Artigo 1

1 Universidade do Vale do Itajaí, Brasil, Mestrado em Administração, e-mail: nmazocoli@gmail.com

2 Universidade o Vale do Itajaí, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: behling@univali.br

3 Universidade o Vale do Itajaí, Brasil, Doutorado em Administração, e-mail: lenzi@univali.br

4 Universidade o Vale do Itajaí, Brasil, Doutorado em Engenharia de Produção, e-mail: rossetto@univali.br

 

Recebido em: 03/07/2023 - Revisado em: 03/08/2023 - Aprovado em: 18/08/2023 - Disponível em: 30/09/2023

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar como os empreendedores tomam decisões de desenvolvimento de oportunidades empreendedoras em momentos de desequilíbrio entre oferta e demanda, como aqueles causados pela pandemia, sob a ótica da cognição empreendedora. A metodologia é de abordagem qualitativa com utilização da teoria de forma dedutiva, e utiliza como estratégia um estudo qualitativo com base em entrevistas. Os resultados obtidos indicam que as incertezas decorrentes do desequilíbrio econômico gerado pela pandemia influenciam os elementos cognitivos dos empreendedores, que por sua vez motivam os processos de percepção, descoberta e criação de uma oportunidade empreendedora. Elementos como otimismo e criatividade proporcionam uma ampla visão do negócio e permitem a criação de estratégias perante as tomadas de decisão e, se atreladas ao conhecimento prévio adquirido e a captação de informações pertinentes por meio das redes sociais, levam os indivíduos à percepção de novas oportunidades. Esse estudo identificou também que a descoberta de uma oportunidade de negócio sofre influencias das novas ideias que podem surgir a partir da crise, bem como novas demandas e diferenciais a serem oferecidos. Por fim, novas oportunidades empreendedoras são desenvolvidas e criadas com base no novo cenário econômico em desequilíbrio, adaptando soluções e operações internas com a finalidade de gerar viabilidade econômica.

Palavras-chave: Empreendedorismo; Oportunidades Empreendedoras; Cognição Empreendedora.

 

Abstract

This article aims to analyze how entrepreneurs make decisions regarding entrepreneurial opportunity development during times of supply and demand imbalance, such as those caused by a pandemic, from the perspective of entrepreneurial cognition. The methodology employed is a qualitative approach using deductive theory and relies on a qualitative study based on interviews. The results indicate that uncertainties resulting from the economic imbalance caused by the pandemic influence the cognitive elements of entrepreneurs, which, in turn, motivate processes of perception, discovery, and creation of an entrepreneurial opportunity. Elements such as optimism and creativity provide a broader business vision and enable the formulation of strategies when making decisions, especially when combined with prior knowledge and the acquisition of relevant information through social networks, leading individuals to perceive new opportunities. This study also identified that the discovery of a business opportunity is influenced by new ideas that may emerge from the crisis, as well as new demands and unique selling points to be offered. Ultimately, new entrepreneurial opportunities are developed and created based on the new imbalanced economic scenario, adapting internal solutions and operations with the aim of achieving economic viability.

Keywords: Entrepreneurship; Entrepreneurial Opportunities; Entrepreneurial Cognition.

 

 

1. INTRODUÇÃO

Identificar oportunidades diante de um cenário competitivo e em crise exige conhecimento prévio e informações de desequilíbrio do mercado, que possibilitem julgamento e análise do que pode ser uma oportunidade empreendedora (TANG et. al., 2012). Cenários de desigualdade motivam empreendedores a assumir riscos maiores, entrando em novos mercados e gerando riqueza para si (NIKOLAEV; BOUDREAUX; PALICH, 2018). Os aspectos da crise da pandemia do coronavírus são suscetíveis a desencadear um comportamento empreendedor através da exploração de oportunidades, criação de novos empreendimentos e geração de novos empregos.

No entanto, o estudo de Behling (2019) demonstra que há uma lacuna persistente entre os sentimentos envolvidos no processo de exploração de oportunidades, que incluem o medo perante o risco de adentrar no desconhecido de uma nova oportunidade, e os aspectos afetivos como paixão e intuição, que precedem daquilo que já é conhecido e de experiências já vivenciadas; e os diferentes contextos empresariais, em destaque aos novos fenômenos e perspectivas, que demandam diferentes tomadas de decisão (SHEPHERD; WILLIAMS; PATZELT, 2015). Embora os estudos que tratam dos determinantes do empreendedorismo tenham aumentado significativamente nos últimos anos (NIKOLAEV; BOUDREAUX; PALICH, 2018), o alto nível de incerteza junto da necessidade de flexibilização (BATRA et. al., 2020), e o cenário de mudanças e desafios decorrentes da pandemia COVID-19 exige constantes inovações e adaptações (EBERSBERGER; KUCKERTZ, 2021). Entre os estudos recentes, há um foco em como os empreendedores estão respondendo a condições econômicas incertas (NASSIF; CORREA; ROSSETTO, 2020).

