Artigo_5_-_7495

Recebido em: 01/07/2023 - Revisado em: 22/03/2024 - Aprovado em: 22/03/2024 - Disponível em: 31/03/2024

Crises econômicas, política cambial e taxa de câmbio: uma análise do Brasil entre 1994 e 2021

Economic crisis, exchange rate policy and exchange rate: an analysis of Brazil between 1994 and 2021

Juliano Vargas1 e Dayra Leticia da Silva Brito2

1 Universidade Federal do Piaui (UFPI), Brasil, Doutorado em Ciências Econômicas,

e-mail: brazil.juliano@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9766-836X

2 Universidade Federal do Piaui (UFPI), Brasil, Bacharelado em Ciências Econômicas,

e-mail: dayra@ufpi.edu.br, ORCID: https://orcid.org/0009-0002-4128-0654

Resumo

A política cambial é importante para a estabilidade econômico-financeira, impactando diretamente as relações entre um país e o resto do mundo, a forma de atuação no mercado de câmbio, as regras para a movimentação internacional de capitais e da moeda, além da gestão das reservas internacionais. Nesta pesquisa o objetivo geral é analisar – do ponto de vista histórico e por meio da análise de dados oficiais – a política cambial comparando diferentes períodos de 1994 a 2021, com ênfase nos principais efeitos sobre a economia nacional após a crise econômico-financeira mundial eclodida em 2008. Em especial, contrasta-se o desempenho econômico vis-à-vis as oscilações da taxa de câmbio ao longo do tempo, estabelecendo possíveis relações (não causais) com as intervenções realizadas pelos governos de turno. Concluiu-se que, via de regra, as políticas cambiais adotadas durante o período da crise de 2008 foram positivas para a economia do Brasil por terem evitado efeitos ainda mais deletérios. Elas permitiram mitigar os efeitos dessa crise, em especial, por favorecerem a manutenção da estabilidade financeira. Todavia, frisa-se que o momento atual ainda reverbera os acontecimentos da crise econômico-financeira de 2008, com que a crise econômico-sanitária de 2020 recrudesceu problemas socioeconômicos já deflagrados uma década antes – inclusive cambiais com a cotação próxima aos R$ 6,00 para US$ 1,00 entre 2020 e 2022.

Palavras-Chave: Brasil; Crises econômicas; Estado; Política cambial; Taxa de câmbio.

Abstract

Exchange policy is important for economic and financial stability, directly impacting the relationship between a country and the rest of the world, the way it operates in the exchange market, the rules for the international movement of capital and currency, in addition to the management of international reserves. In this study, the general objective is to analyse – from a historical point of view and through the analysis of official data – the exchange rate policy comparing different periods from 1994 to 2021, with emphasis on the main effects on the national economy after the economic-financial crisis. In particular, the economic performance is contrasted vis-à-vis the exchange rate oscillations over time, establishing possible (non-causal) relationships with the interventions carried out by the governments of turn. It was concluded that, in general, the exchange rate policies adopted during the 2008 crisis period were positive for the Brazilian economy as they avoided even more deleterious effects. They made it possible to mitigate the effects of this crisis, in particular, by favouring the maintenance of financial stability – objective of the exchange rate policy. However, it should be noted that the current moment still reverberates the events of the economic and financial crisis of 2008, with which the economic and sanitary crisis of 2020 exacerbated socioeconomic problems that had already erupted a decade earlier – including exchange rates with a quotation close to R$ 6.00 for $1.00 between 2020 and 2022.

Keywords: Brazil; Economic crisis; State; Exchange rate policy; Exchange rate.

1 INTRODUÇÃO 

A política cambial se refere a um conjunto de medidas que determina um regime de taxas de câmbio – flutuante, fixo ou administrado – e regulamenta suas operações. Desse modo, a política cambial define as relações financeiras entre o país e o resto do mundo, a forma de atuação no mercado de câmbio, as regras para movimentação internacional de capitais e da moeda, além da gestão das reservas internacionais (BACEN, 2021).

A política cambial é importante para o objetivo de estabilidade financeira, que deve ser assegurada via quatro objetivos complementares: i) o controle da inflação; ii) o equilíbrio e a competitividade externa; iii) a prevenção de crises; iv) a redução da vulnerabilidade externa. Essa política revela a relação financeira e monetária do país com o resto do mundo, sendo ela decisiva para o nível da taxa de câmbio. Estabilidade financeira é entendida neste artigo como “o regular funcionamento do sistema de intermediação financeira entre famílias, empresas e governo” (BACEN, 2022, não paginado).

Para atingir esses quatros objetivos da política cambial é relevante estabelecer metas bem definidas. Para Prates (2007), é salutar para o controle da inflação resistir-se às oscilações repentinas da taxa de câmbio e à sua volatilidade. Acrescentando-se a isso o acúmulo de reservas internacionais e à manutenção da liquidez nos mercados cambiais em conjunto com a redução da dívida externa, cumprem-se os objetivos de estabilidade financeira e prevenção de crises, bem como a redução da vulnerabilidade externa.

Diante do exposto, surge a seguinte questão: como as políticas cambiais executadas no período de 1994 a 2021 contribuíram para a mitigação dos efeitos da crise econômico-financeira mundial de 2008? Nesse sentido, o objetivo geral nesta pesquisa é analisar – do ponto de vista histórico e por meio da análise de dados oficiais – a política cambial comparando diferentes períodos no lapso temporal discriminado na questão levantada. Há ênfase nos principais efeitos sobre a economia nacional após a crise econômico-financeira mundial eclodida em 2008. A hipótese subjacente é a de que, após a eclosão da referida crise, o conjunto de políticas cambiais adotadas foi positivo para estabilizar a taxa de câmbio.

Diante dos abalos de tal crise, o Brasil buscou estimular a economia tomando uma série de iniciativas. As principais medidas expansionistas da política monetária foram a redução do compulsório e das taxas de juros, além do estímulo ao comércio exterior por meio de linhas de crédito. Na área fiscal, o estímulo econômico se deu principalmente via redução de impostos em áreas específicas e aumento do investimento. Além das medidas de política monetária e fiscal, também se destacaram iniciativas para evitar o contágio de uma recessão, especialmente no incremento da oferta de crédito e na esfera cambial.

