Artigo 6

Condição financeira governamental na perspectiva da

receita tributária própria

 

 

Governmental financial condition from the perspective of own tax revenue

 

Fabiano Maury Raupp1, Ana Rita Silva Sacramento2,

Denise Ribeiro de Almeida3, e Antônio Almeida Lyrio Neto4

 

1 Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: fabianoraupp@hotmail.com

2 Universidade Federal da Bahia, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: anasacramento@ufba.br

3 Universidade Federal da Bahia, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: deniserib@gmail.com

4 Universidade Federal da Bahia, Brasil, Mestrado em Administração, e-mail: antoniolyrio@ufba.br

 

Recebido em: 19/11/2021 - Revisado em: 31/01/2022 - Aprovado em: 05/02/2022 - Disponível em: 01/04/2022

Resumo

O objetivo do estudo consistiu em analisar a condição financeira governamental, segundo a perspectiva da receita tributária própria, de municípios das Regiões Metropolitanas de Florianópolis e de Salvador no período 2019-2020. Trata-se de uma pesquisa documental e descritiva, com abordagem eminentemente qualitativa. A delimitação se restringiu aos três maiores municípios em número de habitantes de cada uma dessas Regiões. As informações foram extraídas dos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária, Anexo 06, disponibilizados no Sistema de Informações Contábeis e Financeiros do Setor Público Brasileiro. A partir da análise horizontal é possível concluir que a pandemia pode não ter influenciado de forma representativa os valores de arrecadação das receitas investigadas na Região Metropolitana de Florianópolis. Por outro lado, comportamento oposto foi observado na Região Metropolitana de Salvador. Na análise vertical entende-se que a pandemia não modificou de forma expressiva o status dos tributos decisivos para sustentar a receita tributária própria em ambas as regiões. Estudos desta natureza abrem oportunidades para contribuições de ordem teórica e prática. Do ponto de vista teórico, o estudo inova no objeto de investigação sob várias perspectivas, com destaque para a análise da condição financeira governamental por meio da receita tributária própria e o estudo com regiões metropolitanas. Em termos práticos, o estudo contribui com um diagnóstico em meio ao cenário da pandemia do novo coronavírus, demonstrando aos gestores em medida tal contexto pode influenciar ou não a arrecadação de receitas, no caso em tela a arrecadação da receita tributária própria.

Palavras-chave: Condição financeira governamental. Receita tributária própria. Municípios. Análises horizontal e vertical.

 

Abstract

The objective of the study was to analyze the government’s financial condition, from the perspective of its own tax revenue, of municipalities in the Metropolitan Regions of Florianópolis and Salvador in the period 2019-2020. It is a documentary and descriptive research, with an eminently qualitative approach. The delimitation was restricted to the three largest municipalities in terms of number of inhabitants in each of these Regions. The information was taken from the Summary Reports on Budget Execution, Annex 06, available in the Accounting and Financial Information System for the Brazilian Public Sector. From the horizontal analysis, it is possible to conclude that the pandemic may not have significantly influenced the revenue collection values investigated in the Metropolitan Region of Florianópolis. On the other hand, an opposite behavior was observed in the Metropolitan Region of Salvador. In the vertical analysis, it is understood that the pandemic did not significantly change the status of the decisive taxes to sustain the own tax revenue in both regions. Studies of this nature open up opportunities for theoretical and practical contributions. From a theoretical point of view, the study innovates in the object of investigation from several perspectives, with emphasis on the analysis of the government’s financial condition through its own tax revenue and the study with metropolitan regions. In practical terms, the study contributes with a diagnosis amidst the scenario of the new coronavirus pandemic, demonstrating to managers to what extent such a context may or may not influence revenue collection, in this case, the collection of its own tax revenue.

Keywords: Government financial condition. Own tax revenue. Municipalities. Horizontal and vertical analysis.

 

1 Considerações Iniciais

Momentos de crise econômica referem-se a um dos principais motivadores de pesquisas sobre condição financeira de governo (LIMA; ALBUQUERQUE; CORREIA, 2019). No trabalho de Araújo, Leite e Leite Filho (2019), por exemplo, o ambiente de crise econômica foi um fator que motivou sua realização, já que entendem que nestes períodos os recursos disponíveis para fornecer serviços ficam sobrecarregados e limitados. Para os autores, trata-se de uma temática de interesse mundial, pois toda nação corre o risco de enfrentar momentos de dificuldades fiscais, que podem ocorrer em virtude de diversos fatores, como: recessão econômica, gestão pública ineficiente, arrecadação insatisfatória, crise política e fraudes institucionais.

