Artigo_2_-_7667

Desafios para a adoção da abordagem ágil em projetos de sistemas complexos e materiais de emprego militar

Challenges for adopting the agile approach in projects of complex systems and

materials for military use

Julio Cezar Rodrigues Eloi1, Renato Penha2,

Roque Rabechini Junior3 e Cristina Dai Prá Martens4

1 Universidade Paulista (UNIP) , Brasil, Mestrado em Administração,

e-mail: misterjulio@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4609-5717

2 Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Brasil, Doutorado em Administração,

e-mail: renato.penha.12@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1431-2860

3 Universidade Nove de Julho (UNINOVEx, Brasil, Doutorado em Engenharia da Produção,

e-mail: rabechinijr@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-6277-6571

4 Universidade Nove de Julho (UNINOVE, Brasil, Doutorado em Administração,

e-mail: cristinadpmartens@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0955-9786

Recebido em: 06/02/2024 - Revisado em: 13/03/2024 - Aprovado em: 14/03/2024 - Disponível em: 30/06/2024

Resumo

Este trabalho analisa os desafios enfrentados na adoção de práticas ágeis de gerenciamento de projetos de sistemas complexos e materiais de emprego militar. A pesquisa foi desenvolvida com a utilização do estudo de caso único, tendo a coleta de dados realizada pela análise documental e questionários aplicados a integrantes de uma Organização Militar do sistema de ciência, tecnologia e inovação do Exército Brasileiro. Neste contexto foi possível identificar alguns obstáculos para a adoção da abordagem ágil no gerenciamento de projetos militares, sendo os principais a mudança da cultura e a resistência à mudança, devido ao fato dos integrantes da organização serem mais aderentes ao guia PMBoK®. O trabalho tem como principal contribuição a discussão da abordagem ágil de gerenciamento de projetos no contexto das Forças Armadas brasileiras, em especial no gerenciamento de projetos de sistemas complexos e materiais de emprego militar no Exército Brasileiro.

Palavras-chave: gestão de projetos. abordagem ágil. sistemas complexos. materiais de emprego militar. gestão pública.

Abstract

This paper analyzes the challenges faced in adopting agile project management practices for complex systems and materials for military use. The research was developed using a particular case study, with data collection performed through document analysis and questionnaires to members of a military organization of the Brazilian Army’s science, technology, and innovation system. In this context, it was possible to identify some obstacles to adopting the agile approach in the management of military projects, the main ones being the change in culture and resistance to change, as the members of the organization are more adherent to the PMBoK® guide. The work’s main contribution is the discussion of the agile approach to project management in the context of the Brazilian Armed Forces, especially in the management of complex systems and materials projects for military use in the Brazilian Army.

Keywords: project management. agile approach. complex systems. materials for military employment. public management.

1 INTRODUÇÃO

Em virtude dos erros sistemáticos de gestão, aumento das reclamações dos clientes, violação de orçamentos e prazos contratados, torna-se cada vez mais claro que a abordagem tradicional de gerenciamento de projetos pode ser aperfeiçoada (Bogdanova; Parashkevova; Stoyanova, 2020). Para Nuottila, Aaltonen e Kujala (2016), a abordagem ágil na administração de projetos tem por objetivo aumentar a eficiência e a flexibilidade em projetos, bem como eliminar especificações desnecessárias e o retrabalho.

A conceituação da abordagem ágil em gerenciamento de projetos é tornada pública na virada deste século, pela divulgação do Manifesto Ágil de software (Beck; Beedle; Van Bennekum; Cockburn; Cunningham; Fowler; Grenning; Highsmith; Hunt; Jeffries; Kern; Marick; Martin; Mellor; Schwaber; Sutherland; Thomas, 2001). Basicamente as metodologias ágeis emergem num período de aumento da competitividade empresarial, o que levou os clientes a valorizarem aspectos como rapidez nas entregas e redução de custos (Ribeiro; Domingues, 2018). No contexto da gestão pública, Mergel (2016) explica que os governos estão adotando abordagens semelhantes para atender os cidadãos com mais agilidade.

