Alfabetização financeira no contexto familiar: uma análise sob a ótica de clusters de pesquisas
Financial literacy in the family context: an analysis from the perspective of research clusters
Leinad Carvalho da Silva1, Débora Gomes de Gomes2 e
Anderson Betti Frare3
1 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil, Mestrado em Contabilidade, e-mail: leinad@furg.br
2 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil, Doutorado em Ciências Contábeis, e-mail: debora_furg@yahoo.com.br
3 Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, Doutorado em Contabilidade, e-mail: anderson_betti_frare@hotmail.com
Recebido em: 23/03/2022 - Revisado em: 01/08/2022 - Aprovado em: 06/03/2023 - Disponível em: 01/04/2023
Resumo
A presença da Alfabetização Financeira se faz relevante no planejamento e na gestão das finanças das famílias. Nesse sentido, o objetivo desse estudo é analisar, sob a ótica de Clusters de pesquisa, o perfil das publicações pertencentes a Alfabetização Financeira no âmbito familiar, no período de 2010 a 2020. Esta pesquisa é descritiva e quantitativa e a base de dados utilizada foi a Web of Science. Foram mapeados 2.737 materiais científicos, que após o refinamento restou 62 artigos, objeto da análise deste estudo. O software utilizado foi o CitNetExplore. Os achados demonstram que Annamaria Lusardi, Jeanne Hogart e Daniel Fernandes se destacaram como principais autores e foram responsáveis pelo desmembramento da rede de publicações em três clusters. Levando-se em conta as duas dimensões da Alfabetização Financeira – conhecimento financeiro pessoal/educação financeira e aplicação destes na gestão das finanças pessoais – denota-se que as temáticas se encontram em estágio incipiente e sinalizam oportunidades de pesquisa.
Palavras-chave: Alfabetização Financeira familiar. Cluster. CitNetExplorer.
Abstract
The presence of Financial Literacy is relevant in the planning and management of family finances. In this sense, the objective of this study is to analyze, from the perspective of Research Clusters, the profile of publications pertaining to Financial Literacy within the family, from 2010 to 2020. This research is descriptive and quantitative, and the database used was the Web of Science. A total of 2,737 scientific materials were mapped, which after refinement left 62 articles, object of analysis in this study. The software used was CitNetExplore. The findings show that Annamaria Lusardi, Jeanne Hogart and Daniel Fernandes stood out as the main authors and were responsible for breaking up the network of publications into three clusters. Considering the two dimensions of Financial Literacy – personal financial knowledge/financial education and their application in the management of personal finances – it is evident that the themes are in an incipient stage and indicate research opportunities.
Keywords: Family Financial Literacy. Cluster. CitNetExplorer.
1 INTRODUÇÃO
Estudos relacionados a Alfabetização Financeira ganharam espaço, principalmente no cenário internacional. Nos Estados Unidos, essa temática obteve destaque com o Smith-Lever de 1914, Lei que estimulou pesquisas sobre o tema no âmbito da economia familiar (home economics). Além disso, a crise financeira ocorrida em 2008 também estimulou a importância da gestão financeira pessoal (BORGES; BOTELHO, 2020).
No Brasil, o campo da Alfabetização e da Educação Financeira obtiveram maior atenção após o Plano Real, em 1994, o qual incentivou os brasileiros a refletirem na possibilidade de mudanças na forma de conhecer e se ater para a gestão das finanças pessoais (LIZOTE; VERDINELLI, 2014; SILVA et al., 2017).
A Alfabetização Financeira pode ser entendida como a capacidade da utilização dos conhecimentos relacionados a finanças, juntamente com habilidades diversas, que possam promover o alcance da gestão dos recursos financeiros de forma eficaz e viabilizar o bem-estar financeiro próprio (HUNG; PARKER; YOONG, 2009). Ainda, permite definir como os indivíduos estão aptos para gerir de forma correta os seus recursos financeiros (NASCIMENTO et al., 2016).
A Alfabetização Financeira vai além da Educação Financeira que significa ter os conhecimentos específicos e aplicá-los na prática. Nesse quadrante, a Alfabetização financeira está conectada a inserção da Educação Financeira na rotina de vida, ainda, se atenta em promover de maneira eficaz a tomada de decisões (POTRICH; VIEIRA; KIRCH, 2015). Os principais aspectos da Alfabetização Financeira estão relacionados ao “sexo, educação, renda, investimentos domésticos, conhecimento financeiro, atitude financeira e comportamento financeiro” (SANTINI et al., 2019, p. 1464).