De acordo com Bastos e Fontes (2014), para entender as intervenções cambiais no caso brasileiro é fundamental que se conheça esse mercado. Nesse regime de câmbio flutuante, o BACEN não deve intervir na determinação das taxas de câmbio, mas manter a funcionalidade desse mercado que é regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Isso se deve ao fato de a política cambial afetar a sociedade como um todo, com que cabe a cada governo tomar decisões que mantenham a estabilidade no mercado de câmbio.

Assume-se que uma política cambial adequada favorece a manutenção da estabilidade econômica no país, ou seja, ajuda a evitar ou controlar eventuais crises. No Brasil, entre 1994 a 1999, o câmbio era fixo e, a partir de 1999, adotou-se o câmbio flutuante. Desde então, cada governo brasileiro teve maior liberdade para adotar medidas políticas que julgava serem as mais apropriadas na área. Sendo assim, cada governo a partir de 1999 adotou posturas distintas para tentar manter a estabilidade cambial em relação à moeda referência (conversível internacionalmente) – o Dólar dos Estados Unidos (US$) (doravante Dólar).

Esta investigação é relevante para o campo da Macroeconomia, sobretudo para a temática relacionada a política cambial. Assim, justifica-se o esforço de pesquisa aqui envidado no sentido de fomentar esse debate em um horizonte de longo prazo para o caso brasileiro, algo que na atualidade tem sido pouco usual dado que as análises mormente se dão em recortes temporais de curta ou de média duração. Com isso, espera-se contribuir originalmente com a literatura econômica.

Além desta introdução e das considerações finais, esta pesquisa compõe-se de quatro seções. Na seguinte, consta breve revisão da literatura sobre a política cambial no Brasil e no mundo. Depois, constam os aspectos metodológicos dessa investigação. Na sequência, apresenta-se e discute-se de maneira contextualizada os dados oficiais direta ou indiretamente relacionados às cotações cambiais. Então, são analisadas as ações políticas dos governos brasileiros e do BACEN durante as crises que ocorreram entre 1994 e 2021.

2 POLÍTICA CAMBIAL E TAXA DE CÂMBIO NO BRASIL: ALGUNS APONTAMENTOS TEÓRICOS

Para compreender a política cambial brasileira, é oportuno mirar a operacionalidade desse mercado, que é dividido em quatro: à vista, interbancário, derivativos e do exterior (offshore). Deve-se também observar como essas institucionalidades condicionam as políticas de câmbio no Brasil – em especial como estas impactam a taxa de câmbio (ROSSI, 2014).

O mercado de derivativos cumpre a função de fornecer proteção (hegde) para diminuir os efeitos da volatilidade do mercado financeiro, o que pode beneficiar determinado banco em uma posição de mercado à vista no qual este realiza operações de compra e venda em Dólar para descartar o risco de variação cambial. Essa ligação dos mercados de derivativos e à vista ocorre pela mediação exercida pelos bancos. Assim, essas mediações entre bancos é o que chamamos de operacionalidade interbancária, que deve ser acompanhada pelo governo na função de regulador desse mercado (Rossi, 2014; Bruno; Shin, 2015).

O offshore é uma opção para os não residentes responderem (dentro das normas legais) à jurisdição brasileira e não à estrangeira do país com que estão transacionando. Entretanto, há restrições estruturais pela inconversibilidade internacional da moeda brasileira, o que faz com que o Real negociado no exterior seja liquidado em moeda estrangeira. Nesse sentido, Prates (2007) diz que a política cambial deveria tratar das intervenções nos mercados de câmbio à vista e de derivativos, independentemente do mercado monetário, já que tal política trata de qualquer transação que altere a posição líquida em moeda estrangeira do setor público.

A política e as taxas cambiais estão entrelaçadas no âmbito da Macroeconomia, sendo relevante que se compreenda as três balanças que a compõem. A primeira é a balança de pagamentos – compartimenta em outras balanças – do país em que se observa como está se movimentando a economia, ou seja, registra todas as transações econômicas que o país realiza com o resto do mundo – dadas entre residentes (aqueles que tem como principal centro de interesse esse país) e não-residentes. A segunda é a balança comercial (contida na balança de pagamentos), que registra a movimentação das mercadorias, sendo seu saldo líquido a diferença entre as exportações e as importações. Por fim, existe a balança de serviços (também contida na balança de pagamentos), que expressa as transações intangíveis do país. A interpretação conjunta dessas três balanças (a primeira, uma agregação das demais) permite avaliar, por exemplo, se o país produziu, se está ou não com déficit, se tem dívidas, etc. (Paulani; Braga, 2012; Kyle, 2015).

A balança de pagamentos tem seus lançamentos feitos através de moeda estrangeira, o Dólar (a moeda forte – dita conversível – para transações internacionais). Contudo, a moeda usada pelos residentes é o Real e a dos não-residentes são as moedas estrangeiras, havendo a necessidade de toda entrada de divisa no país ser convertida para a moeda nacional. Para isso, deve haver quem opere essas conversões por meio de um parâmetro que é dado pela taxa de câmbio. A taxa de câmbio é o preço da moeda nacional em relação à moeda estrangeira. No caso do Brasil, a taxa de câmbio se dá do Real para o Dólar. Assim, uma elevação da taxa de câmbio significa uma desvalorização e o contrário uma valorização (Paulani; Braga, 2012; Kyle, 2015).

Concluindo, tudo mais constante, desvalorizações cambiais tendem a estimular as exportações e desestimular as importações, ao passo que valorizações tendem a desestimular as exportações e estimular as importações. Note-se que utilizamos permanentemente o termo tudo mais constante (ou coeteris paribus). De fato, o estímulo ou desestímulo às exportações e importações, bem como os resultados efetivamente alcançados por essas operações, dependem não só da política cambial, ainda que essa possa ter papel preponderante, mas igualmente de uma série de outros fatores, como a política tarifária (ou política comercial), a inflação nos países com os quais se realizam as trocas, os ganhos de produtividade nos setores exportadores e as condições de financiamento das operações (Paulani; Braga, 2012, p. 152).