Em 2020 o mundo enfrentou o início de uma pandemia que trouxe um longo período de recessão, desemprego, instabilidades e incertezas típicas de uma crise economica. Sem antecedentes de tamanha proporção e comprometendo significativamente a capacidade de realizar projeções, as consequências foram o colapso da rede de saúde do país e um prejuízo gigantesco na economia. Anteriormente ao período de recessão enfrentado em decorrência do coronavírus, 90% dos recém empreendedores concordaram que, além das transformações políticas, econômicas e tecnológicas, a escassez de emprego constituía uma das principais razões para empreender (GEM, 2019). Acs (2006) aponta que existe uma distinção entre empreendedorismo por oportunidade, quando o desejo já existe por natureza voluntária, e visa atender mercados pouco ou nada explorados, gerando competitividade para o mercado, e ‘’empreendedorismo por necessidade’’, quando não se encontra outra opção de fonte de renda e a atividade parte de um impulso na busca pela sobrevivência. Porém, Cowling et al. (2015) já defendiam a ideia de que os momentos de desequilíbrio entre oferta e demanda criam novas oportunidades para os empreendedores. Assim, empreendedores visualizam formas de aproveitar o momento para concluir uma realização pessoal, construir riqueza e dar continuidade a uma tradição familiar, através da exploração de uma nova oportunidade (GEM, 2019).

Os desafios impostos pela pandemia exigiram dos empreendedores e das organizações, transformações rápidas para garantir a sobrevivência em tempos de incertezas (ROBLES et. al., 2020). Através dos elementos cognitivos e modelos mentais, formados pelas experiências de vida, conhecimento prévio e interações com a sua rede, os indivíduos fundem informações anteriormente não conectadas, permitindo a identificação e o desenvolvimento de oportunidades. Diante do contexto exposto, esta pesquisa busca responder a seguinte questão: como os empreendedores tomam decisões de desenvolvimento de oportunidades em momentos de incerteza e desequilíbrio entre oferta e demanda? A partir desta pergunta surge o objetivo geral deste artigo que consiste em compreender como os empreendedores tomam as decisões de desenvolvimento de oportunidades em momentos de desequilíbrio entre oferta e demanda, sob a ótica da cognição empreendedora.

 

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. O processo de desenvolvimento de oportunidades empreendedoras

Identificar uma oportunidade depende do indivíduo e de influências externas, como transformações econômicas, políticas, demográficas, científicas e tecnológicas (BARON; SHANE, 2011). Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) completam que o alerta empreendedor, conhecimento prévio, personalidade, informações e redes sociais podem induzir a identificação, ajustando-se às exigências do mercado conforme identificado como necessário (COSTA; MACHADO; VIEIRA, 2007).

Alterações inusitadas e inesperadas no ambiente tornam desafiadora a tarefa de reconhecimento de oportunidades (GRÉGOIRE; BARR; SHEPHERD, 2010). Boszczowski e Teixeira (2012) pontuam que oportunidades são intrínsecas às falhas de mercado, e sua exploração deve ser capaz de reduzir possíveis problemas e promover a melhoria do bem- estar social. Ao explorar oportunidades e investir em inovações de produtos e serviços, empreendedores incentivam o desenvolvimento econômico (PRYOR; WEBB; IRELAND; KETCHEN, 2016).

Enquanto descoberta, as oportunidades são objetivas, concretas e pré-existentes (SHANE, 2000). Oportunidades existem para suprir uma demanda de mercado, e em algum momento serão percebidas e exploradas pelos empreendedores. Um estudo de Shane (2000), indagado pela questão ‘’como os empreendedores descobrem oportunidades?’’, adota um modelo conceitual de reconhecimento de oportunidades através do conhecimento prévio, indicando que os empreendedores descobrem oportunidades relacionadas às informações que possuem.

Com base em suas proposições, o autor identifica que nem todos os indivíduos tem a mesma perspectiva para reconhecer determinada oportunidade. As diferenças individuais e o conhecimento prévio idiossincrático tornam os empreendedores mais propensos à uma determinada descoberta. Essa descentralização de informações permite vantagens compensatórias, possibilitando o desenvolvimento de novas tecnologias e o impulso da economia (SHANE, 2000).

Alguns indivíduos são mais sensíveis às demandas do mercado, identificando novas possibilidades e viabilidades comerciais para invenções ou novas tecnologias. Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) definem que a descoberta é “a percepção de uma correspondência existente entre as necessidades e os recursos do mercado”. Para os autores, embora os elementos possam ser reconhecidos, as oportunidades são desenvolvidas, semelhantemente à criação de um novo produto, mas que origem a um novo negócio.

Pode-se dividir o desenvolvimento de oportunidades em duas vertentes, sendo a ‘’Formação de negócios’’ quando são utilizados recursos conhecidos como solução de problemas igualmente conhecidos, ou então ‘’Solução de problemas’’, quando um problema conhecido é resolvido através de soluções desconhecidas. O desenvolvimento de uma oportunidade, independente da formação de um novo negócio como resultado, envolve a criatividade do empresário em investigar cuidadosamente as necessidades do mercado a fim de desenvolver uma oportunidade. Necessidades e recursos percebidos não se tornam oportunidades se não forem desenvolvidos e, este processo segue três etapas, iniciando pela percepção, passando pela descoberta e pela criação (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003).