No que tange as Finanças Comportamentais, está pode ser definida como “o estudo de como a psicologia afeta a tomada de decisões e os mercados financeiros” (BARBEDO; CAMILO-DA-SILVA, 2008, p. 99). Tal campo de pesquisa busca compreender o comportamento dos investidores e entender esse comportamento pode impactar o mercado financeiro (BERNSTEIN, 2008).
Em estudos relacionados ao tema, Vieira e Pereira (2009) realizaram um mapeamento da produção brasileira acerca das Finanças Comportamentais, os autores analisaram as publicações de três eventos e quatro periódicos científicos relacionados as áreas de finanças e administração, referentes ao período de 2001 a 2007. Silva, Santos e Pereira (2018) realizaram uma pesquisa bibliométrica na área das Finanças Comportamentais, cuja base de dados foi constituída por 61 revistas e 132 artigos de nível nacional no período de 2007 a 2017.
Vale destacar que o campo das Finanças Comportamentais está conectado a outros conceitos, como capacidade financeira, educação financeira, alfabetização financeira e assim por diante. Nessa direção, através de pesquisa bibliométrica, Ribeiro, Rizzo e Scarausi (2020) verificaram como como a Educação Financeira foi abordada e estudada no meio científico, por meio da base de dados do portal de periódico Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL), no período de 2005 a 2019. Já Medeiros e Medeiros (2017) analisaram a produção acadêmica sobre Educação Financeira e Finanças Pessoais em eventos brasileiros de administração, realizados no triênio 2012 a 2014.
Por sua vez, contribuindo com estudos bibliométricos, Borges e Botelho (2020), analisaram a produção científica internacional acerca da Alfabetização e da Educação Financeira, por consulta na base de dados Web of Science (WoS), no período de 2010 a 2019. Goyal e Kumar (2021) utilizaram a mesma base de dados para realizar uma revisão dos artigos sobre Alfabetização Financeira publicados em periódicos revisados por pares, durante o período de 2000 a 2019.
Diante desse contexto, vale destacar que a Alfabetização Financeira é considerada um fator essencial perante as finanças domésticas, que por sua vez, viabiliza o planejamento das finanças das famílias (BERNHEIM, 1995; LUSARDI; MITCHELL, 2007). Ademais, a Alfabetização Financeira incentiva o interesse e a capacitação das famílias no investimento em bolsas de valores, fundos mútuos e aposentadoria (CHRISTELIS; JAPPELLI; PADULA, 2010). Outro aspecto importante é a socialização financeira familiar, pois, o ensino financeiro por parte dos pais apresenta impacto positivo sobre o comportamento financeiro dos filhos (ZHU, 2018).
No entanto, os estudos pregressos citados negligenciaram o estudo da Alfabetização Financeira dentro do escopo de aspectos familiares. Além disso, os estudos anteriores tiveram escopos limitados em termos de eventos, revistas científicas e o escopo temporal já não se encontra plenamente atualizado. Deste modo, visando preencher as lacunas mencionadas, o estudo propõe o seguinte objetivo de pesquisa: analisar, sob a ótica de Clusters de pesquisa, o perfil das publicações pertencentes a Alfabetização Financeira no âmbito familiar, no período de 2010 a 2020. Para tanto, considera-se em termos mais amplos, a base de publicações da Web of Science (WoS), a partir de critérios de seleção e escolha de artigos, tudo isso destacado na seção metodológica deste estudo.
O estudo justifica-se devido à ausência do tema em estudos correlatos, além disso, visa complementar os estudos existentes, mapeando os últimos dez anos da discussão acadêmica acerca de tal temática, com o auxílio do software CitNetExplorer, constituindo uma base de dados abrangente. Tal temática se faz relevante, pois, a Alfabetização Financeira incentiva o comportamento financeiro e estimula a maximização dos resultados das finanças pessoais (HANSON; OSLON, 2018). Além de ser reconhecida mundialmente como um elemento pertinente para estabilização do desenvolvimento econômico e financeiro (OECD, 2013).
Esse estudo almeja contribuir com a literatura, ou seja, ampliar o escopo para o cenário internacional, conforme sugerido por Silva, Santos e Pereira (2018), e fomentar novas discussões, além de realizar o levantamento do que vem sendo observado pelos pesquisadores e auxiliar futuras pesquisas, demonstrando os campos que ainda não foram tratados.