É interessante notar que a abordagem ágil em gestão de projetos está sendo gradativamente incorporada de forma natural na iniciativa privada, em que pese no setor público esse desenvolvimento não ser tão evidente (Ribeiro; Domingues, 2018). Em tal sentido, há que se entender as diferenças entre os setores privado e público, uma vez que o serviço público atende múltiplos e complexos regulamentos, se organizando de forma burocrática e hierárquica, como explicam Bogdanova, Parashkevova e Stoyanova (2020).

Como não se dispõe de literatura abrangente relacionada à adoção das metodologias ágeis no serviço público (Nuottila; Aaltonen; Kujala, 2016), em especial no que tange às Forças Armadas, este trabalho pretende contribuir com a discussão focando nos desafios relacionados à adoção de novas formas de gerenciamento ágeis nesse contexto. Assim, esta pesquisa pretende contribuir com a discussão sob a ótica da unidade de análise dos sistemas complexos e materiais de emprego militar, cujo objetivo é de compreender a adoção de práticas ágeis de gerenciamento de projetos no serviço público, a contar do seguinte questionamento: quais são os principais desafios para a adoção da abordagem ágil na gestão de projetos de sistemas complexos e materiais de emprego militar?

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Pesquisadores como Eder, Conforto, Schnetzler, Amaral e Silva (2012) destacam o surgimento da teoria de gestão de projetos na década de 1950, que em seu início foram aplicadas a grandes empreendimentos, nos exemplos contidos em obras na construção civil, projetos nos setores de defesa e aeroespacial, cujo desenvolvimento nos últimos anos levou às críticas relacionadas às práticas tradicionais. Pela conceituação proposta pelo Project Management Institute (PMI), o projeto é um empreendimento de natureza temporária, com a finalidade de criar um produto ou serviço com resultado único, de forma que o gerenciamento de projetos tem a sua descrição como a aplicação de conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas às atividades do projeto para cumprir os seus requisitos (PMI, 2017).

Segundo Tomás (2009), até o ano de 2001, grande parte dos métodos de gerenciamento de projetos para o desenvolvimento de software eram baseados no modelo waterfall, que contém uma significativa fase de planejamento para todo o suporte de desenvolvimento subsequente. O modelo waterfall, traduzido em português para cascata, é o que denominaremos, neste trabalho, como grande parte dos métodos, abordagem ou práticas tradicionais de gerenciamento de projetos. Para Eder, Conforto, Silva e Amaral (2015), por práticas tradicionais de gerenciamento de projetos se entende aquelas em que há mais rigor na descrição do escopo, tendo atividades definidas em formato hierárquico na work breakdown structure (WBS), também conhecida como a estrutura analítica do projeto (EAP), sequenciadas no empreendimento como um todo (produto, entrega e atividade). Para os mesmos pesquisadores, na abordagem ágil, por sua vez, o escopo informa a solução a que se pretende chegar, com uma lista de atividades, sem tanta rigidez como ocorre na metodologia tradicional, de forma que no gerenciamento ágil de projetos (GAP) a descrição do escopo se traduz na análise de valor para o cliente.

No estudo de Almeida, Conforto, Silva e Amaral (2016), a abordagem ágil de gerenciamento de projetos se caracteriza pelo planejamento iterativo, encontros regulares com o líder do projeto, a utilização de artefatos visuais na etapa de controle do empreendimento e o conteúdo na descrição do produto, permitindo que os métodos ágeis sejam mais conhecidos pela visão do produto e pelo planejamento iterativo. Ao tratar brevemente de algumas distinções envolvendo as abordagens tradicional e ágil de projetos, reforça-se que o ambiente do serviço público no Brasil e no exterior possui as suas especificidades frente à iniciativa privada, uma vez que na gestão pública os administradores devem seguir estritamente todo um regramento jurídico que limita a esfera de atuação do gestor para executar tão somente o que está previsto em lei, tendo por finalidade precípua o bem estar da população em geral (Parra, 2003). No que tange à iniciativa privada, desde que não se encontrem impedimentos legais, há toda liberdade de atuação, objetivando a maximização do lucro em atenção às necessidades do mercado (Giacobbo, 1997).