De acordo com Feijó, Nassif e Araújo (2020), com a implementação do Plano Real, em julho de 1994, a taxa de câmbio ficou ancorada no Dólar (em um regime semifixo) sem definições de como ficaria a nova política cambial. De início, o BACEN assumiu o compromisso formal de vender divisas no mercado de câmbio sempre que o limite máximo da paridade fosse alcançado. A partir de março de 1995, passou-se a adotar o sistema de bandas cambiais, ou seja, estabelecia limites mínimos e máximos dentro das quais a taxa de câmbio podia flutuar livremente. Na prática, a regra de bandas cambiais visava a contrabalançar a volatilidade da taxa de câmbio, visto que desde a implementação deste regime a moeda apresentou tendência à depreciação real até 1999.

Se o Plano Real foi bem-sucedido em interromper o processo de alta inflação, a adoção do regime de câmbio semifixo, num contexto de livre mobilidade de capitais e elevada dependência de poupança externa, mostrou-se insustentável. De fato, os sucessivos ataques especulativos sofridos durante as crises do México, em 1995, a asiática em 1997, e russa em 1998, tiveram impacto direto nos influxos líquidos de capitais externos, levando ao abandono do regime de câmbio semifixo em janeiro de 1999 (Feijó; Nassif; Araújo, 2020, p. 8).

Em janeiro de 1999 houve mudança para o regime de taxa de câmbio flutuante, que tinha o objetivo de recuperar a autonomia da política monetária no contexto da estabilidade de preços alcançada após o Plano Real. Nos semestres seguintes, a política monetária passou a ser guiada pelas metas de inflação estabelecidas pelo CMN – com um fluxo médio anual de capitais abundante caracterizando o período (Feijó; Nassif; Araújo, 2020).

Oliveira e Plaga (2011), Paulani e Braga (2012) e Kyle (2015) afirmam que (teoricamente) em um regime de taxa de câmbio flutuante não deveriam ocorrer intervenções no mercado cambial, visto que as forças de mercado deveriam determinar a taxa nominal de equilíbrio baseado em movimentos da oferta e da demanda por moeda estrangeira. Entretanto, os bancos centrais fazem intervenções no mercado de câmbio para corrigir tendências, diminuir a volatilidade cambial e acalmar os mercados em momentos considerados chave. A isso se dá o nome de “flutuação suja”, na qual o banco central de um país intervém eventualmente para evitar alta volatilidade da moeda nacional.

Vale ressaltar que o Brasil (depois de adotar o regime de câmbio flutuante em 1999) passou por ciclos que envolveram apreciação, depreciação, estabilidade e volatilidade intensa de sua moeda. E como nesse regime o seu maior ponto é a flexibilidade, ele está sujeito a choques externos que afetam a economia nacional. Por isso, tem-se de dosar qualquer possível intervenção. No mercado de câmbio brasileiro, a formação do Dólar futuro coloca de um lado os bancos e do outro os estrangeiros e investidores. Da formação das posições de cada um resulta o movimento da taxa de câmbio, podendo acentuar tendências de preço no mercado de câmbio futuro (Rossi, 2015).

No regime de câmbio flutuante (puro) não há intervenção, mas pode-se perceber a ação de alguns instrumentos de regulamentação no Brasil. Por isso que o regime de câmbio efetivamente adotado nesse período pode ser qualificado como de “flutuação suja”, já que houve intervenções indiretas da autoridade monetária para suavizar oscilações (ODA, 2013).

Esse foi o caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF, instituído em 2008), por exemplo, que serviu para o controle das operações de câmbio ao mesmo tempo em que gerou recursos aos cofres públicos. Outros instrumentos surgiram entre 2006 e 2013, quando a política do Banco Central (BACEN) consistiu na absorção do fluxo cambial via compra de reservas e fornecimento de liquidez ao mercado com a venda de Dólares (Rossi, 2015).

A atuação do Banco Central restrita ao mercado à vista tende a ser ineficiente, pois afeta apenas a cotação nesse mercado (não afeta diretamente a especulação, por exemplo). Considerando os mercados de câmbio primário, interbancário, de derivativos e offshore, na figura 1 consta a operação da política cambial.

Figura 1 – Mercados de câmbio e operação da política cambial

Fonte: Rossi (2015, p. 722).

A figura 1, se por um lado denota que a atuação do Banco Central restrita ao mercado à vista tende a ser ineficiente, por outro indica que os swaps cambiais (derivativos financeiros que promovem simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos financeiros entre agentes econômicos) são capazes de afetarem diretamente as raízes da especulação. Assim, tendem a influenciar na formação da taxa futura e evitar a degradação da taxa de câmbio por absorver ou promover a liquidez em Dólar futuro (a parte eficiente da atuação do BACEN), com que suavizando/amenizando a variação cambial (Rossi, 2014).

Nota-se que quando o BACEN usa dessa arbitragem ao comprar Dólar no mercado futuro, ele ganha com uma elevação na cotação cambial (e, ao vender, o contrário acontece). Assim, fazem uma compensação dos bancos no mercado à vista evitando ciclos de especulação da moeda do país (Rossi, 2014).

Foi com essa perspectiva que após a eclosão da crise econômico-financeira de 2008 o BACEN agiu diretamente sobre as causas da depreciação cambial da moeda brasileira, a fim de mitigar seus efeitos deletérios. Segundo Rossi (2014, p. 646):

Desde a crise de 2008 foram utilizadas várias formas de política cambial, como as intervenções no mercado à vista, os swaps cambiais, os leilões de divisas direcionados ao financiamento do comércio exterior, os impostos sobre fluxos financeiros, os leilões de Dólar a termo, os impostos sobre margens de garantia para contratos futuros e os impostos sobre o excesso de posição líquida vendida e sobre a redução de posições compradas em derivativos de câmbio.