Quanto à estrutura, esse estudo foi organizado em cinco seções. Sendo a primeira de caráter introdutório, a segunda apresenta o referencial teórico. A terceira refere-se aos procedimentos metodológicos adotados. Na sequência, a quarta seção diz respeito à análise dos resultados. Logo, na quinta seção constam as considerações finais.
2 ALFABETIZAÇÃO FINANCEIRA
A literatura depreende que existem dissemelhanças entre os termos Educação Financeira e Alfabetização Financeira, então, é comum que ambos sejam utilizados de maneira sinônima (POTRICH; VIEIRA; KIRCH 2015). Como breve explicação, vale destacar a diferença entre esses termos, assim, a Educação Financeira está conectada a lembranças de fatos relacionados ao conhecimento financeiro, que ocorreram em algum episódio da vida (SAVOIA; SAITO; SANTANA, 2007; POTRICH; VIEIRA; KIRCH 2015). Por sua vez, a Alfabetização Financeira abarca um contexto mais amplo, pois, vai além da Educação Financeira e incorpora a atitude e o comportamento financeiro (POTRICH; VIEIRA; KIRCH 2015; AMAGIR et al, 2018).
A Alfabetização Financeira pode ser definida por diversas formas e dimensões, porém, na maioria das vezes é estabelecida como “a capacidade dos indivíduos de obter, compreender e avaliar as informações financeiras, as quais são necessárias para a tomada de decisão eficaz, visando à gestão adequada e o futuro financeiro do indivíduo” (POTRICH; VIEIRA; KIRCH, 2016, p. 155).
Ainda, a Alfabetização Financeira está relacionada a outros conceitos, como capacidade financeira, educação, conscientização entre outros. Dessa forma não basta ter apenas conhecimentos básicos sobre finanças é necessário que se reflita sobre aspectos do comportamento financeiro (ATKINSON; MESSY, 2012). O indivíduo é considerado alfabetizado financeiramente quando ele conhece, compreende e tem habilidade para cuidar das suas finanças pessoais, para tal, essas características devem refletir no seu comportamento, caso contrário, será financeiramente incapaz (GOYAL; KUMAR, 2021).
Clark, Morrill e Allen (2012) explica que a falta de conhecimento financeiro pode ser prejudicial e pode provocar efeitos negativos, como por exemplo, decisões errôneas acerca de investimentos, excesso de consumo, insegurança em relação ao risco e ao retorno de produtos de investimento. Nesse contexto, a Alfabetização Financeira age de forma positiva e apresenta bons resultados nos segmentos de mercado de ações (VAN ROOIJ; LUSARDI; ALESSIE, 2011), no uso do cartão de crédito (XIAO; SHERIDO; SHIM, 2012), no planejamento da aposentadoria (CLARK; MORRILL; ALLEN, 2012), na economia pessoal (JAPPELLI; PADULA, 2013) e nas hipotecas (DUCA; KUMAR, 2014).
No âmbito social, as forças que incentivam a Alfabetização Financeira são a escola, o trabalho e a família (HANSON; OLSON, 2018). Dal Magro et al. (2018) depreendem que na infância se inicia o aprendizado sobre os recursos financeiros, pois, as crianças observam e acompanham o comportamento dos pais. Estudos constataram que a participação dos pais é essencial na socialização financeira dos jovens (KOONCE et al., 2008; SHIM et al., 2009; SHIM et al., 2010).
Pesquisas encontraram premissas de que aqueles que tomam decisões acerca de suas finanças pessoais de forma consciente e estabelecem suas metas de forma responsável, provavelmente tiveram informações financeiras de suas famílias (KOONCE et al., 2008; SHIM et al., 2010; HANSON; OLSON, 2018). Assim, depreende-se que a família representa um papel importante na constituição do perfil de consumo do jovem, considerando que orientações sobre poupar dinheiro e consumir de forma consciente podem ser essenciais no comportamento financeiro do jovem quando esse atinge a vida adulta (WEBLEY; NYHUS, 2006).
