserido como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, consagrando seu valor social e o da livre iniciativa ao trabalho.

Os direitos trabalhistas passaram a fazer parte dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição, acentuando sua força e projeção na sociedade e na economia (DELGADO, 2014, p.16). O art. 7º da Constituição trata de direitos individuais e tutelares do trabalho, o art. 8º versa sobre o sindicato e suas relações, o art. 9º especifica regras sobre a greve, e o art. 10 determina disposição sobre a participação dos trabalhadores em colegiados. Entende-se assim que,

a Constituição vigente mantém tais conquistas sociais, situando o Brasil entre os países que veem, no trabalho e no capital, forças que se conjugam, voltadas para o bem comum, o bem-estar social, mesmo porque, como afirmava o Papa João Paulo II, “os direitos do trabalhador inserem-se no vasto conjunto dos direitos humanos (ALMEIDA, 2016, p. 30).

 

Considerações Finais

A finalidade do Trabalho é fazer com que o homem, às suas custas, despenda esforços a fim de obter recursos necessários à sua subsistência.

O Direito do Trabalho constitui-se um dos ramos mais dinâmicos do Direito, sendo assim, tendo em vista o histórico da evolução do trabalho e o seu desenrolar ao longo da história da humanidade, foi possível entender que o Direito do Trabalho surgiu e vem se desenvolvendo lado-a-lado com as transformações sociais.

Quando resgatamos a história dos direitos trabalhistas, fica claro que nenhuma conquista social veio gratuitamente; e que a evolução da legislação foi determinada pelos fatos sociais e pelo movimentos dos trabalhadores em busca de melhorias.

Assim sendo, os direitos trabalhistas se afiguraram como um importante mediador na relação entre o capital e o trabalho, proporcionando proteção ao trabalhador em relação à exploração de sua atividade laborativa, e devem sempre buscar manter o equilíbrio nas relações trabalhistas.

 

Referências:

ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do Trabalho: material, processual e legislação especial. 17. Ed. São Paulo: Rideel, 2016.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10.ed. São Paulo: LTr, 2016.

BÍBLIA. Bíblia Sagrada. 4. Ed. São Paulo: Editora Ave Maria, 2009.

BRASIL. Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Constituição Federal de 1891. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 19 jul. 2021.

BRASIL. Legislação brasileira. Disponível em http://www4.planalto.gov.br/legislacao/. Acesso em: 19 jul. 2021.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho.10. ed. São Paulo: Método, 2014.

COSTA, Emília Viotti da. Da senzala a colônia. 5. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

FARIAS, James Magno Araújo. Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTR, 2015.

FERRARI, Irany. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011.

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de direito do trabalho. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 37. ed. São Paulo: LTR, 2012.

ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

SOUSA, Otávio Augusto Reis de. Nova teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 22. ed. v.1. São Paulo: LTr, 2005.



Direitos autorais 2023 Anamaria Durski Silva Burko

Revista Capital Científico – Eletrônica (RCCe) Rua: Padre Salvador, 875 – Bairro Santa Cruz CEP: 85015-430  Guarapuava-Paraná-Brasil Campus Santa Cruz – Editora UNICENTRO ISSN  2177-4153 (Online)

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 3.0 Unported License.