A etapa da percepção diz respeito à quantidade e tipo de informação e experiência que o indivíduo possui sobre uma oportunidade. A segunda etapa, denominada descoberta, faz referência à um possível ajuste entre demandas de mercado e recursos disponíveis, que podem proporcionar a descoberta e exploração de determinado espaço-produto-mercado. Por último, a etapa da criação traz a construção de um conceito de negócio combinando as necessidades do mercado e os recursos disponíveis com a finalidade de gerar valor. Simultaneamente, ocorre o processo de avaliação da oportunidade, concluindo o ciclo que os autores chamam de ‘’desenvolvimento de oportunidades’’, representado no framework da Figura 1 (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003):

 

Figura 1: Modelo do ciclo de desenvolvimento de oportunidades

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Fonte: Ardichvili, Cardozo e Ray (2003)

 

O processo apresentado através do framework tem seu início a partir do nível de alerta empreendedor do indivíduo. Quando existe a convergência dos traços de personalidade - criatividade e otimismo -, do conhecimento prévio que inclui experiências e conhecimentos específicos, e a natureza das redes sociais (laços fracos, conjunto de ações, parcerias e círculo interno), o nível de alerta empreendedor aumenta. O tipo de oportunidade é um papel importante na formação do processo, sendo que os processos de desenvolvimento podem ter diferença entre os indivíduos, equipes empreendedoras e empreendimentos corporativos. Alguns destacam-se em invenções, outros na criação de modelos de negócios, ou em ambos.

Considerando o contexto recente, de desiquilíbrio entre oferta e demanda, um estudo de Stephan et al. (2020) que analisou a atividade empresarial durante a pandemia concluiu que uma parcela significativa dos empreendedores desenvolveu oportunidades empresariais como uma resposta ao COVID-19. Os resultados das ações desenvolvidas sobre

oportunidades empreendedoras durante cenários de incertezas e desequilíbrio econômico entre oferta e demanda como causado pelo COVID-19 resultaram, em grande parte, conforme o estudo de Lungu et al. (2021), na melhoria dos produtos e serviços oferecidos, possivelmente contribuindo para a evolução futura dos negócios.

Foohey, Jimenez e Odinet (2020) afirmaram que a pandemia trouxe as piores consequências econômicas para o mundo. Como resposta ao desequilíbrio econômico, o estudo de Guimarães et al. (2020) concluiu que o número de empresas abertas superou o número de empresas que fecharam devido a pandemia.

O cenário atual requer adaptações e mudanças na comercialização de bens e serviços. Estudos sobre gestão de crises dentro do campo do empreendedorismo avaliam que as ações predominantes para minimizar os efeitos negativos são as mudanças nas práticas de vendas, marketing e emprego, além do planejamento do negócio e os ajustes necessários ao ‘’novo normal’’ (CASTRO et al., 2020).

Diante desse cenário, mudanças e desafios originados de crise são considerados adaptação estratégica para sobrevivência e continuação do processo empreendedor, que fica marcado pela inovação do negócio e criação de novos produtos e serviços (SILVESTRE; BORGES; PAULA, 2022). Neste contexto de incertezas que a pandemia impôs, Borges (2020) afirma que a criatividade e a inovação dentro do mundo do empreendedorismo poderão marcar a divisão entre o fim do período pandêmico e a retomada da economia. Raten (2020) reforça que assumir riscos é um dos elementos fundamentais do empreendedorismo em cenários de crise.

 

2.2. Cognição e o desenvolvimento de oportunidades

 

Existem dois fatores determinantes para a descoberta e desenvolvimento de oportunidades: a posse de informações necessárias e as propriedades cognitivas (SHANE; VENKATARAMAN, 2000). A perspectiva cognitiva oferece visões que ajudam a entender como as pessoas pensam e o que determina suas atitudes.

Entre as principais questões diagnosticadas pela ótica da cognição empreendedora estão ‘’porque alguns indivíduos escolhem se tornar empreendedores e outros não?’’ e ‘’como os empreendedores pensam e tomam decisões?’’ (MITCHELL et al., 2007). O autor afirma, ainda, que diferentes padrões na tomada de decisão podem levar a vantagens e/ou desvantagens competitivas. Os empreendedores devem possuir a capacidade cognitiva para descobrir uma oportunidade e avaliar o potencial sucesso do negócio.

Compreender fenômenos ligados ao empreendedorismo e entender como os empreendedores pensam e se comportam a fim de criar valor e desenvolver uma oportunidade de negócio é, para Mitchell et al. (2007), reconhecer a importância da perspectiva cognitiva dentro do empreendedorismo. O comportamento e estruturas de conhecimento, ou seja, os estilos cognitivos podem exercer forte influência sobre as práticas de gestão e empreendedorismo.

Grande parte do processo decisório ligado à cognição, considera condições de risco enfrentadas pelos empreendedores frente a uma oportunidade (YANG; ZHANG, 2015) como, por exemplo, a pandemia enfrentada desde março de 2020 que mudou a percepção do mundo sobre o empreendedorismo. Perante as incertezas associadas à atividade empreendedora, decisões rápidas são cada vez mais necessárias e, nesses casos, o modo de pensamento heurístico, apoiado nos modelos mentais, é frequentemente utilizado com o propósito de aumentar a eficácia e precisão da decisão tomada (SHEPHERD, 2015). Pryor et al. (2016) complementam que a utilização das heurísticas cognitivas reduz o tempo e esforço de avaliação de informações, auxiliando a redução da incerteza e facilitando a tomada de decisão.