Em se tratando de crise em contexto pandêmico, Borges (2020) afirma que diante de uma perturbação econômica, a capacidade governamental de arrecadação e manuseio das suas receitas são importantes para que a saúde fiscal seja mantida. Isso porque, com o surgimento da pandemia da Covid-19, que “atropelou”, pelo menos, uma das fases da gestão pública brasileira, a do planejamento, análises desta natureza são necessárias, uma vez que esse novo e inusitado fator ambiental - a pandemia da Covid-19 – exerceu e continua exercendo pressões por gastos públicos extraordinários e específicos para o seu combate.

Tais pesquisas e seus respectivos resultados podem alertar gestores públicos no sentido de mostrar que existem indicadores que foram criados academicamente, levando em consideração a natureza do serviço público, e que podem ser empregados a fim de auxiliá-los no processo de detecção da condição financeira. As medidas cabíveis quando necessárias e tomadas em tempo hábil podem evitar que alcance níveis financeiros mais defasados, tal como de estresse fiscal (LIMA; ALBUQUERQUE; CORREIA, 2019).

A partir deste contexto emergiu a questão que norteou a investigação, sendo formulada da seguinte maneira: Como se caracteriza a condição financeira nos municípios brasileiros de regiões metropolitanas, sob a perspectiva da receita tributária própria, no período 2019-2020? Para tanto, tem-se como objetivo geral analisar a condição financeira governamental, segundo a perspectiva da receita tributária própria, de municípios das Regiões Metropolitanas de Florianópolis (RMF) e de Salvador (RMS) no período 2019-2020. Em termos específicos buscou-se o seguinte: a) identificar o quanto eles efetivamente arrecadaram por fonte de receita tributária própria; b) avaliar se houve elevações e quedas na arrecadação; c) verificar o grau de importância dessas fontes na composição da receita corrente municipal; e d) comparar o desempenho entre os governos.

A escolha por regiões metropolitanas deve-se ao fato concentrarem boa parte da riqueza, do poder econômico, das atividades estratégicas e do Produto Interno Bruto (PIB), além de ter a característica de influenciar outras regiões (IBGE, 2009). Por outro lado, também são territórios onde se centralizam graves problemas sociais ocasionados pela falta de fornecimento de serviços de interesse comum aos cidadãos. A instituição de uma região metropolitana faz surgir uma demanda em gestão de serviços urbanos comuns, recursos financeiros e autonomia administrativa (YOSHIMOTO, 2021).

Assim, pôde-se analisar o comportamento das receitas diretamente arrecadados pelos municípios no mencionado período, com a intenção de verificar se esses, no ano de início da pandemia, comportaram-se de forma semelhante ou distinta do que vinha anteriormente acontecendo. O estudo considerou a realidade das Regiões Metropolitanas de Florianópolis (RMF) e de Salvador (RMS), selecionando-se os três maiores municípios em número de habitantes, à exceção de seus municípios-capitais.

Tal análise se faz importante já que os municípios “estão em contato direto com as comunidades locais, possuem pouca autonomia fiscal, mostrando-se dependentes – geralmente – de socorro financeiro de outros entes para reequilibrar suas contas e manter serviços básicos, especialmente nas crises fiscais” (DANTAS JUNIOR; DINIZ; LIMA, 2019, p. 68). Não menos importante, verifica-se a existência de crises financeiras pelas quais vêm passando vários municípios brasileiros nos últimos anos, o que denota a importância sobre condição financeira das gestões municipais (SOUZA; ANDRADE; SILVA, 2015).

Entende-se que o estudo justifica-se do ponto de vista teórico e prático. Do ponto de vista teórico, o estudo inova no objeto de investigação sob várias perspectivas, com destaque para a análise da condição financeira governamental por meio da receita tributária própria e o estudo com regiões metropolitanas, características não identificadas em estudos anteriores (DINIZ, 2007; SOUZA; ANDRADE; SILVA, 2015; LIMA; ALBUQUERQUE; CORREIA, 2019; ARAÚJO; LEITE; LEITE FILHO, 2019; SOUZA; LEITE FILHO; PINHANEZ, 2019; NOBRE; DINIZ; ARAÚJO, 2019; BORGES, 2020).