Para supervisionar os efeitos dessas políticas, foi relevante a dinâmica do mercado de câmbio e como políticas se formaram e foram colocadas em prática, além de observar a liquidez do mercado futuro e os fatores microeconômicos envolvidos. Com a implantação do IOF, o BACEN passou a fazer tal supervisão. Mas o controle de capitais também afetou as operações futuras e, como o regime cambial era flexível, um ciclo de apreciação do Real com base no mercado futuro (lastreado no Dólar) ficou isento da influência de tais controles (ROSSI, 2014).

Em 2008, o cenário econômico evidenciou uma crise originada no mercado imobiliário estadunidense que rapidamente se espalhou pelo mundo, a chamada crise do subprime. Tal crise foi fruto de uma série de inovações financeiras favorecidas pela desregulamentação do sistema bancário naquele país. O crédito facilitado e os investimentos incertos elevaram a crise nos Estados Unidos (EUA) à categoria de crise econômico-financeira mundial, levando muitas instituições – não somente as financeiras – à falência (Lapavitsas, 2009; Lima; Deus, 2013; Freddo; Tarullo, 2019; Nofal; Vargas, 2022).

Essa crise atingiu o Brasil em um contexto no qual o país vinha apresentando um cenário econômico favorável, com aumento do PIB e das taxas de investimento, diminuição da taxa de desemprego, dentre outros. Com a crise sobreveio a escassez de crédito internacional, sendo este o primeiro e mais imediato efeito, fazendo com que o setor bancário retraísse o crédito nacionalmente. Essa retração provocou redução na demanda interna e trouxe a preocupação com o aumento da inflação. Além disso, houve desvalorização cambial do Real frente ao Dólar e consequente redução nos fluxos de capitais da balança de pagamentos (Lima; Deus, 2013; Cooney; Marquez, 2016; Vargas; Oliveira, 2021).

Para Lima e Deus (2013), Cooney e Marquez (2016) e Vargas e Oliveira (2021), a rápida desvalorização da taxa de câmbio provocou significativa desestabilização na economia brasileira. Sofreram queda as exportações e também a produção no setor automobilístico, de construção civil e agrícola. Então, foram feitas intervenções governamentais com o objetivo de mitigar os efeitos da crise. No Brasil, tentou-se em um primeiro momento aumentar a regulamentação do BACEN sobre a moeda nacional, sem o efeito esperado. Já o estímulo ao mercado interno foi mais efetivo, via expansão de crédito que levou ao aumento do consumo e, consequentemente, à manutenção da renda das famílias.

Depreende-se disso que as políticas cambiais devem ser manejadas para evitar fortes oscilações no mercado de câmbio do país, sustentar uma relativa estabilidade nas relações comerciais com o restante do mundo e, com isso, evitar choques na economia real. Políticas orientadas nessa direção tendem a tornar a moeda nacional menos vulnerável, o que colabora para o desenvolvimento econômico do país.

Desde 1999 a política econômica brasileira assenta-se no chamado “tripé macroeconômico”, que consiste no câmbio flutuante, na meta fiscal e na meta de inflação. Assim, a consistência do tripé depende de que as intervenções no mercado de câmbio sejam realizadas com ponderação, em situações que podem ameaçar a formação de uma taxa de câmbio funcional à economia nacional (Feijó; Nassif; Araujo, 2020).

Todavia, nos anos iniciais do câmbio flutuante no Brasil eram frequentes as intervenções cambiais e o ativismo nas políticas regulatórias e no controle de capitais. Nesses anos, as intervenções tenderam a ser ativas durante ciclos de apreciações e passivas em ciclos de depreciação do Real. Tais intervenções foram justificadas como formas de reduzir a volatilidade e garantir reservas internacionais. Contudo, cada governo vigente até o momento teve autonomia para estabelecer sua política cambial (Bastos; Fontes, 2014).

Segundo Oda (2013) e Levy-Yeyati e Sturzenegger (2016), um regime de câmbio do tipo “flutuação suja” maior liberdade no direcionamento da política cambial, podendo-se elaborar diferentes estratégias de política econômica. Isso favorece, por exemplo, governos que promovam o crescimento via estímulo às exportações com foco na competitividade externa. A efetivação do objetivo dependerá da estratégia das intervenções do mercado de câmbio.

Nesse contexto, Ferreira e Mattos (2018) defendem que cenários financeiros de caráter conjuntural se devem ao fato das economias emergentes (caso do Brasil) apresentarem dependência de capitais externos, o que contribui para a geração de instabilidades e pressões na taxa de câmbio via ameaça da fuga de capitais em momentos financeiramente instáveis. Isso dificulta atrair investidores, já que se apresentam como mercados incertos para investimentos.

De acordo com Nicácio e Rossi (2020), a partir da avaliação dos instrumentos de política cambial e do marco regulatório então vigente, foram identificadas seis fases cambiais de 1999 a 2018, cada uma delas com características próprias. De 1999 a 2002 (fase 1) houve instabilidade externa com reduzida margem de manobra na política cambial – desenhada para que o BACEN atuasse esporadicamente no mercado à vista e se ausentasse no mercado de derivativos de câmbio.

Entre 2003 e 2007 (fase 2) houve um ciclo de maior liquidez internacional e liberalização financeira do mercado de câmbio nacional. Nesses anos a política cambial era gerida com base no objetivo explícito de redução da vulnerabilidade externa e implícito de controle da inflação. De 2008 até 2010 (fase 3) o marco foi a crise econômico-financeira internacional e a adoção do controle de capitais, com o BACEN atuando ativamente no mercado de câmbio via intervenções no mercado à vista e nos swaps cambiais (expedientes já utilizados no pré-crise) e também via novos instrumentos, tais como os leilões de vendas compromissadas de recompra e as operações de empréstimos em moedas estrangeiras (Nicácio; Rossi, 2020).