Os modelos mentais são como roteiros da vida e guiam o comportamento das pessoas diante das situações. Refletem como os indivíduos sentem, percebem e compreendem, além de incorporar os preconceitos, valores, aprendizados, experiências e crenças sobre como o mundo funciona (BEHLING; LENZI, 2019). Existe ainda um destaque na literatura e uma relevância significativa atrelada à influência da experiência prévia na construção dos modelos mentais, como Sheperd, Williams e Patzelt (2015) afirmam que empreendedores experientes mantém posturas diferentes dos novatos perante avaliações e tomadas de decisão.

Outra característica cognitiva que influencia a construção do modelo mental, e que pode negligenciar a percepção do risco é o excesso de confiança, que dificulta o reconhecimento dos limites do conhecimento que se possui. A confiança acima dos limites, normalmente traz consequências negativas e pode fazer com que informações importantes fiquem despercebidas (BEHLING; LENZI, 2019). Por outro lado, níveis elevados de confiança podem causar maior entusiasmo frente às dificuldades.

Behling e Lenzi (2019) definem a capacidade como uma demonstração de imaginação e originalidade, ou seja, materializar novas ideias. Baron (2006) complementa que a criatividade auxilia na identificação de novas soluções que atendam às necessidades do mercado e dos clientes, e na criação de novos produtos e serviços. Para a grande maioria das pesquisas, somente torna-se possível a materialização de novas ideias e a criação de novos produtos ou serviços quando existe a presença do próximo elemento influenciador dos modelos mentais, o capital social.

Outra característica capaz de moldar os modelos mentais é o pensamento metacognitivo, processo pelo qual os indivíduos refletem acerca das estratégias disponíveis e apropriadas (BEHLING; LENZI, 2019). Embora esse pensamento carregue a tendencia de atrasar a tomada de decisão, o mesmo permite maior adaptação a situações adversas.

Em resumo, os modelos mentais estabelecem imagens e nomenclaturas, além de determinarem o que é importante ou não. Cortez et al. (2016) complementam que a cognição é influenciada pela memória, experiência, conhecimentos e habilidades específicas.

Behling, Lenzi e Rossetto (2019) desenvolveram em seu estudo um modelo complementar ao de Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) para evidenciar o processo de desenvolvimento de oportunidades empreendedoras, através dos modelos mentais. A partir de suas pesquisas foram definidos loops que estruturaram o mindmap de influências sobre o processo de desenvolvimento de oportunidades.

Figura 2: Modelos mentais de empreendedores no domínio do desenvolvimento de oportunidades

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Fonte: Behling, Lenzi e Rossetto (2019)

A construção desses modelos mentais permite aos empreendedores uma rápida tomada de decisão, exigida principalmente em ambientes de economia incerta como sempre associados à atividade empresarial.

 

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para atingir os objetivos desta pesquisa, de abordagem qualitativa e método dedutivo, foi utilizada a estratégia de um estudo qualitativo baseado em entrevistas, com objetivo de compreender um fenomeno ou processo, através da perspectiva dos envolvidos, e trazer como características principais a compreensão de significados das experiências dos indivíduos; o pesquisador como principal instrumento de coleta e análise de dados, através de entrevistas; a condução da pesquisa com o objetivo de construir conceitos e entregar um relato descritivo detalhado e rico sobre o fenômeno (MERRIAM, 2002).

No estudo em questão, foram utilizados dois modelos teóricos como embasamento para as entrevistas, a partir dos quais foram determinadas categorias que direcionaram a análise do conteúdo coletado. Foram escolhidos, aleatoriamente, para compor o grupo de participantes da pesquisa empreendedores que criaram negócios em meio a pandemia COVID-19 e que possuíam total influência nos processos decisórios do negócio, independente de mercado de atuação, idade, gênero e área geográfica. A escolha dos participantes foi baseada na viabilidade da coleta de informações que, considerando o contexto COVID-19, foi realizada de forma online.

A coleta de dados primários foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, baseadas nos modelos de Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) e Behling, Lenzi e Rossetto (2019). O roteiro foi previamente elaborado pela primeira autora e validada pelos dois coautores. As entrevistas continham um bloco de dados gerais, sobre as características dos empreendedores e dos negócios. Outro bloco abrangia questões abertas sobre a origem das ideias dos negócios, tempo para serem amadurecidas e como elas foram implementadas. As entrevistas foram realizadas em dois momentos: num primeiro momento foram feitas as perguntas pré-elaboradas. Após as transcrições desta primeira parte, a primeira autora realizou as categorizações, bem como a análise de possíveis informações que poderiam complementar os dados. Sendo assim, foi realizada uma segunda entrevista com cada participante, buscando conhecer com profundidade tópicos específicos para descrever os elementos cognitivos e sua influência no desenvolvimento das oportunidades.

A análise dos dados se fez através da análise temática. Com ênfase nos significados, descrição e interpretação, a análise temática é caracterizada por Braun e Clarke (2006) como uma técnica flexível e possível de ser aplicada à uma grande variedade teórica, capaz de identificar, analisar e relatar padrões. Brunstein et al. (2020), considera análise temática uma estratégia de síntese e categorização dos dados de modo a reconhecer os conceitos importantes identificados. Os autores apontam ainda que esse tipo de análise costuma ser apresentada através de ações sequenciais que fazem parte de um processo como um todo, que possibilita idas e vindas ao campo e às informações coletadas. A categorização realizada pela primeira autora foi posteriormente analisada pelos demais autores, ocorrendo o processo de triangulação de pesquisadores, visando promover a validadade dos dados.