Já em termos práticos, o estudo contribui com um diagnóstico em meio ao cenário da pandemia do novo coronavírus, demonstrando aos gestores em que medida tal contexto pode influenciar ou não a arrecadação de receitas, no caso em tela a arrecadação da receita tributária própria. A justificativa social do estudo reside no fato de a receita tributária própria interferir direta e indiretamente no desenvolvimento dos municípios. Além disso, buscou-se contribuir ao analisar possíveis mudanças no status de tributos decisivos para sustentar a receita tributária própria nas regiões investigadas, principalmente em uma cenário de instabilidade, como o vivenciado nos últimos anos (ARAÚJO; LEITE; LEITE FILHO, 2019).

2 Condição Financeira na Perspectiva das Análises Horizontal e Vertical

2.1 Conceitos fundamentais

Os fundamentos teóricos necessários para dar sustentação ao objeto de investigação cobrem discussões sobre condição financeira governamental e análises horizontal e vertical. Diniz (2007) aduz que o conceito combina recursos externos com internos, eficácia orçamentária como disponibilidade para investimentos, equilíbrio entre receita e despesas e os gastos incorridos em períodos passados. Para Araújo, Leite e Leite Filho (2019), a condição financeira diz respeito à capacidade do ente em equilibrar despesas e receitas e, ao mesmo tempo, prestar serviços em uma base contínua.

Para Dantas Junior, Diniz e Lima (2019), cada país, ente federado e governo deve ter sua condição financeira analisada de forma peculiar, o que pode ser corroborado diante dos variados aspectos e formas trazidas pela literatura internacional. Neste sentido, os autores destacam as particularidades do caso brasileiro: extensão territorial, heterogeneidade regional e populacional, dificuldade na manutenção da máquina pública e de seus sistemas de controle. Para Sousa, Leite e Pinhanez (2019), a avaliação da condição financeira dos entes governamentais é complexa e deve considerar não apenas a disponibilidade financeira, mas também outros elementos como endividamento, arrecadação, e gastos.

Pressupõe-se que informações sobre a condição financeira dos diferentes entes podem fornecer, ainda na fase de planejamento, orientação aos gestores públicos nas decisões referentes à alocação dos recursos públicos (SOUZA; ANDRADE; SILVA, 2015). Assim, sendo a condição financeira entendida como a capacidade de um ente em cumprir com suas obrigações financeiras, presume-se que seja favorável a sua condição financeira governamental caso possa honrar com suas obrigações sem incorrer em dificuldades financeiras significativas (WANG; DENNIS; TU, 2007). Trata-se de um cenário em que os gestores devem ficar alertas a sinais que possam comprometer a saúde financeira da entidade, a fim de implementarem, tempestivamente, ações de limitações de empenho e movimentação financeira (LIMA; DINIZ, 2016).

Para Lima e Diniz (2016), os componentes da condição financeira governamental podem ser analisados por meio de estratégias ou técnicas existentes na literatura de análise das demonstrações contábeis, dentre as quais destaca-se aqui as análises vertical e horizontal. Conforme os autores, tais técnicas objetivam extrair informações das demonstrações e relatórios contábeis, apresentando-as aos usuários da informação financeira governamental em um formato mais acessível, ou seja, que permita a compreensão dessa condição financeira.

De forma pontual, a análise vertical pode ser definida como um instrumento que possibilidade a identificação da representatividade ou o percentual de participação de determinados itens ou subgrupos em relação a determinado valor-base (LIMA; DINIZ, 2016). Em se tratando da utilidade, os autores aduzem que a análise vertical propicia a comparabilidade de entidades governamentais, inclusive de diferentes tamanhos, uma vez que os valores absolutos das variáveis são convertidos em porcentagens. Não obstante, há também a possibilidade de comparar as participações ao longo do tempo, inferindo, por exemplo, sobre mudanças nas políticas do governo (LIMA; DINIZ, 2016).

Já a análise horizontal tem como foco a identificação da variação relativa de variáveis e indicadores de um ano para outro, ou ao longo de diversos anos” (LIMA; DINIZ, 2016). Quanto à utilidade, podem conduzir o gestor para três cursos de ação: “(i) procurar as causas das variações (o que está acontecendo?); (ii) avaliar a significância da variação (é importante?); e (iii) apresentar estratégias de ação (o que pode ser feito?)” (LIMA; DINIZ, 2016, p. 95).