Tais distinções entre os cotidianos do setor público e a iniciativa privada favoreceram que inovações gerenciais como os métodos ágeis de gerenciamento de projetos estivessem à frente em organizações privadas. Ribeiro e Domingues (2018) confirmam que o setor público é mais burocrático e há ainda maior resistência à mudança, o que torna mais lenta a adoção das novas práticas ágeis de gestão de projetos. A abordagem ágil de gerenciamento de projetos foi criada para melhorar o desempenho dos projetos, promovendo a “agilidade” (Conforto; Amaral; Silva; Felippo; Kamikawachi, 2016), tendo se popularizado desde o início da década de 2000 (Melo; Ferreira, 2010), regida pelos princípios do Manifesto Ágil, pronunciamento realizado por dezessete experientes desenvolvedores de software. Mergel (2016) orienta que a abordagem ágil envolve a criação, o teste e a melhoria dos produtos tecnológicos de maneira incremental, ao invés de aguardar pela entrega infalível ao término do contrato.

É no desenvolvimento ágil de gerenciamento de projetos que os indivíduos possuem um papel relevante para o sucesso dos empreendimentos, sendo fundamental a manutenção da boa comunicação entre os intervenientes, acompanhada da motivação para a entrega de um produto de qualidade, realmente adequado ao que o cliente deseja (Tomás, 2009). Tal autor explica que nenhum projeto é inteiramente previsível, de forma que a abordagem ágil aceita que os requisitos habitualmente sejam alterados, cuja mudança deve ser acomodada de maneira simples e rápida, reduzindo os ciclos de entrega e tendo maior adaptabilidade e flexibilidade no surgimento de novos requisitos, além de cumprir os prazos de entrega. De acordo com o Manifesto de 2001, a abordagem ágil valoriza responder à mudança sobre seguir um plano, aproveitando essa mudança para a vantagem competitiva do cliente, num ambiente em que são bem-vindas a alteração de requisitos, mesmo no final do desenvolvimento. Essa mudança de paradigma tornou a nova abordagem apta para o ambiente de pressões do novo século, de maior competitividade entre as empresas, em que os clientes pressionam por rapidez e diminuição de custos (Ribeiro; Domingues, 2018).

Bogdanova, Parashkevova e Stoyanova (2020) reforçam que o gerenciamento ágil de projetos se caracteriza por rápidos ciclos iterativos de planejamento e desenvolvimento o que permite que a equipe de projeto possa avaliar constantemente seu trabalho e obtenha respostas (feedbacks) imediatas dos outros membros da equipe e, se for o caso, também das partes interessadas (stakeholders). Torna interessante entender o dinamismo do gerenciamento ágil de projetos, em que os indivíduos e interações são mais valorizados que processos e ferramentas, além de se aproximar do cliente nas respostas às mudanças, que apesar da difusão mais avançada nas organizações da iniciativa privada, possui diversos desafios a serem enfrentados no serviço público. Por modelos ágeis de gerenciamento de projetos, podemos citar de forma não exaustiva, os exemplos encontrados nas pesquisas de Tomás (2009) e Fernandes (2020), que são métodos que possuem processos iterativos de desenvolvimento e sucessivas entregas ao cliente, o qual acompanha e participa da definição de novas funcionalidades aos projetos, de forma que a abordagem ágil é desenvolvida como resposta à evolução das necessidades e adaptabilidade (Tabela 1).

Tabela 1: Modelos de gerenciamento ágil de projetos

Modelo

Criador(es)

Características

Adaptative Software Development (ASD)

Jim Highsmith (1997)

Enfatiza a colaboração e auto-organização, possuindo três fases: especulação, colaboração e aprendizado. Adota iterações curtas e incrementais próximas aos stakeholders.

Crystal

Alistar Cockburn (2004)

Contém itens de diversos métodos, a fim de criar uma metodologia ideal, baseando-se em entregas incrementais e cadenciadas de produtos, tendo como princípio o conhecimento técnico mínimo da equipe para suportar a demanda e garantir o sucesso do projeto.