 

4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Foram realizadas um total de sete entrevistas com os proprietários das empresas, totalizando aproximadamente 290 minutos de gravação e 46 páginas de transcrição. O quadro abaixo resume o perfil dos entrevistados, onde pode-se notar que os empreendedores 6 e 7 possuem grande diferença de tempo como empreendedores, mas seus negócios analisados nessa pesquisa são recentes e iniciados durante a pandemia COVID-19.

 

Quadro 1: Resumo do perfil dos empreendedores entrevistados

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Fonte: elaborado pelos autores

 

4.1. Os elementos cognitivos e o processo de desenvolvimento de oportunidades

Buscando examinar como ocorreram os processos de percepção, descoberta e criação das oportunidades empreendedoras, relacionando-os com os elementos cognitivos identificados nas entrevistas, esse tópico descreve o processo na visão dos participantes da pesquisa.

Em relação à percepção, a teoria de Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) qualquer oportunidade pode ser reconhecida por certos indivíduos e não percebida por outros. Os autores Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) ainda afirmam que alguns indivíduos podem identificar oportunidades observando fenômenos do dia a dia, como a Empreendedora 3, que percebeu uma oportunidade quando viu seu trabalho ser apreciado antes mesmo de se tornar uma opção formal de geração de renda: “[...] a gente se reunia e fazia uma pequena comemoração, e eu sempre ficava responsável pelos doces e bolo, e todo mundo sempre gostava e elogiava”.

A próxima etapa, denominada descoberta e caracterizada por Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) como sendo um ajuste entre os recursos disponíveis e as necessidades identificadas no mercado, aconteceu para a empreendedora 3 através dos retornos positivos sobre os doces que fazia, e o interesse das pessoas em adquirir mais do produto, confirmando a teoria que impõe que o que deve ser produzido é o que o cliente está disposto a comprar (KIRZNER, 1973). Com isso, veio a criação do negócio, conforme conta:

Primeiro eu fazia e deixava no caixa do restaurante, e sempre saia tudo e faltava, os clientes pediam. Aí começaram a pedir meu contato e perguntar se eu fazia encomendas maiores. E aí foi dando certo, percebi que as pessoas gostavam muito, quem comprava voltava a comprar e ainda divulgava, então veio a necessidade de formalizar tudo e realmente tornar um empreendimento.

Muitas vezes o processo de criação do negócio passa pelo redirecionamento ou ajustes das necessidades (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003). O relato da Empreendedora 7 traduz que o momento de criação nem sempre é fácil, mas é necessário passar pelo processo:

A partir do momento que a ideia surgiu eu comecei a pensar em formas de executar, muitas coisas mudaram desde a ideia inicial, o projeto que pensei não foi exatamente o que deu pra executar, pela grana e também por estrutura, e tudo fomos adequando, sempre surgia novas ideias, sempre pensando em um negócio que fosse realmente lucrativo, mas também que nos trouxesse aquilo que estávamos buscando, que é essa quebra da rotina.

Os traços de personalidade se referem às características que fazem relação com as motivações para empreender. As Empreendedoras 3 e 4 contam que a criatividade foi essencial para descobrir e criar as oportunidades de mercado:

 

[...] Eu sabia que os doces eram bons, mas a gente sempre fica com o pé atrás pra falar da gente mesmo né? Mas no fundo eu acreditava. E acho que a criatividade não pode faltar quando você trabalha com doces e pessoas, ainda mais hoje em dia que existem muitas coisas diferentes, tem que estar sempre ligada. Sempre sai uma coisa nova, um sabor novo, um tema novo, e se não sai a gente precisa fazer sair, as pessoas procuram coisas diferentes e até pagam mais por isso. Empreendedora 3

Acho que o fato de ser uma pousada diferente, dos quartos serem realmente pipas verdadeiras de vinho, isso atrai muito as pessoas, e fazem inclusive com que elas paguem mais por essa diferenciação. Empreendedora 4

Alguns traços de personalidade se relacionam com o reconhecimento de oportunidades de sucesso (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003). Outras características identificadas nas entrevistas são a dedicação e a boa comunicação, que atuam como facilitadores no processo de desenvolvimento de uma oportunidade.

As redes sociais incluem fontes de informações que de alguma forma auxiliaram na exploração da oportunidade, e não são necessariamente contidas em rede de vínculo próximo. Segundo Ardichvili, Cardozo e Ray (2003), são consideradas ‘’pontes’’ para fontes de informação, e quanto mais extensas, maior seu potencial para a descoberta de oportunidades, como conta o empreendedor 2:

Durante toda faculdade fui fazendo contatos e mantendo uma relação com as pessoas também, que poderiam ter uma influência ou me ajudar de alguma forma no futuro. [...] Meus professores todos da faculdade incentivavam cada aluno a fazer e entregar seus próprios projetos. Os escritórios que trabalhei de certa forma me incentivavam a isso porque eu via que só assim poderia entregar coisas que eu considerava melhores, sabe?