 

2.2 Estudos nacionais sobre condição financeira governamental

Raupp et al. (2021) realizaram levantamento sobre estudos nacionais que abordaram a condição financeira governamental. Considerando a atualidade do estudo e, portanto, a baixa probabilidade de encontrar novas pesquisas, reuniu-se os estudos levantados pelo autor e os apresentou de forma sintética no Quadro 1.

Quadro 1. Estudos nacionais sobre condição financeira governamental

2059.png 

Fonte: Elaborado com base em Raupp et al. (2021).

Para Raupp et al. (2021), considerando os poucos trabalhos identificados, os estudos nacionais anteriores indicam a carência de pesquisas que façam a utilização de modelos de avaliação da condição financeira governamental. Destacam também que o modelo de Brown (1993), mesmo preferido nas pesquisas que utilizaram como amostra municípios com população inferior a 100.000 habitantes, foi utilizado também para um dos estudos sobre a condição financeira de estados. Do ponto de vista prática, e destacando o estudo em tela, devem os governos locais estarem continuamente preparados para atenderem às demandas por gastos públicos e às mudanças que possam ocorrer, mantendo reservas e explorando de forma adequada sua capacidade de arrecadação (LIMA; DINIZ, 2016, p. 74), ou seja, “devem apresentar, continuamente, uma condição financeira satisfatória.

 

3 Percurso Metodológico

Trata-se de uma pesquisa documental e descritiva, com abordagem eminentemente qualitativa. A delimitação espacial dessa investigação restringiu-se às Regiões Metropolitanas de Florianópolis (RMF) e Salvador (RMS), contemplando os três maiores municípios em número de habitantes, excetuando os respectivos municípios-capitais, sendo analisados: (i) São José, Palhoça e Biguaçu (RMF) e; (ii) Camaçari, Lauro de Freitas e Simões Filho (RMS). A escolha por municípios de uma região metropolitana se deu a partir da concepção da presença de maior similaridade entre eles em relação aos aspectos socioeconômicos em geral, facilitando assim a obtenção de respostas à pergunta de partida anteriormente apresentada.

Os dados foram coletados em 13 de agosto de 2021 nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO), de forma específica do Anexo 06, disponibilizados no Sistema de Informações Contábeis e Financeiros do Setor Público Brasileiro (SICONFI). Considera-se o RREO uma fonte para avaliação da condição financeira, já que contempla um conjunto de 11 anexos que demonstram a execução orçamentária do ente, sob diversos aspectos. Além disso, trata-se de uma exigência legal, cuja publicidade deve ser dada pelo Poder Executivo da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, com os dados consolidados, abrangendo os órgãos da Administração Direta, inclusive dos outros poderes, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre. Já a opção pelo Anexo 06 se deve pelo fato de apresentar o Demonstrativo dos Resultados Primário e Nominal do ente, sendo possível localizar os valores das receitas previstas e realizadas no exercício, dentre as quais as tributárias próprias investigadas no estudo.

As receitas tributárias próprias são aquelas cuja competência para instituir, prever e arrecadar compete somente aos entes preconizados pela Constituição Federal. Assim sendo, estão sujeitas à mobilização do aparato estatal desses entes para sua realização. No caso dos municípios, são consideradas receitas tributárias próprias: a) Impostos (IPTU, ITR, ITBI e ISS); b) Taxas (sobre serviços públicos) e; c) Contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Em se tratando da delimitação temporal, optou-se pelo período de dois anos – 2019 e 2020 – onde o ano de 2019 (ano sem Covid-19) foi tomado como data-base comparativa para o subsequente - 2020 (ano da Covid-19). Os dados de 2019 foram trazidos para valor presente com a utilização do IPCA, a fim de possibilitar as comparações apresentadas nas análises efetuadas a partir das Tabelas 1 e 3. Pressupõe-se que o desempenho efetivo de qualquer valor deve ser fixado por seu crescimento acima da taxa de inflação, ainda que essa possa ser considerada baixa. Para o cálculo dos índices, associou-se às variáveis e indicadores do ano 2019 o valor base 100. Por meio do Quadro 1 são apresentadas as fórmulas utilizadas nas análises horizontal e vertical.

 

Quadro 1. Fórmulas das análises horizontal e vertical

2071.png 

Fonte: Lima e Diniz (2016, p. 95 e 96).