Ao evidenciar a relevância da temática supracitada, pesquisas diversas objetivaram revisar diversas literaturas sobre o assunto, como os estudos descritos a seguir. Medeiros e Medeiros (2017) analisaram a produção acadêmica sobre o tema educação financeira e finanças pessoais nos eventos, ADMpg, CNEG, Convibra, Enangrad, SEGeT e SemeAd, todos relacionados ao campo da Administração, ocorridos no triênio 2012-2014, em que por meio da bibliometria foram analisados 33 artigos. Os achados demonstraram que os principais autores citados foram Gustavo P. Cerbasi e Annamaria Lusardi. Com relação a produção científica os autores destacados foram Alberto Shigueru Matsumoto, Abdelkader Bourahli e Kelmara Mendes Vieira. Os autores concluíram que a presença dos temas finanças pessoais e educação financeira ainda são escassos nos eventos brasileiros na área de Administração, além disso, constataram que as pesquisas são realizadas por um grupo com poucos autores.
No cenário de produção científica nacional, sobre finanças comportamentais, Vieira e Pereira (2018) evidenciaram que o tema se destacou, entre 2001 e 2007, nas publicações veiculadas no Encontro Brasileiro de Finanças da Sociedade Brasileira de Finanças (SBFIN) e no Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), com 70% das publicações. De acordo com os o crescimento da publicação em eventos não foi acompanhado pelas revistas, geralmente associadas a um maior rigor metodológico, o que sugere uma necessidade de melhoria da qualidade da publicação na área, da época.
Silva, Santos e Pereira (2018), em estudo semelhante, voltado às finanças comportamentais, constataram que de 2007 a 2017 houve um aumento de 20% nas pesquisas brasileiras sobre a temática e que estavam voltados para a replicação dos estudos de Kahneman e Tversky em um público de pesquisa concentrado em estudantes universitários. Os autores destacaram que o aumento na quantidade de publicações não foi acompanhado pela qualidade, verificado pela qualidade dos periódicos utilizados na veiculação.
Ribeiro, Rizzo e Scarausi (2020) identificaram publicações relacionadas a educação financeira, entre os anos de 2005 e 2019, por meio de uma análise bibliométrica, na base de dados do portal de periódicos Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL), que encontrou 26 artigos. Os achados indicam que houve maior publicação referente ao tema nos anos de 2017 e 2018, 72 autores variados estudaram o tema, no entanto, apenas 2 desses publicaram mais de um artigo, os autores observaram que grande parte das publicações foram oriundas de Universidades Federais.
O estudo bibliométrico de Borges e Botelho (2020) analisou a produção científica internacional sobre o tema educação e alfabetização financeira no período de 2010 a 2019, por intermédio da base de dados Web of Science (WoS), que retornou um total de 959 artigos. Através da utilização do software HistCite os autores constataram que dentre os países que foram analisados na pesquisa, o que representou mais produtividade foi os Estados Unidos da América, com a publicação de 407 artigos, ou seja, 42,4% da amostra. O periódico Journal of Consumer Affairs foi o mais destacado da amostra, com um fator de impacto de 2.038, as pesquisas são de cunho multidisciplinar e abrangeram assuntos relacionados aos consumidores no ambiente de mercado e tomada de decisões no ambiente familiar. A temática tratada não possui periódicos específicos, pois se trata de um assunto multidisciplinar, no que concerne as autorias, os pesquisadores mais destacados nas publicações foram Annamaria Lusardi, com 22 artigos, Olivia S. Mitchell, com 16 artigos, Jing Jian Xiao, com 13 artigos.
Goyal e Kumar (2021) realizam uma revisão de 502 artigos publicados em periódicos revisados nos períodos de 2000 a 2019. Os temas investigados pelos autores foram, níveis de educação financeira entre classes sociais distintas, a influência que a educação financeira exerce sobre o planejamento e o impacto da educação financeira no comportamento financeiro. Além disso, os autores identificaram alguns temas emergentes, como: capacidade financeira, inclusão financeira, diferença financeira entre os sexos, fiscalização financeira, alfabetização de seguros e educação financeira digital.
Dentre os achados encontrados por Goyal e Kumar (2021) destaca-se a confirmação de que o tema da alfabetização financeira é um assunto multidisciplinar, pois, está conectado não apenas aos negócios e a economia, além disso também se conecta as áreas como educação, serviço social, gerontologia, psicologia e estudos familiares.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Quanto aos objetivos, essa pesquisa é descritiva, pois sua intenção é apresentar as peculiaridades das produções científicas sobre a Alfabetização Financeira. Para sanar o problema de pesquisa utilizou-se procedimentos metodológicos de cunho quantitativo, considerando que, sua aplicabilidade se faz presente em análises e comparações tratadas de forma estatística (MARTINS; THEÓPHILO, 2009).