As redes sociais, ou então as fontes de informações, fornecem aos empreendedores o conhecimento prévio necessário para abertura do seu negócio. o conhecimento prévio indica as oportunidades que o empreendedor descobre através do conhecimento que possui e que são diferentes de outros atores. Três dimensões do conhecimento prévio influenciam na descoberta de oportunidades: conhecimento prévio de mercados (1), das formas de atender aos mercados (2) e dos problemas dos clientes (3) (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003). A empreendedora 6 buscou aprofundar seus conhecimentos através do estudo, e contou:

Sempre pesquisei sobre a área da beleza, mas nunca me aprofundei, trabalhava antes como vendedora de roupas. O conhecimento aprofundado da área da estética veio com a faculdade, e foi onde me apaixonei cada vez mais e nunca quis parar de estudar! [...] No sentido de estudos relacionados a área e aprofundamentos no assunto, penso que são sempre válidos, cada artigo, cada curso, cada informação me mostra algo novo que posso aplicar nos meus procedimentos, ou então que posso ter a certeza de que estou aplicando da melhor forma possível, e que seja mais confortável para todas as clientes.

Por fim, quanto mais diversificadas e mais amplas as redes sociais, maior o alcance da busca por informações e, por conseguinte, maior o estoque de conhecimento adquirido pelo empreendedor, que pode ser aplicado na criação da oportunidade.

A ideia de negócio, segundo Behling, Lenzi e Rossetto (2019), é o ponto de partida para identificar a viabilidade da oportunidade, e abrange experiências de trabalho anterior, dificuldades enfrentadas como consumidor, formação acadêmica do indivíduo, pesquisas e visitas a feiras e adaptações de negócios existentes. A ideia de negócio foi essencial para a Empreendedora 3 perceber uma oportunidade que traria solução para uma necessidade financeira decorrente do desequilíbrio econômico causado pela pandemia.

[...] decidi que precisava fazer algo. Num dia fiz as receitas dos doces pra vender no restaurante, docinhos simples mesmo [...] No outro dia comecei a colocar no restaurante, com o dinheiro que vendia eu comprava mais ingredientes, e assim foi começando.

Em resumo, os empreendedores entrevistados aplicaram conhecimentos que já possuíam, adaptaram negócios existentes com diferenciais que tornaram seu negócio viável mesmo em um momento de recessão econômica.

Os diferenciais são caracterizados por aquilo que a empresa oferece aos consumidores, que não foi oferecido antes da mesma forma, ou, como definido por Behling, Lenzi e Rossetto (2019), os diferenciais são tudo aquilo que responde à ‘’como diferenciar minha empresa das demais’’. O Empreendedor 1 conta que procura sempre se manter ativo atrás de novidades que o diferenciem.

Ter sempre novidades, preço bom e bom atendimento. Assim eu vou mantendo os clientes que tenho e sempre estou abrindo possibilidades de conquistar novos. Claro que promoções também ajudam bastante, na pandemia fizemos muitas lives também, tudo isso vai somando.

As informações obtidas a partir dessa avaliação de demanda motivou os empreendedores a perceberem e criarem uma oportunidade. Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) aderem a teoria de que a avaliação da demanda do mercado faz parte do processo de descoberta de oportunidades. Conforme conta o empreendedor 1:

Nas localidades não tem outras lojas que oferecem o mesmo que nós. E se tem, são bem menores, bem menos variedades, não tem tudo num só lugar, e com preço acessível. Isso nos tornou atrativos, além de que qualquer novidade em cidade pequena já é naturalmente uma atração. Tinha público, e faltava alguém que oferecesse o que nós chegamos pra oferecer.

As informações obtidas a partir dessa avaliação de demanda motivou os empreendedores a perceberem e criarem uma oportunidade. A motivação pessoal é o guia para que os empreendedores busquem por oportunidades e decidam explorá-las. O Empreendedor 1 citou que ser empreendedor sempre foi seu objetivo:

É que na verdade eu sempre quis trabalhar pra mim, não queria trabalhar pros outros, eu estudei administração e não era porque meu pai tinha empresa (risos) e sim porque eu queria ter a minha, queria fazer dinheiro pra mim. Mas as coisas sempre foram acontecendo, minha vida pessoal se misturou com a vida profissional e foi por isso que ela mudou também. Na verdade eu fui procurar a oportunidade, olhava brechas onde eu podia encontrar alguma coisa, e surgiu a ideia, e eu vi que poderia operacionalizar isso.

Behling (2019) afirma que os elementos cognitivos, como a motivação pessoal, são essenciais para o processo de descoberta e criação das oportunidades, pois o processo inicia quando o empreendedor identifica uma oportunidade e se questiona sobre aquilo que o motiva a empreender.

Buscar uma solução, definida como uma orientação para o mercado, que faz da oportunidade o caminho para solucionar os problemas dos clientes, mostrou-se essencial nos processos de desenvolvimento das oportunidades analisadas neste estudo. (BEHLING; LENZI; ROSSETTO, 2019). A Empreendedora 6 descreve a sensação de solucionar os problemas de suas pacientes ‘’[...] meu objetivo é elevar a autoestima de outras mulheres. [...] ver como as mulheres chegam e a felicidade que as consome quando saem da clínica é incrível.’’

Um dos determinantes da solução é, de acordo com Behling (2019), resolver os problemas dos clientes, oferecer soluções antes não oferecidas, e através delas criar viabilidade econômica para o negócio.

A viabilidade econômica de um novo negócio inclui assumir riscos e aceitá-los, acreditando e comprovando através de estudos, que o retorno sobre o investimento pode cobrir seus custos. O Empreendedor 2 descreve que a viabilidade econômica foi decisiva para tornar seu empreendimento real:

Foi 100% decisiva. Principalmente por ser um ano desfavorável economicamente falando, a gente estava em uma pandemia, saindo de um antigo emprego, precisando de renda. E além disso tinha só a vontade de ter o próprio negócio, então foi nisso que a gente se abraçou, e procurou as formas de conseguir realizar com o menor custo possível, para o momento. Mas essa redução de custos em si não interfere diretamente no nosso trabalho, então pra nós foi possível, talvez pra outro segmento não fosse.