De novembro de 2011 a junho de 2013 (fase 4), a ênfase do BACEN foi uma política cambial ativa na regulação dos derivativos, já que, dentre a moeda dos países emergentes, o Real foi a que teve a maior valorização cambial entre o segundo semestre de 2009 e meados de 2011. Em seguida, o uso intensivo das operações com swaps cambiais marcou o período de julho de 2013 a março de 2015 (fase 5) como forma de conter uma desvalorização excessiva da moeda brasileira. O BACEN passou a prover oferta diária de liquidez no mercado de câmbio, com retorno das operações com swaps cambiais. Por fim, na fase 6 (de abril 2015 até o fim de 2018) a política cambial saiu de cena, ou seja, a condução da política nesse período ocorreu ao sabor dos eventos conjunturais (NICÁCIO; ROSSI, 2020). Para os autores, a fase 4 foi a de maior destaque porque:

apresentou ineditismo de um conjunto de medidas e uso mais ativo da política cambial, além de menor volatilidade cambial e aparente dissociação do ciclo de liquidez internacional. Dessa forma, o uso de instrumentos de política cambial voltados simultaneamente para os mercados primário, interbancário e de derivativos parecem ter contribuído para a maior estabilidade cambial do período (Nicácio; Rossi, 2020, p. 11).

Observando em conjunto as seis fases citadas anteriormente, percebe-se que a política cambial brasileira passou por momentos distintos, marcados por decisões que tanto impulsionaram o crescimento/desenvolvimento do país quanto levaram à estagnação econômica. Cabe a cada governo em exercício – juntamente com a autoridade monetária – escolher qual o caminho que melhor se adequa à situação conjuntural da nação no sentido de se evitar os efeitos deletérios decorrentes das inevitáveis oscilações dos mercados em geral e do de câmbio em particular.

Resta evidente que o Brasil tem uma realidade em que taxa de câmbio, em geral, não é estável no tempo. O gráfico 1 ilustra a volatilidade cambial anualizada do Real frente ao Dólar, englobando os movimentos explicados nas seis fases descritas anteriormente e também de 1994 a 1999 e de 2018 a 2021.

Gráfico 1 – Volatilidade cambial histórica anualizada (%) do R$ frente ao US$ (01/07/1994-31/12/2021)

Nota 1: cálculo do coeficiente de variação (desvio-padrão/média) feito para uma janela móvel de 100 dias.

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pela Bloomberg (2023).

De acordo com o gráfico 1, o período de 1994 a 1999 parte da maior volatilidade cambial de toda a série (de quase 35%) para de 1996 até as eleições presidenciais de 1999 ficar bastante estável – exceção na série, dado que o Real esteve cambialmente ancorado ao Dólar nesse interregno. Já no período de 2018 a 2021 a maior volatilidade deu-se no ano de 2020, muito por conta do contexto socioeconômico e comercial em meio a pandemia do novo coronavírus.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

Metodologicamente, a abordagem nesta pesquisa é qualitativa documental, pois são consultados dados e indicadores nacionais e internacionais oficiais julgados relevantes para a compreensão da evolução da política cambial brasileira. É também uma pesquisa multidisciplinar, por explorar aspectos históricos, sociológicos e econômicos a fim de se produzir uma análise mais robusta sobre o objeto de estudo. Parte-se de uma revisão bibliográfica com base em fontes secundárias a fim de obter-se embasamento teórico referente à política cambial, valendo-se de materiais como artigos acadêmicos, textos de discussão, livros ou capítulos e outros.

A estatística descritiva auxiliará no exame pretendido. As variáveis selecionadas para análise foram: exportação e importação, taxa de crescimento anual do produto interno bruto (PIB), taxa de câmbio nominal e efetivo real, volatilidade cambial, saldo acumulado da balança comercial, saldo da conta capital financeira, balanço de pagamentos e conta capital financeira, dívida líquida pública total, consumo final das famílias, capital fixo e reservas internacionais. Tais variáveis serão tomadas individualmente e depois analisadas em conjunto para aquilatar o comportamento e a influência da taxa de câmbio na economia brasileira.

O recorte temporal definido para a pesquisa se justifica por, a partir de 1994, ter tido início um novo governo brasileiro em meio a instituição do Real (R$), em vigor até hoje. É interessante observar que desde sua criação até o regime de câmbio flutuante (1999) a moeda nacional esteve ancorada na taxa de câmbio (quase pegging rate frente ao Dólar). Mesmo que ali o câmbio não tenha sido flutuante como nos demais governos analisados neste estudo, considera-se importante tomá-lo como base para as políticas implementadas na sequência da série. Finda-se em 2021 a apresentação de dados, devido à disponibilidade dos mesmos nas bases consultadas.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Nesta seção constam dados oficiais selecionados relativos, direta e indiretamente, à política cambial entre os anos compreendidos entre 1994 e 2021, com o intuito de analisar os efeitos dela decorrentes. Frisa-se que, com isso, não se pretende estabelecer relações causais diretas. Tomemos inicialmente o caso de alguns indicadores macroeconômicos (tabela 1). De modo geral, nota-se ao longo do tempo queda do patamar de crescimento do PIB, aumento da dívida líquida do setor público, estabilidade do consumo final das famílias, queda da Formação Bruta de Capital Fixo e diminuição da variação real anual das reservas internacionais.

Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos (média % anual por períodos selecionados) – Brasil (1994-2021)

Fontes: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo IBGE/SCN Anual (2023) (para PIB, consumo final das famílias e FBKF) e pelo BACEN (2023) (para dívida do setor público e reservas internacionais).

Nota: “...” para valor não disponível.

No gráfico 2 consta o comportamento da balança comercial brasileira (isto é, o saldo entre as exportações e as importações), bem como o comportamento da taxa de câmbio Real/Dólar entre 1994 e 2021 (médias de cada período selecionado). O primeiro aspecto que chama a atenção é o aumento do ritmo tanto das exportações quanto das importações, aliado ao aumento significativo do saldo da balança comercial ao longo do tempo. Comparando o primeiro período da série (1994/97) com o último (2018/21), quadrienalmente as exportações nesse foi 500,67% maior, as importações 380,17% maior e o saldo 2.094,12% maior. Vale destacar que, dos períodos selecionados, apenas houve encolhimento entre períodos nas importações de 2002/2005 (-0,26%), além das exportações (-3,70%) e das importações (-13,11%) de 2014/17 – as importações de 2017/21 foram 4,56% menores do que as de 2010/13, mas 9,84% maiores do que a de 2014/17.