 

Como técnica de análise dos dados optou-se pela análise descritiva. Tal técnica foi aqui empregada para descrição dos dados coletados por meio da construção de tabelas e gráficos. Ainda que as pesquisas a respeito da condição financeira governamental possam ser empreendidas a partir de diferentes perspectivas e técnicas, a perspectiva – receita tributária própria – e as técnicas – horizontal e vertical – escolhidas no estudo podem ter a apresentação dos resultados favorecida pela análise descritiva.

 

 

4 Resultados Empíricos

Nesta seção apresentam-se os resultados empíricos obtidos na investigação. Para cada Região Metropolitana são, inicialmente, demonstradas as informações retiradas do RREO de cada ente; em seguida, apresentam-se as análises horizontal e vertical. Finaliza-se a seção com um comparativo entre as duas Regiões Metropolitanas.

 

4.1 Resultados com a Região Metropolitana de Florianópolis

Na Tabela 1 apresentam-se as receitas correntes e a receita tributária própria para os municípios da RMF investigados, respectivamente nos anos de 2019 e 2020.

 

Tabela 1. Receitas Correntes e Receita Tributária Própria (RMF)

2080.png 

Fonte: Dados da pesquisa (2019-2020).

 

Observa-se para todos os Municípios da RMF que a Receita Corrente aumentou em 2020 quando comparada a 2019 e que no montante geral das receitas tributárias próprias - Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria - somente não se constatou crescimento no Município de São José, onde houve situação de queda de 263 mil para 247 mil. De modo específico, constatou-se que a arrecadação do ISS e do IRRF teve aumento em todos os três entes. Houve queda do IPTU em Biguaçu e Palhoça e do ITBI em São José. Tomando por base os valores identificados por meio da Tabela 1, a seguir evidenciam-se os índices obtidos nas análises horizontal e vertical dos Municípios da RMF.

 

Tabela 2. Análise horizontal e vertical (RMF)

2088.png 

Fonte: Dados da pesquisa (2019-2020).

 

Na análise horizontal, se forem observados apenas os valores totais da Receita Corrente apresentados na Tabela 2, pode-se afirmar, de forma geral, que a pandemia do novo coronavírus parece não ter impactado sensivelmente tais montantes, já que a oscilação foi mínima e semelhante para todos os municípios da RMF no comparativo 2019-2020, com destaque para o Município de Palhoça que obteve o maior incremento (5%). Na sequência e em ordem decrescente estão o Município de Biguaçu com 4% e o Município de São José com 3%. Contudo, essa semelhança não se repete quando se olha para o total das receitas tributárias próprias, pois Biguaçu cresceu 10% e Palhoça 2%, ao passo que São José teve uma queda de 6%. Já no olhar micro, apenas o montante arrecadado em relação ao IRRF aumentou em todos os municípios investigados. A redução mais expressiva foi observada em relação aos Outros Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria ocorrida no Município de São José, na ordem de -41%.

No que se refere à participação total das receitas tributárias próprias (Impostos Taxas e Contribuições de Melhoria) na composição das receitas correntes, a análise vertical revelou que ela é maior em São José, tanto em 2019, quando correspondeu a 35% do total das receitas correntes, como em 2020, ocasião em que essa participação caiu para 32%. É também nesse mesmo ente - São José – que se verifica queda na participação de Outros Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria, de 7% em 2019 para 4% no ano da pandemia. Não se constata grandes oscilações da participação específica de cada tributo no comparativo 2019-2020, todavia, chama a atenção a baixa representatividade do IPTU na receita corrente do Biguaçu, apenas 4%.

 

4.2 Resultados com a Região Metropolitana de Salvador

Como feito em relação à RMF, na Tabela 3 são apresentadas as receitas correntes e a receita tributária própria para os municípios da RMS investigados, tomando-se por base, respectivamente, os anos de 2019 e 2020.

 

Tabela 3. Receitas Correntes e Receita Tributária Própria (RMS)

2095.png 

Fonte: Dados da pesquisa (2019-2020).

 

Observa-se na RMS que a Receita Corrente só obteve aumento no Município de Simões Filho, mas isso não decorre da participação de suas receitas tributárias próprias, visto que houve queda na arrecadação específica de todas elas. A situação de queda na arrecadação geral das receitas tributárias próprias - Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria – e de modo específico na do IPTU, do ISS e em Outros Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria também ocorreu para todos os entes da RMS investigados. O que pode denotar que o aumento apresentado em Simões Filho e a queda mais atenuada em Camaçari e Lauro de Freitas possam ser fruto de diferentes transferências de recursos de outros entes federativos aos mesmos. A partir dos valores identificados na Tabela 3 evidenciam-se na Tabela 4 os índices obtidos nas análises horizontal e vertical dos Municípios da RMS.