Quanto aos procedimentos de realização do estudo utilizou-se a bibliometria, esta viabiliza a construção de indicadores sobre vários assuntos, como: tecnologias, publicações, crescimento de informações científicas e inovação. Ademais, está conectada ao uso da contabilização, também, realiza verificação e métodos de cálculo. Além de viabilizar o levantamento teórico acerca da temática tratada no intuito de obter informações sobre o assunto (MICHEL, 2009).
A base utilizada para coleta de dados foi a Web of Science (WoS) - Coleção Principal (Clarivate Analytics), levando em consideração a sua relevância, utilização e qualidade manifestada no meio acadêmico (LOPES et al., 2012; FRARE et al., 2021). Ademais, tal base de dados possui caráter multidisciplinar e abrange periódicos influentes em suas áreas peculiares (BORGES; BOTELHO, 2020). O Web of Science possibilita uma ampla rede de referências e possui compatibilidade com o software CitNetExplorer, programa que permite recuperar metadados sobre cada registro, como: resumo, título, data da publicação, periódico, autores e idioma.
A coleta de dados ocorreu em de outubro de 2020, da seguinte forma: por acesso ao Portal de Periódicos da CAPES, acessando à coleção principal da WoS, onde, no campo pesquisa básica, os termos procurados foram “financial literacy” OR “Alfabetização Financeira”. Optou-se por utilizar operador de frase exata - aspas (“”) para os termos pesquisados, pois, essa opção retorna pontualmente a expressão desejada, na ordem literal dos termos pesquisados. Ainda, foi feito uso do operador booleano – OR (ou), na intenção de promover a união entre os termos chave, além de proporcionar utilidade na busca por expressões com sentido aproximado ou expressões semelhantes (COLEPICOLO, 2014). Por conseguinte, foram selecionados o período de 10 anos de pesquisa, ou seja, de 2010 a 2020.
Dessa forma, foram obtidos 2.737 resultados, na sequência, para fins de refinamento, na categoria do Web of Science, foi escolhida a opção - Family studies, que retornou 67 artigos. No próximo passo foram selecionadas as opções early access e review para exclusão, restando 62 artigos para compor a amostra. Vale destacar a relevância de proceder tal exclusão das publicações, pelo fato de que o acesso ainda não foi liberado, trata-se de publicações mais recentes, refere-se ao ano corrente, como por exemplo, pesquisas em vias de publicação.
Por intermédio do software CitNetExplorer foram consideradas para análise as variáveis: evolução temporal, periódicos, autores, citações e redes de colaboração. Vale observar que tal software se concentra em redes de citações diretas (VAN ECK; WALTMAN, 2014).
O software CitNetExplorer posiciona cada publicação na rede a um ponto, sendo localizado nas dimensões horizontal e vertical. Com efeito, a dimensão horizontal de uma publicação demonstra suas relações de citações com outras publicações. Enquanto a dimensão vertical determina o ano da publicação e as linhas e curvas sinalizam a relação de citação. No tocante as citações, essas estão indicadas na direção ascendente, ou seja, a publicação citada está localizada na posição de antecedência a publicação que a citou (VAN ECK; WALTMAN, 2014).
4 RESULTADOS
Para fins de informações gerais, vale destacar que a primeira publicação ocorreu em 2003, pelos autores Hogarth, J. M., Hilgert, M. A., e Beverly, S. com o artigo intitulado Household financial management: The connection between knowledge and behavior. Na sequência, a Figura 1 demonstra a evolução temporal dos artigos acerca do tema Alfabetização Financeira.
Figura 1 - Produção Científica Temporal
Fonte: Dados da pesquisa.
A partir da Figura 1, se torna possível observar que o número de publicações aumentou ao decorrer dos anos, de maneira gradativa. Nesse contexto, vale destacar os achados de Viera e Pereira (2009) e Silva, Santos e Pereira (2018) que vão na mesma direção em relação ao aumento de publicações, também Borges e Botelho (2020), que detectaram que a produção científica sobre Alfabetização e Educação financeira aumentaram quase o dobro de 2014 para 2015 e acentuou-se nos últimos cinco anos até 2019. Goyal e Kumar (2021) também encontraram evolução das publicações acerca da Alfabetização Financeira no período 2000 a 2019. Os autores inferem que esse aumento ocorreu devido à crise financeira global de 2008, que incentivou o interesse de aprendizado da sociedade sobre educação financeira e a proteção ao consumidor (OCDE, 2009).