Gráfico 2 – Balança comercial e taxa de câmbio – Brasil (1994-2021, média anual de períodos selecionados)

Nota 1: utilizou-se os dados da taxa nominal de câmbio para venda. Nota 2: em toda esta pesquisa (onde compete) utilizou-se a modalidade Free on Board (FOB), em que o remetente da mercadoria (exportador) é responsável pelos custos de transporte e seguro da carga somente até que esta seja embarcada; o comprador (importador) torna-se responsável pelo pagamento do transporte e do seguro a partir daí.

Fonte: elaboração própria com base nos dados da Funcex para exportações e importações e do Bacen para a taxa de câmbio, ambos divulgados pelo IPEA (2023).

O segundo aspecto a chamar a atenção no gráfico 2 é a forte oscilação cambial entre os sete períodos selecionados. Na comparação entre 1994/97 (vale da série) e 2002/05 houve depreciação de 312,09%. Já na comparação de 1994/97 com 2018/21 (pico da série) houve depreciação de 498,9%. Nota-se que é substantiva a apreciação cambial verificada entre 2002 e 2013, justamente no lapso temporal em que se deu proporcionalmente o maior salto no âmbito tanto das exportações (266,69%) quanto das importações (352,77%). O saldo da balança comercial aumentou 147,49% nesses anos, mas foi no período de 2018/2021 que se teve proporcionalmente o maior superávit comercial (as exportações em valores foram 29,4% superiores às importações) – registrando o Dólar o seu maior patamar médio na série (R$ 4,54).

Quanto aos saldos e composições das exportações, importações e balança comercial em períodos selecionados (tabela 2), nota-se crescimento de mais de cinco vezes das exportações de 1994-1997 para 2018-2021 (primeiro e último períodos da série, respectivamente). Destaque para os produtos básicos, que aumentaram 10,8 vezes entre esses períodos.

Os saldos das importações, por sua vez, cresceram 3,8 vezes entre os mesmos períodos – ritmo menor que o das exportações, portanto. Pela tabela 2, o destaque foram os bens intermediários, que aumentaram 4,4 vezes do primeiro para o último período da série. A tendência de aumento das importações entre 2002 e 2013 denota novo fôlego da economia, ou seja, uma perspectiva de crescimento das atividades econômicas. Parte disso deveu-se à majoração das compras de bens de capital e intermediários, necessários à produção industrial.

No que diz respeito aos saldos da balança comercial (tabela 2), observa-se dois superávits pequenos entre 1994 e 1997 e de 1998 a 2001 – de pouco mais de 13 bilhões e de 10 bilhões de Dólares, respectivamente. Todavia, no período seguinte (2002-2005), houve um salto para US$ 143.373 milhões, mais do que 14 vezes maior do que no período anterior. A tendência de crescimento se manteve nos períodos seguintes (com exceção do período entre 2014 e 2017), fechando o quadriênio 2018-2021 com o saldo comercial recorde de US$ 276.215 milhões.

Tabela 2 – Saldos e composições das exportações, das importações e da balança comercial (FOB - US$ milhões) – Brasil (1994-2021, média anual de períodos selecionados)

Fonte: elaboração própria via dados da Funcex divulgados pelo IPEA (2023), adaptado de Oda (2013, p. 66).

Deve-se considerar nesses movimentos o início da escalada dos preços das commodities (considerando-se que o Brasil é grande exportador de grãos e minérios), fato delegado sobretudo à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2001 e a consequente crescente demanda internacional daí em diante. A apreciação do Real frente ao Dólar de meados da década de 2000 até fins de 2013 também explica o salto da balança comercial, mantida nesse patamar nos anos seguintes, de Real desvalorizado.

Adentrando na questão da composição percentual das exportações do Brasil de 1994 a 2020 (gráfico 3), observou-se tendência de aumento médio tanto dos produtos básicos quanto dos semimanufaturados e manufaturados. Esse movimento se deveu, corroborando à tabela 2, ao substancial aumento médio dos volumes exportados aliados aos preços atrativos das commodities (por exemplo, via maior demanda da China), sendo o Brasil importante produtor/exportador de matérias-primas.

Gráfico 3 – Composição das exportações – Brasil (1994-2021, média anual de períodos selecionados)

Fonte: elaboração própria com base nos dados da Funcex divulgados pelo IPEA (2023).

O aumento considerável das exportações foi também fruto da adequação do Brasil às exigências do mercado, em uma relação mais estreita com a China, EUA, Argentina, Japão, dentre outros. Assim, até mesmo em momentos de crises como em 2008 e em 2019 foi possível continuar as vendas desses produtos (principalmente de soja e de minérios como o de ferro).

Do lado das importações (gráfico 4), nota-se que sua composição percentual não apresentou mudanças tão substantivas como no caso das exportações. Destaque para o período de retração de 2014 a 2017 (vide tabela 2), explicado em grande medida pelo processo de valorização da moeda estrangeira (Dólar) frente ao Real.

Gráfico 4 – Composição das importações – Brasil (1994-2021, média anual de períodos selecionados)

Fonte: elaboração própria com base nos dados da Funcex divulgados pelo IPEA (2023).

Com relação às contas da balança de pagamentos (tabela 3), nota-se que apenas no período 2002-2005 o saldo em transações correntes foi positivo (em US$ 20.381 milhões), que o saldo da conta capital foi positivo em todos os períodos (muito mais no último da série, entre 2018 e 2021) e que o saldo da conta financeira foi positivo somente entre 2002 e 2009. Outra inferência possível a partir da tabela 3 é a variação negativa do PIB entre 2014 e 2027 e estagnada entre 2018 e 2021 (acumulado de -4,31%).

Tabela 3 – Balança de pagamentos (em US$ milhões) – Brasil (1994-2021, períodos selecionados)

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo BACEN (2023).