 

Tabela 4. Análise horizontal e vertical (RMS)

2101.png 

Fonte: Dados da pesquisa (2019-2020).

 

Na observação a partir da análise horizontal e de forma similar ao feito para a RMF, considerando apenas os valores totais da Receita Corrente apresentados na Tabela 4, verifica-se que o município de Simões Filho apresentou resultado positivo (2%), ao passo que destaca-se negativamente Lauro de Freitas com uma redução de 15% e Camaçari com uma queda de 1%, ao compararmos 2019-2020. Tais achados são mais significativos ao percebermos que nos três municípios analisados há decréscimo na arrecadação total dos Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria e, de modo específico no IPTU e no ISS, destacando-se negativamente mais uma vez o município de Lauro de Freitas, com percentuais negativos, respectivamente de 4%, 12% e 2%.

Observa-se ainda que Lauro de Freitas foi o único da RMS onde se observou queda na arrecadação do ITBI em 2020, que foi na ordem de 2%, contudo se destacou positivamente no IRRF, pois o acréscimo na arrecadação desse específico tributo alcançou 10% em 2020, enquanto em Camaçari esse percentual foi de 4% e em Simões Filho um decréscimo de 7%.

No que se refere aos Outros Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria, onde a queda foi generalizada, a maior ocorreu em Simões Filho, 27%. Dessa forma, parece possível inferir que os impactos da pandemia do Covid-19 já se fazem sentir no contexto vivenciado pelos municípios baianos estudados, tendo em vista a queda na arrecadação de receitas próprias decorrentes da atividade econômica local apresentada.

Quanto à participação das receitas tributárias próprias no total da arrecadação das receitas correntes, tem-se que essa é consideravelmente menor no Município de Simões Filho se comparado aos demais. No ano da pandemia, a participação geral dessas receitas permaneceu a mesma para Camaçari (30%), aumentou de 29% para 33% em Lauro de Freitas e diminuiu de 19% para 17% em Simões Filho. A análise vertical para cada tipo de tributo evidenciada na tabela acima revela também que a participação do IPTU na receita corrente dos entes pesquisados permaneceu a mesma para os dois exercícios e que nos demais itens quando se observa alterações essas são mínimas - entre 1 e 2%.

 

4.3 Comparativo entre as Regiões Metropolitanas Investigadas

No comparativo entre as Regiões Metropolitanas de Florianópolis e de Salvador, a primeira questão que chama a atenção por meio da análise horizontal é o comportamento do valor global da Receita Corrente. Observa-se que a pandemia do novo coronavírus parece não ter influenciado de forma representativa tal montante na RMF, cujo valor aumentou em todos os municípios no comparativo 2019-2020. Por outro lado, esse não foi o comportamento identificado na RMS, já que dois municípios baianos investigados, Camaçari e Lauro de Freitas, apresentaram queda na arrecadação de receitas próprias.

Na análise do valor global dos Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria, o cenário se modifica para a RMF, já que os municípios de Biguaçu e Palhoça continuam apresentando aumentos de arrecadação, enquanto o município de São José apresentou queda de -6%. Na análise da RMS o cenário piora em relação ao observado para as Receitas Correntes, ou seja, identificamos queda de arrecadação no total de receitas tributárias próprias em todos os municípios.

Outro fato que pela análise vertical efetuada chama a atenção, refere-se à participação do total das receitas próprias (Impostos, Taxas e Contribuição de Melhoria) na composição das receitas correntes desses Municípios. Em cada região foi identificado um município que apresenta indício de não mobilizar todo o potencial do aparato governamental para a sua obtenção, Biguaçu (RMF) e Simões Filho (RMS), visto que nos demais entes essa participação está em torno de 30%.

Comportamentos tão distintos são confirmados no olhar detalhado dos itens que compõem os Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria. Enquanto na RMF prevalecem itens de receitas com aumento, com destaque para os valores de ISS e de IRRF que aumentaram em todos os municípios, na RMS ocorreu o contrário, não observando nenhum item de receita com aumento em todos os municípios. Neste caso o “destaque” fica por conta do IPTU e do ISS, cujo comportamento foi de queda em todos os municípios baianos.