Ribeiro, Rizzo e Scarausi (2020) também perceberam aumento de publicações relacionadas a Educação Financeira a partir do ano de 2011, com atenção especial ao ano de 2017 que obteve um aumento de 20%. Medeiros e Medeiros (2017) seguem a perspectiva de crescimento de publicações relacionadas às temáticas Educação Financeira e Finanças Pessoais no triênio de 2012 e 2014.
A Tabela 1 apresenta os periódicos que tiveram mais publicações, iniciando pelo Journal of Family and Economic Issues, com 32 artigos publicados, de forma crescente, entre os anos de 2011 e 2020, porém, constatou-se que os anos 2019 e 2020 apresentaram um número maior de publicações. Na sequência o periódico Jornal Family & Consumer Sciences Research apresenta o quantitativo de 10 publicações, sendo a maioria no ano de 2017, por conseguinte o Children and Youth Services Review apresenta 5 publicações entre o período 2017 a 2019.
Tabela 1 – Periódicos e quantitativo de publicações
Fonte: Dados da pesquisa.
Observa-se que além dos três periódicos mencionados anteriormente, os demais apresentaram equivalência na quantidade de publicações. O líder do ranking, o Journal of Family and Economic Issues, também obteve destaque nos achados de Borges e Botelho (2020), sendo o quinto colocado com maior número de publicações, na época com 18 artigos. Já o Journal of Consumer Affairs foi o destaque da pesquisa de Borges e Botelho (2020) com 44 artigos publicados e da pesquisa de Goyal e Kumar (2021) com 64 artigos.
Quanto à autoria dos artigos destaca-se maior presença dos autores LeBaron, Zhu e Lusardi e Michell, os demais autores apresentaram número de publicações proporcionais. Foram encontrados 62 estudos, nos quais, foram divididos em três principais clusters compostos por uma rede citação. Assim, cada cluster representa as publicações que estão diretamente associadas em termos de relações de citação. Van Eck e Waltman (2014) depreendem que geralmente os clusters podem servir como forma representativa de tópicos na literatura científica.
Tendo em vista a periodicidade de 10 anos de publicação, a partir da Figura 2, pode-se verificar os clusters representados por três cores distintas e seus respectivos autores principais. O primeiro cluster está representado pela cor azul e a autoria principal é de Annamaria Lusardi, o segundo cluster é representado pela cor verde e autoria principal é de Jeanne Hogart e o terceiro e último cluster pela cor roxa e pelo autor principal Daniel Fernandes. Os autores cuja sinalização aparece na cor cinza não fazem parte de nenhum cluster.
Figura 2 – Clusters da pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa.
A Figura 3 demonstra o primeiro cluster que é composto por 23 publicações e 65 citações, a autora principal é Annamaria Lusardi. Outros achados indicam a influência da autora como especialista na área, pois, publicou amplamente em Alfabetização e Educação financeira e Segurança Social, sendo considerada a mais produtiva (BORGES; BOTELHO, 2020; GOYAL; KUMAR, 2021) e a mais citada (GOYAL; KUMAR, 2021).
Figura 3 – Primeiro Cluster da pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa.
A Figura 4 apresenta a rede de citações da autora Annamaria Lusardi, que por sua vez podem ser observadas na direção ascendente.
Figura 4 - Primeiro Cluster e pesquisas ascendentes e descendentes
Fonte: Dados da pesquisa.
Na sequência o segundo cluster apresentado na Figura 5 é composto por 15 publicações e 23 citações, onde a autora Jeanne Hogarth iniciou os estudos acerca da temática Alfabetização Financeira no de 2003. Tal autora também obteve destaque na pesquisa de Goyal e Kumar (2021) em que indicou correlação positiva entre conhecimento financeiro e práticas de gestão financeira.
Figura 5 - Segundo Cluster da pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa.
Na Figura 6 apresenta-se os autores que citaram a publicação percussora de Jeanne Hogarth. Percebe-se um fluxo de pesquisa crescente, principalmente a partir de 2010. Em especial, diversos estudos surgiram a partir de 2014, indicando a contemporaneidade da literatura que se baseia na obra em questão.