Muitos empreendedores ainda analisam a viabilidade econômica do negócio informalmente, mas não deixam de testar a oportunidade antes de tomar grandes decisões de investimento.

Para estabelecer essa viabilidade, os ajustes nas operações internas, indicam os caminhos de como fazer a gestão nas mais diversas áreas, como a gestão de pessoas, vendas e marketing, criatividade, etc (BEHLING, 2019). A Empreendedora 7 ressalta a importância de estar sempre presente e fornecendo o suporte necessário para a equipe ‘’[...] eu faço questão de estar presente na clínica, ver minhas meninas, dar o suporte necessário, e ver como tudo está funcionando. Em muitos dias ainda sou a primeira a chegar e a última a sair, sem intervalo”.

Os relatos apresentados reforçam as ideias dos autores de que as operações internas sofrem influencias diretas da criatividade, além do processo de aprendizagem obtido na organização, cuja finalidade é rever os recursos e processos organizacionais, para que a viabilidade econômica seja mantida (FILLIS; RENTSCHLER, 2010; DUTTA; CROSSAN, 2005).

 

4.2. Incertezas decorrentes do desequilíbrio entre oferta e demanda causadas pela pandemia COVID-19

Dada as incertezas associadas ao empreendedorismo, resta ao empreendedor utilizar as informações adequadas para as tomadas de decisão sobre seu negócio (SHEPHERD; WILLIAMS; PATZELT, 2015). O momento de pandemia da covid-19 trouxe aos empreendedores muitas dúvidas e incertezas sobre seus negócios, como cita a empreendedora 6:

A maior incerteza era a economia do momento. Não tinha como ter certeza de nada, eu fiz várias pesquisas de viabilidade de negócio, mas nenhuma delas incluía um momento pandêmico como o que estamos vivendo. Era uma realidade incomum, então tudo era incerto. A única certeza que eu tinha é que iria oferecer um bom trabalho, e que isso teria que compensar o desequilíbrio econômico.

Motivados pela incerteza decorrente da pandemia e através da combinação dos elementos cognitivos, os empreendedores percebem, descobrem e criam oportunidades. Conforme Ebersberger e Kuckertz (2021), a pandemia levou a um ambiente de mudanças desafiadoras que exigiram soluções inovadoras para a sobrevivência do empreendedorismo.

A presente pesquisa verificou, através das entrevistas com os empreendedores, que os elementos cognitivos influenciam a tomada de decisão no decorrer dos processos de percepção, descoberta e criação das oportunidades. Em concordância com Ardichvili, Cardozo e Ray (2003), as oportunidades partem de conceitos simples aos mais elaborados à medida em que são desenvolvidas. Para os autores, reconhecer uma oportunidade inclui perceber, descobrir e criar ajustes entre necessidades e recursos disponíveis. Em momentos de incertezas associados à atividade empresarial, tomadas de decisões rápidas, ainda sem muita informação, tendem a ser recorrentes (BEHLING; LENZI; ROSSETTO, 2019). Ebersberger e Kuckertz (2021) complementam que os desequilíbrios econômicos oriundos de crises desencadeiam o potencial de atender às demandas a partir de soluções inovadoras. Em razão desses desequilíbrios, os empreendedores utilizam os elementos cognitivos como fontes de informações mais seguras.

O modelo abaixo sintetiza a forma como as incertezas influenciam os elementos cognitivos e levam os empreendedores aos processos de percepção, descoberta e criação de uma oportunidade empreendedora.

 

Figura 3: Influência do sentimento de incerteza e dos elementos cognitivos nos processos de percepção, descoberta e criação de uma oportunidade empreendedora

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Fonte: Elaborado pelos autores

Através da análise de conteúdo foi possível perceber uma maior influência de alguns elementos cognitivos em etapas especificas da exploração de uma oportunidade empreendedora. Durante as falas dos empreendedores nas entrevistas, os elementos traços de personalidade, conhecimento prévio e as redes sociais demonstraram maior influência sobre a etapa de percepção de uma oportunidade empreendedora. Isso porque os indivíduos resgataram memórias daquilo que já haviam vivenciado e adaptaram seus conhecimentos ao contexto atual de pandemia e necessidades.

Os elementos ideia de negócio, demanda e diferenciais tiveram maior influência sobre a etapa de descoberta de uma oportunidade, visto que, na percepção dos empreendedores, são elementos que aumentam ou não a sua atratividade, sendo o primeiro elemento essencial e adaptável ao contexto econômico e social. Já os elementos solução, operações internas e viabilidade econômica dizem respeito aos resultados que o negócio pretende entregar e, em razão disso, influenciam diretamente a etapa de criação de uma oportunidade, podendo essa influência ser positiva ou não, e decisiva.