Oportuno mencionar que o IPTU e o ISS representam duas fontes importantes de receita tributária própria, sujeitas, respectivamente, ao dinamismo do setor de serviços e do valor dos imóveis, e que podem ser afetadas em um contexto de pandemia. O IPTU, por exemplo, faz parte dos impostos diretos, pois além de considerar o valor do bem, fato que se relaciona com a renda do proprietário, não pode a sua responsabilidade ser transferida a outro. Por outro lado, o ISS é um imposto indireto pois no seu cálculo pondera-se somente o quanto de serviço se consome, ou seja, não há influência da renda do contribuinte.

Quando o foco recai na análise vertical, o comparativo demonstra que em ambas as regiões metropolitanas a presença da pandemia parece não ter “abalado” de forma sensível a participação das receitas tributárias próprias no total da arrecadação das receitas correntes. Isso é confirmado quando é feita a análise vertical para cada tipo de tributo, ou seja, de forma semelhante a pandemia parece não ter modificado o status dos tributos decisivos para manter/sustentar a receita tributária própria.

Diferentes olhares poderão, necessariamente, apresentar resultados diversos. Neste caso, o estudo que mais se aproxima da pesquisa em tela foi aquele desenvolvido por Borges (2020) que analisou o impacto da Covid-19 nas receitas tributárias e na condição financeira dos estados do sudeste brasileiro. Revela a autora que a maioria dos estados não estavam preparados para uma queda na arrecadação tributária, uma vez que dos quatro estados analisados, apenas um possuía condição financeira positiva, outro estava no limite da sua saúde fiscal e os outros dois apresentavam déficit em suas contas governamentais. Relevante destacar que o fato de a pandemia ainda está em transcurso, este estudo possuiu limitações no embasamento teórico dos efeitos causados pela Covid-19 (BORGES, 2020).

 

5 Conclusões, Contribuições e Sugestões de Estudos

O objetivo do estudo consistiu em analisar a condição financeira governamental, segundo a perspectiva da receita tributária própria, de municípios das Regiões Metropolitanas de Florianópolis (RMF) e de Salvador (RMS) no período 2019-2020. Para tal, utilizou-se como ferramentas as análises horizontal e vertical. Assim, identificou-se o quanto os municípios efetivamente arrecadaram por fonte de receita, avaliou-se se houve elevações e quedas na arrecadação, verificou-se o grau de importância dessas fontes na composição da receita corrente municipal, bem como comparou-se o desempenho entre os governos.

Conclui-se, por meio das análise horizontal, que a pandemia do novo coronavírus parece não ter influenciado de forma intensa os valores de arrecadação das receitas investigadas na RMF. Por outro lado, comportamento oposto foi observado com os municípios da RMS. Comportamentos distintos foram confirmados em uma análise detalhada dos itens que compõem os Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria. Na RMF prevaleceram itens de receitas com aumento, já na RMS não foram observados itens de receita com aumento nos municípios pesquisados.

Já no que se refere à análise vertical, entende-se que a pandemia não modificou de forma expressiva o status dos tributos decisivos para sustentar a receita tributária própria em ambas as regiões metropolitanas investigadas. Todavia, julga-se importante que sejam feitas análises posteriores e/ou acompanhamento destas receitas para o ano de 2021, em termos horizontais e verticais, para confirmar estes comportamentos e/ou identificar novas características.

Estudos desta natureza abrem oportunidades para contribuições de ordem teórica e prática. Do ponto de vista teórico, o estudo inova no objeto de investigação sob várias perspectivas, com destaque para a análise da condição financeira governamental por meio da receita tributária própria e o estudo com regiões metropolitanas. Em termos práticos, o estudo contribui com um diagnóstico em meio ao cenário da pandemia do novo coronavírus, demonstrando aos gestores em medida tal contexto pode influenciar ou não a arrecadação de receitas, no caso em tela a arrecadação da receita tributária própria.

Julga-se que este estudo abre um espectro de oportunidades de pesquisas, tanto em termos de objeto empírico quanto na ótica de perspectivas de análises da condição financeira governamental. Primeiramente, e com a intenção de buscar novos comparativos, estudos com outras regiões metropolitanas são encorajados. Como o foco aqui foi as regiões metropolitanas, pesquisas com municípios fora deste circuito também são sugeridas, além da possibilidade de trabalhar com outro ente: os Estados. Outros tipos de receitas, que não a receita tributária própria, também podem ser pesquisados, bem como os diferentes tipos de despesa.