Figura 6 - Segundo Cluster e pesquisas ascendentes e descendentes
Fonte: Dados da pesquisa.
A Figura 7 ilustra o terceiro e último cluster da pesquisa que possui 15 publicações e 19 citações, cuja autoria principal é de Daniel Fernandes.
Figura 7 - Terceiro Cluster da pesquisa
Fonte: dados da pesquisa.
Borges e Botelho (2020) detectaram que o autor Daniel Fernandes possui destaque de citações referente ao artigo Financial literacy, financial education, and downstream financial behaviors. Os achados de Goyal e Kumar (2021) evidenciam que tal artigo defende que as intervenções de educação financeira têm um efeito insignificante na melhoria do comportamento financeiro, com efeitos ainda mais fracos em grupos de baixa renda.
A Figura 8 exibe as publicações antecessoras e sucessoras de Daniel Fernandes.
Figura 8 - Terceiro Cluster e pesquisas ascendentes e descendentes
Fonte: Dados da pesquisa.
Diante do exposto, após o estudo bibliométrico pode-se inferir que existe uma deficiência consistente de pesquisas acadêmicas relacionadas ao tema. Estudos sobre Alfabetização e Educação financeiras estão em um estágio inicial de desenvolvimento (BORGES; BOTELHO, 2020). Ainda, os temas Finanças Pessoais e Educação Financeira se encontram com abordagens tímidas nos eventos nacionais na área da Administração no Brasil, sendo esses, geralmente pesquisados por um pequeno grupo de autores (MEDEIROS; MEDEIROS, 2017). Ademais, a Educação Financeira ainda é considerada como um tema incipiente (RIBEIRO; RIZZO; SCARAUSI, 2020).
No que concerne a Alfabetização Financeira, Goyal e Kumar (2021) constataram que as populações dos países desenvolvidos e em desenvolvimento estão insatisfatórias com relação ao assunto. Dessa forma, surge um alerta para os formuladores de políticas públicas e as partes interessadas para que essas incentivem melhorias na Educação Financeira, tendo em vista o bem-estar financeiro dos indivíduos e da sociedade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve por objetivo analisar, sob a ótica de Clusters de pesquisa, o perfil das publicações pertencentes a Alfabetização Financeira no âmbito familiar, no período de 2010 a 2020. Para tanto, após a inserção de critérios para busca do portfólio de artigos, na base de dados da Web of Science, este resultou em 2.737 materiais científicos.
Os dados foram analisados com a ajuda do software CitNetExplorer. Após realização dos refinamentos a amostra dessa pesquisa contemplou o total de 62 artigos e demonstra um constante crescimento ao decorrer dos anos. Dentre os principais periódicos, o mais produtivo é o Journal of Family and Economic Issues, pois, esse apresentou o número maior de publicações sobre o tema, ainda, o mais referenciado.
Acerca dos principais autores em destaque tem-se Annamaria Lusardi, Jeanne Hogart e Daniel Fernandes. Tais autores foram responsáveis pelo desmembramento da rede de publicações em três clusters. Assim, mostra-se significante verificar a relevância de aspectos relacionados a rede de colaboração, visto que, demonstra a presença dos autores que trabalham formando grupos de pesquisa e os estruturando em formato de rede. Dessa forma é possível analisar quais são os paradigmas que estão sendo utilizados para contribuir com o desenvolvimento acerca da temática Alfabetização Financeira.
Levando em conta as duas dimensões da Alfabetização Financeira, vale observar que a primeira está conectada ao entendimento que abrange o conhecimento financeiro pessoal ou a educação financeira. A segunda está relacionada a utilização, ou seja, aplicação dos conhecimentos no ato de gestão das finanças pessoais (HUSTON, 2010). Mette e Matos (2015) indicaram que estudos sobre Educação e Alfabetização Financeira ainda é embrionário no Brasil. Nesse quadrante é notável a existência de um vasto campo de pesquisa.
Assim, como limitação esse estudo apresenta uma única base de dados (Web of
Science), no qual futuros estudos podem considerar, por exemplo, a base da Scopus (ex.: FERNANDES et al., 2019). Também não foram analisados profundamente cada artigo, como por exemplo: as abordagens, técnicas e métodos aplicados. Dessa forma, como sugestão de futuras pesquisas, indica-se a análise minuciosa dos aspectos principais de cada artigo.
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