Com os elevados saldos somados da balança comercial (tabela 2) e da conta financeira entre 2006 e 2009 (tabela 3), aumentaram as reservas internacionais dali para diante (gráfico 5). Essas reservas começaram a ter um aumento significativo a partir de 2006, quando passou de US$ 85.839 para US$ 180.334 em 2007, chegando até US$ 354.012 em 2012 (melhor ano da série).

Gráfico 5 – Reservas internacionais (US$ milhões) – Brasil (1994-2021)

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo BACEN (2023).

Na tabela 4 detalha-se a conta capital e a conta financeira do balanço de pagamentos em sete diferentes períodos selecionados entre 1994 e 2021. Nota-se que nos períodos analisados os investimentos em carteira apresentaram números negativos, exceto no último período. A partir de 2006 houve um aumento do fluxo de entrada de moeda estrangeira (pelos saldos positivos de investimentos estrangeiros), o que contribuiu para a valorização do câmbio.

Em 2020, pelo contrário, houve fuga de capitais, com a moeda brasileira passando a ser desvalorizada. Isso pode ser explicado pela crise que atingiu o mundo, acarretada sobretudo pela pandemia de Covid-19, o que causou insegurança do exterior para investir no Brasil.

Tabela 4 – Conta capital e financeira (US$ milhões) – Brasil (1994-2021, períodos selecionados)

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo BACEN (2023).

Pelos dados que constam no gráfico 6, podemos observar que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) apresentou queda em 1999, 2002-2003 e entre 2014 e 2017. No primeiro caso isso ocorreu mormente pelos desdobramentos da crise de 1999. No segundo, deu-se em grande medida por conta da valorização da taxa de câmbio influenciada pelo governo de turno. No terceiro, caiu sobretudo como consequência da retração do investimento privado no país.

Gráfico 6 – PIB – Formação Bruta de Capital Fixo (%) – Brasil (1994-2020)

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo IBGE (2023).

Já o pico da série deu-se em 2010 (gráfico 6), resultante sobretudo das medidas de estímulo à economia após a crise de 2008. Esse movimento vinha em um crescente mesmo antes disso, em 2006, 2007 e 2008. Na verdade, foram iniciativas que buscaram não estancar a tendência de aquecimento que a economia nacional vivia naquele momento.

No gráfico 7 constam os índices das taxas de câmbio real efetiva e efetiva nominal. A primeira representa o poder de compra da moeda nacional envolvida em transações externas e a segunda é aquela que é expressa em unidades monetárias (moeda) no tempo (BACEN, 2023).

Gráfico 7 – Índices das taxas de câmbio real efetiva/efetiva nominal (R$/US$) – Brasil (jun/1994-dez/2020)

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo BACEN (2023). Nota: jun/1994 = 100.

Nota-se a tendência de alta de ambas até 2002, queda de 2002 até 2011 e nova alta de 2011 até o fim da série. Isso pode ser explicado sobretudo pelos reflexos da economia e da política nacional e internacional. Esses movimentos dos índices do gráfico 7 em muito ilustram, em um sentido amplo, o comportamento das exportações e das importações (e suas respectivas composições), bem como dos saldos comerciais, a acumulação de reservas internacionais e outras variáveis afins.

Quanto à dívida pública externa, estudo do IPEA (2009, p. 27) concluiu que ela tende a crescer com a pressão do câmbio sobre as reservas internacionais. “Quanto mais o câmbio se valoriza, menor é o valor em reais dessas reservas, que são denominadas em Dólares e representam parcela significativa dos ativos financeiros públicos”. O gráfico 8 expressa (parcialmente) essa relação.

Gráfico 8 – Dívida externa pública (US$ milhões) – Brasil (1994-2020)

Fonte: elaboração própria com base nos dados divulgados pelo BACEN (2023).

Ademais, observando a trajetória da dívida externa pública em relação ao saldo acumulado, tem-se que a partir de 2004 a linha de tendência passou a declinar (gráfico 8), passando de US$ 114.713 milhões em 2004 para US$ 87.567 milhões em 2005. Isso refletiu, por exemplo, uma redução de 23,66% do mérito das operações de regularizações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) com o governo, que quitou a dívida com a instituição em 2005. Depois de 2008, a significativa queda foi fruto de renegociações do prazo das dívidas (alongadas) e superávits da balança de pagamentos (sobretudo da balança comercial).

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Conforme discutido nos apontamentos teóricos da segunda seção deste artigo, de cunho conceitual e histórico (no sentido de remontar as diferentes fases cambiais no Brasil e suas nuances, incluído o período pandêmico), no ano de 1994 – já sob o Real como moeda oficial – a política cambial utilizada no país era a banda cambial, na qual se podia preestabelecer os limites para o preço da moeda. Isso até 1999, quando passou a vigorar o câmbio flutuante, com mudanças substanciais na política cambial. Sob esse novo regime cambial (um dos pilares do chamado tripé macroeconômico, junto com os juros e os superávits primários), foi possível mitigar os desequilíbrios causados pelo até então reinante voluntarismo na política cambial e monetária, favorecendo um melhor ajuste no valor da moeda. Contudo, viu-se que isso acarretou em aumento da volatilidade cambial e da vulnerabilidade econômica externa.

No período estudado nesta pesquisa seis eleições presidenciais ocorreram, quase sempre com os vencedores com distintas compreensões e ações quanto aos rumos econômicos mais adequados para o Brasil. Houve alterações consideráveis nas políticas cambiais, fiscais e monetárias implementadas entre os diferentes mandatos e mesmo alterações de rumos ocorreram dentro dos mandatos. Assim, os investidores estrangeiros por vezes temiam investir em um país que não era um forte player global e que não raro apresenta(va) ambiente macroeconômico e institucional incerto e/ou sem expectativas de retorno econômico-financeiro positivas.

Os saldos da balança comercial aumentaram muito a partir dos anos 2000. Isso se deveu sobretudo ao aumento significativo das exportações, denotando melhora do cenário econômico do país. Esse foi um período positivo para a economia brasileira, de acordo com o quantificado na seção de apresentação e análise de dados deste artigo, mas com crescente pressão pela apreciação da taxa de câmbio.