 

Referências

ARAÚJO, R. A. M.; LEITE, K. K. M.; LEITE FILHO, P. A. M. Influência da Condição Financeira nas Subvenções Governamentais dos Estados Brasileiros em Cenário de Crise Econômica. Enfoque Reflexão Contábil, v. 38, n. 3, p. 1-18, 2019.

BORGES, M. G. B. Impactos da Covid-19 nas Receitas Tributárias e na Condição Financeira dos Estados do Sudeste do Brasil. In: USP INTERNATIONAL CONFERENCE IN ACCOUNTING, 20., 2020. Anais... São Paulo: FEA/USP, 2020.

BROWN, K. W. The 10-point test of financial condition: toward an easy-to-use assessment tool for smaller cities. Government Finance Review, v. 9, n. 6, p. 21, 1993.

DANTAS JUNIOR, A. F.; DINIZ, J. A.; LIMA, S. C. A Influência do Federalismo Fiscal sobre o Estresse Fiscal dos Municípios Brasileiros. Advances in Scientific and Applied Accounting, v. 12, n. 3, p. 62-78, 2019.

DINIZ, J. A. Proposta de uma Metodologia para a Avaliação da Condição Financeira Municipal: o Test 10-Point no caso brasileiro. In: ENCONTRO DA ANPAD, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2007.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos municípios brasileiros 2009. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/ Acesso em: 04 fev. 2022.

LIMA, S. C. de; DINIZ, J. A. Contabilidade pública: análise financeira governamental. São Paulo: Atlas, 2016.

LIMA, A. C. S.; ALBUQUERQUE, F. D. S.; CORREIA, J. J. A. Fatores que Influenciaram a Condição Financeira dos Estados Brasileiros Antes e Após o Auge da Crise Econômica de 2014. Revista Capital Científico - Eletrônica, v. 17, n. 4, p. 27-43, 2019.

NOBRE, C. J. F.; DINIZ, J. A.; ARAÚJO, R. J. R. de. A Condição Financeira Governamental e sua Influência na Transparência da Gestão Pública Municipal. In: USP INTERNATIONAL CONFERENCE IN ACCOUNTING, 19., 2019. Anais... São Paulo: FEA/USP, 2019.

RAUPP, F. M. et al. Condição financeira governamental local em tempos de Covid19: um estudo com municípios das regiões metropolitanas de Florianópolis e de Salvador. In: Seminários em Administração - SemeAd, 14., 2021, São Paulo. Anais… São Paulo: FEA/USP, 2021.

SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Sistema de Informações Contábeis e Financeiros do Setor Público Brasileiro (SICONFI). Área Pública. Disponível em: https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/pages/public/declaracao/declaracao_list.jsf. Acesso em: 13 ago. 2021.

SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de contabilidade aplicada ao setor público: aplicado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional. 8. Ed. Brasília. 2018. Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:31484 Acesso em: 04 ago. 2021.

SOUSA, K. M.; LEITE FILHO, P. A. M.; PINHANEZ, M. M. S. F. Condição Financeira e os Fatores Socioeconômicos dos Municípios Brasileiros. Pensar Contábil, v. 21, n. 75, p. 16-27, 2019.

SOUZA, F. J. V.; ANDRADE, A. P. F.; SILVA, M. C. Eficiência na alocação de recursos públicos destinados ao ensino fundamental: um estudo da sua relação com a condição financeira de municípios brasileiros. Contexto - Revista do Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade da UFRGS, v. 15, n. 31, p. 81-99, 2015.

WANG, X.; DENNIS, L.; TU, Y. S. Measuring financial condition: a study of US states. Public Budgeting & Finance, v. 27, n. 2, p. 1-21, 2007.

YOSHIMOTO, W. M. Região Metropolitana de Goiânia (RMG): os Desafios da Integração. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) – Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA), Goiânia. 2021.



Direitos autorais 2023 Fabiano Maury Raupp, Ana Rita Silva Sacramento, Denise Ribeiro de Almeida, Antônio Almeida Lyrio Neto

Revista Capital Científico – Eletrônica (RCCe) Rua: Padre Salvador, 875 – Bairro Santa Cruz CEP: 85015-430  Guarapuava-Paraná-Brasil Campus Santa Cruz – Editora UNICENTRO ISSN  2177-4153 (Online)

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 3.0 Unported License.