Os resultados da pesquisa indicaram que traços como otimismo, criatividade e dedicação estão bem presentes nos empreendedores, o que influenciou de forma positiva para que uma oportunidade fosse percebida. Em concordância com Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) que identificaram, em seu estudo, uma conexão positiva entre características como o otimismo e a criatividade e o reconhecimento de oportunidades. As experiências anteriores relatadas, bem como estudos adquiridos, proporcionaram aos empreendedores a percepção de uma oportunidade mesmo em cenários econômicos desfavoráveis para investimentos. Seja qual for o cenário econômico atual, os empreendedores tendem a perceber com mais facilidade oportunidades que tenham relação com seu conhecimento prévio, sendo assim, qualquer oportunidade empreendedora não é clara para todos os potenciais empreendedores (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003). As informações coletadas acerca das redes sociais dos entrevistados demonstram que essas redes induziram ao processo de percepção de uma oportunidade. Conforme os autores Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) informações coletadas em redes podem levar à percepção de uma oportunidade.

As ideias de negócio identificadas nas entrevistas não surgiram, ao todo, na pandemia. Algumas ideias já existiam nas intenções dos empreendedores, mas a partir das incertezas decorrentes da crise, foram adaptadas para os recursos e demandas do momento, fazendo com que os empresários descobrissem uma nova oportunidade diante da nova realidade, corroborando com Behling, Lenzi e Rossetto (2019) que indicam a ideia de negócio como a junção de diferenciais que solucionam as necessidades e problemas dos clientes e do mercado. Os diferenciais apresentados tornaram as oportunidades, de certa forma, mais atraentes ao empreendedor e aos consumidores, visto que influenciam positivamente na solução ofertada aos clientes (BEHLING; LENZI; ROSSETTO, 2019). Mesmo em meio às incertezas, os empreendedores constataram que havia demanda para os seus produtos/serviços oferecidos, e com isso descobriram uma boa oportunidade, atestando o processo de descoberta de uma oportunidade de Ardichvili, Cardozo e Ray (2003).

As soluções propostas pelos empreendedores indicaram viabilidade econômica para a criação de uma nova oportunidade, pois refletem a definição encontrada no estudo de Behling, Lenzi e Rossetto (2019), que diz que as soluções ofertadas envolvem praticidade, capacidade de resolução de problemas e garantia do sucesso do cliente na utilização do produto ou serviço. Os autores também indicam que as operações internas precisam ser adaptadas para atender as soluções propostas e criar viabilidade para a empresa, assim como nas entrevistas, onde ficou evidente que os empreendedores estruturaram suas operações internas de modo que a criação da oportunidade fosse algo flexível e viável através dos recursos disponíveis.

Mesmo sem avaliações formais, os empreendedores identificaram que sua ideia de negócio seria viável economicamente mesmo em um cenário econômico caracterizado pelo desequilíbrio entre oferta e demanda, criando assim novas oportunidades. A viabilidade e o retorno financeiro do negócio influenciam a criação de uma oportunidade (ARDICHVILI; CARDOZO; RAY, 2003).

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A influência dos elementos cognitivos nas tomadas de decisão dos empreendedores é elemento de muitos estudos e conclusões no que tange o empreendedorismo. No entanto, o cenário de mudanças repentinas decorrentes da pandemia do coronavírus, e as inconstâncias na economia originadas da crise trouxeram uma nova realidade que influencia a forma como os empreendedores interpretam seus elementos cognitivos e a forma como aplicam esses elementos nas tomadas de decisão e no desenvolvimento de oportunidades. Através da análise dos dados com base no modelo teórico de Ardichvili, Cardozo e Ray (2003), foi possível identificar que os empreendedores utilizam elementos cognitivos para investigar as necessidades, demandas e recursos disponíveis para desenvolver uma oportunidade. O modelo de Behling, Lenzi e Rossetto (2019), também utilizado como base para a elaboração das entrevistas, reforçou evidências de que os empreendedores buscam empreender em mercados nos quais possuem algum nível de conhecimento prévio, estudam a demanda a partir da sua rede de contatos e adaptam constantemente as atividades internas para chegar a um ponto de viabilidade econômica, desenvolvimento assim, as oportunidades.

A influência dos elementos cognitivos nas tomadas de decisão dos empreendedores é elemento de muitos estudos e conclusões no que tange o empreendedorismo. No entanto, o cenário de mudanças repentinas decorrentes da pandemia do coronavírus, e as inconstâncias na economia originadas da crise trouxeram uma nova realidade que influencia a forma como os empreendedores interpretam seus elementos cognitivos e a forma como aplicam esses elementos nas tomadas de decisão e no desenvolvimento de oportunidades.

Os elementos cognitivos dos indivíduos são alterados ou adaptados à essa nova realidade de desequilíbrios econômicos, fazendo com que a percepção, descoberta e criação de uma oportunidade considere os novos aspectos de negócios. O processo de reconhecimento de uma oportunidade de Ardichvili, Cardozo e Ray (2003) é o resultado do enriquecimento da base de conhecimento, respeitando as diferenças e individualidade de cada empreendedor. Com base na teoria, pôde-se concluir que os processos de percepção, descoberta e criação partiram dos elementos cognitivos individuais de cada empreendedor.

Os autores Castro et al. (2021) enfatizam que o momento proporcionou desigualdade, mas também crescimento profissional, novas formas de trabalho e inovação para os empreendedores que reconheceram oportunidades. Nesse sentido, esse estudo contribui para a literatura, ao analisar o processo de desenvolvimento de oportunidades ao longo de uma crise de grandes proporções e apresenta aos empreendedores futuros maior embasamento para decisões de empreendedorismo.

 

 

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