Mas o Brasil foi afetado por duas crises com efeitos mundiais, a econômico-financeira de 2008 e a pandêmica de 2020, sofrendo forte impacto de ambas. Na primeira coordenou suas políticas com outros países (em especial as monetárias) para na sequência voltar a crescer. Implementou, por exemplo, as seguintes medidas: aumentou o limite de empréstimo para compra de materiais de construção, aumentou a oferta de crédito para o setor automobilístico e disponibilizou empréstimos para estimular o consumo da população. Com isso, conseguiu contornar a situação adversa, mas na segunda não conseguiu evitar uma grave recessão que segue sob vários matizes assolando a economia brasileira e mundial.

Ainda no que se refere à crise de 2008, especificamente na política cambial, com o intuito de reduzir a volatilidade da moeda e amenizar os impactos da crise sobre a taxa de câmbio, o governo se utilizou de alguns instrumentos, como a redução da alíquota do IOF em operações cambiais e os leilões de Dólares. Com isso, constatou-se que o Brasil se recuperou relativamente rápido, pois, no final de 2008 os capitais estrangeiros voltaram a entrar no país. Essa renovada confiança dos investidores favoreceu manter a inflação controlada em consonância com razoáveis taxas de crescimento econômico.

Entretanto, passou-se por momentos que levaram o resto do mundo a ter maior incerteza em relação aos rumos econômicos do Brasil, motivados, por exemplo, pela alta da inflação e pelo processo de impeachment de 2015/2016. Com a pandemia mundial de Covid-19, o Brasil aprofundou a crise política, financeira e econômica. O governo se viu pressionado a cumprir as medidas preconizadas pelas autoridades sanitárias (isolamento/afastamento social). Com isso, a economia encolheu significativamente (queda do PIB, dentre outros aspectos deletérios à economia), com que as autoridades monetárias afrouxaram o controle fiscal das contas públicas e ampliou seus gastos. Portanto, houve diferenças substanciais nos resultados em termos cambiais nesse caso, menos efetivos por ter havido menor coordenação dos agentes no que diz respeito à política cambial. No caso da pandemia, portanto, os países tenderam a atentar mais para suas necessidades internas imediatas do que propriamente construir uma solução coletiva mais ampla do ponto de vista econômico.

Nota-se, com base na combinação do referencial teórico com as evidências examinadas nesta investigação, que as relações entre política cambial, taxa de câmbio e crises econômicas são estreitas, com uma afetando e sendo afetada de modo retroalimentado pelas demais. No Brasil, país que está situado na periferia do sistema capitalista, essa situação é ainda mais aguda, dado o contexto de dependência em relação ao que ocorre no centro econômico-financeiro mundial, em especial os Estados Unidos, que detém a moeda forte mundialmente dada sua conversibilidade. Isso significa essencialmente duas assunções: a primeira é a de que a vulnerabilidade econômico-financeira nacional é intrínseca a maneira como o Brasil está inserido neste sistema e a segunda é a de que os instrumentos de política cambial ativos das autoridades monetárias nacionais – independentemente do governo de turno – são essenciais para mitigar tais vulnerabilidades.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral nesta pesquisa foi analisar – do ponto de vista histórico e por meio da análise de dados oficiais – a política cambial comparando diferentes períodos de 1994 a 2021, com ênfase nos principais efeitos sobre a economia nacional após a crise econômico-financeira mundial eclodida em 2008.

Diante do exame implementado na pesquisa, validou-se a hipótese de que o conjunto de políticas cambiais adotadas foi positivo para estabilizar a taxa de câmbio após a crise de 2008.

Nesse panorama voltado para o desenvolvimento, os governos devem priorizar o equilíbrio no mercado cambial do país, com mais concessão de crédito, incentivos à exportação e ao investimento estrangeiro. O desafio maior nesse sentido diz respeito à política que cada governo adota com a intenção de trazer maior credibilidade ao país. Tal problema pode ser amenizado com planos de governo que busquem desenvolvimento econômico e social, também visando a maior abertura econômica.

Diante das análises e discussões realizadas, concluiu-se que via de regra as políticas cambiais adotadas durante o período da crise de 2008 foram positivas para a economia do Brasil por ter evitado efeitos mais deletérios para a economia nacional. Elas permitiram mitigar os efeitos dessa crise, em especial, por favorecerem a manutenção da estabilidade financeira – objetivo da política cambial.

Exemplo disso foi a coordenação de suas políticas com a de outros países, ao implementar medidas econômicas expansionistas, tais como: o aumento de empréstimos federais a juros reduzidos e da oferta de crédito a fim de fomentar o consumo da população. Especificamente no que tange à política cambial, reduziu-se a alíquota do IOF em operações cambiais e os leilões de Dólares ficaram mais frequentes.

Todavia, frisa-se que o momento atual ainda reverbera os acontecimentos da crise econômico-financeira de 2008, com que a crise econômico-sanitária eclodida em 2020 recrudesceu problemas socioeconômicos já deflagrados uma década antes – inclusive cambiais, com a cotação próxima aos R$ 6,00 para US$ 1,00 entre 2020 e 2022 e, no momento em que se escreve esta pesquisa, 2024, orbita em torno dos R$ 5,00 por Dólar.

Vale citar uma limitação deste estudo: seu longo recorte temporal (1994-2021). Isso obstaculizou em alguma medida o maior detalhamento da análise dos dados, o que pode relativizar a resposta ao questionamento central desta investigação em alguns momentos específicos que impactaram as políticas cambiais e, consequentemente, a taxa de câmbio.

Por fim, é importante ressaltar que nesta pesquisa não se pretendeu esgotar o tema discutido, o que enseja mais densas e rigorosas investigações. Há espaços para aprofundamentos teóricos e empíricos como, por exemplo, investigar simultaneamente as políticas fiscais, monetárias e cambiais, inferir econometricamente/estatisticamente as eficácias dessas políticas em conjunto num cenário de crise econômica, centrar o foco de análise noutro recorte temporal (mais enxuto, inclusive) e assim por diante.

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