Dynamic Systems Development Method (DSDM)

DSDM Consortium (1990)

Formulado para permitir a forma de criar e manter os sistemas que satisfaçam às restrições de prazo via a adoção de prototipagem incremental em um ambiente controlado. O modelo segue o princípio de Pareto 80-20, em que 80% de uma aplicação poderá ser entregue em 20% do tempo estipulado para uma aplicação completa.

eXtreme Programming (XP)

Kent Beck (1996)

Composto por quatro atividades: Planejamento, Projeto, Codificação e Teste, as quais se repetem iteração a iteração. Emprega ainda um conjunto de cinco valores: comunicação, simplicidade, feedback, coragem e respeito.

Feature Driven Development (FDD)

Peter Coad (1997)

Possui features (características) que são funções valorizadas pelo cliente, traduzidas em cinco processos: desenvolver o modelo geral, construir a lista de recursos, planejar por recursos, desenhar por recursos e construir por recursos.

Lean Software Development (LSD)

Mary Poppendieck e Tom Poppendieck (2003)

Fundamenta-se na filosofia do sistema lean utilizado pela TOYOTA, objetivando eliminar os desperdícios e melhorar a qualidade e otimização do processo, bem como o comprometimento, geração de conhecimento e respeito aos indivíduos e entregas rápidas.

Scrum

Sutherland (1990)

Adota um conjunto de padrões de processo de software que se adequam a projetos com prazos exíguos e requisitos que se alteram constantemente. Possui lista de pendências, acompanhados de sprints, que são unidades de trabalho necessárias para satisfazer uma pendência em período de tempo de trinta dias, além das reuniões scrum de até quinze minutos.

Fonte: baseado em Tomás (2009) e Fernandes (2020).

Sobre o gerenciamento ágil de projetos, Tomás (2009) complementa que tal abordagem facilita a melhoria da comunicação, uma vez que o ambiente agradável pode significar desempenhos superiores das equipes. Roses, Windmöller e Carmo (2016) complementam esse raciocínio explicando a necessidade de se considerar as condições de aplicação dessas metodologias, destacando que as organizações com estrutura hierárquica reduzida ou praticamente inexistente, com linhas de comunicação flexíveis e empreendimentos impactados por frequentes alterações, tendem a se beneficiar melhor da abordagem ágil.

Ao pesquisar diversos estudos de caso envolvendo a implementação da abordagem ágil de gerenciamento de projetos no contexto da gestão pública, Rosa e Pereira (2021), concluíram que os desafios e dificuldades encontrados se relacionam, em grande parte, com a ausência de habilidades dos integrantes das equipes de projetos, a resistência a mudanças e o baixo envolvimento dos stakeholders. Por outro lado, em se tratando de benefícios, os mesmos pesquisadores citam as melhorias na comunicação e colaboração entre os componentes das equipes, respostas rápidas e efetivas às demandas, bem como a melhoria no desempenho e probabilidade de sucesso nos projetos.

Ao considerar os benefícios e as dificuldades encontradas na adoção da abordagem ágil de gerenciamento de projetos, Silva (2010) considera que os maiores problemas são relacionados à cultura organizacional, cujas companhias possuem filosofias contrárias aos valores da abordagem ágil, além de fatores como o treinamento insuficiente, a ausência do suporte gerencial, a ausência de transição de cultura, má vontade da equipe em adotar as práticas ágeis, pressões externas para manutenção da modelo cascata, sendo que mesmo assim os benefícios superam tais desafios. Nos desafios atinentes à adoção do gerenciamento ágil de projetos no âmbito do serviço público, a pesquisa de Nuottila, Aaltonen e Kujala (2016), classificou-os em sete categorias:

1) Documentação: em razão de que os servidores terem dificuldades em encontrar o equilíbrio certo de documentação;

2) Educação, experiência e comprometimento: que decorreu da transferência da abordagem cascata para o ágil, o que demonstra a necessidade de a organização instruir de forma efetiva sobre os métodos ágeis;

3) Comunicação e envolvimento das partes interessadas: é fundamental identificar de início os stakeholders e comunicar a cada um deles a respeito das decisões importantes;

4) Funções na configuração ágil: novas abordagens implicam em alterações funcionais que podem levar a problemas de responsabilidade;

5) Localização das equipes ágeis de desenvolvimento: forma identificados em alguns empreendimentos que determinadas equipes se distanciaram, ocasionando problemas de comunicação e coordenação;

6) Legislação: alguns problemas legais decorreram de conflitos da abordagem e a legislação relacionados a custos, datas de entrega, confidencialidade de informações etc.; e

7) Complexidade da arquitetura de software e integração de sistemas: a complexidade dos sistemas trouxe problemas com a integração com sistemas mais antigos.

Para resumir, a Tabela 2 ilustra os trabalhos desenvolvidos por Melo e Ferreira (2010), Silva (2010), Mergel (2016), Nuottila, Aaltonen e Kujala (2016), Bogdanova, Parashkevova e Stoyanova (2020), e Rosa e Pereira (2021), que investigaram os obstáculos existentes para a implementação da abordagem ágil no contexto da administração pública, com exemplos de casos ao redor do mundo:

Tabela 2: síntese dos desafios e benefícios da adoção da abordagem ágil no setor público.

Autor(es)

Local

Principais desafios encontrados na adoção da abordagem ágil de gerenciamento de projetos

Melo e Ferreira (2010)

Brasil

Mudança da cultura organizacional.

Mergel (2016)

Alemanha

Mudança cultural.

Nuottila, Aaltonen e Kujala (2016)

Finlândia

1) Documentação;

2) Educação do pessoal, experiência e compromisso;

3) Comunicação e envolvimento dos stakeholders;

4) Papéis em uma configuração ágil;

5) Localização das equipes ágeis;

6) Legislação; e

7) Complexidade da arquitetura e integração de sistemas.

Ribeiro e Domingues (2018)

Portugal

Resistência a mudança.

Bogdanova, Parashkevova e Stoyanova (2020)

Bulgária

Resistência a mudança, comunicação deficiente e forte burocracia.

Rosa e Pereira (2021)

Brasil

1) Falta de habilidades dos integrantes do projeto em metodologias ágeis;

2) Tentativas de aplicação de um framework ágil integralmente;

3) Ausência de iniciativa das equipes para decidir;

4) Resistência a mudanças; e

5) baixo envolvimento das partes interessadas.

Fonte: os autores (2021).

No caso analisado neste artigo, tratamos de estudar os desafios atinentes à adoção dos métodos ágeis de gerenciamento de projetos em uma Organização Militar (OM) do Exército Brasileiro (EB), a Diretoria de Sistemas e Materiais de Emprego Militar (DSMEM), localizada em Brasília/ DF, cuja missão é dedicada à obtenção de sistemas de defesa complexos e materiais de emprego militar. Em informativos da própria organização (DSMEM, 2018), sistemas complexos são “sistemas de sistemas”, ou melhor, aqueles que possuem elevada capacidade tecnológica (DSMEM, 2019). Pesquisadores especializados em assuntos ligados ao campo de estudos das ciências militares, como Lima de Oliveira, Oliveira, Campos Júnior e Matos (2021), complementam ainda que os sistemas complexos de defesa operam na fronteira do conhecimento, o que demandam maciços investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de significativos aportes financeiros. Na terminologia militar, os sistemas e materiais de emprego militar (SMEM) estão compreendidos como “armamento, munição, equipamentos militares e outros materiais, sistemas ou meios navais, aéreos, terrestres e anfíbios de uso privativo ou característicos das Forças Armadas e seus sobressalentes e acessórios” (EB, 2016, p. 45). Lima de Oliveira, Oliveira, Campos Júnior e Matos (2021) exemplificam que os sistemas complexos de defesa são as aeronaves militares, os submarinos, os veículos blindados de combate, os mísseis, os satélites e seus subsistemas etc.

3 METODOLOGIA

O trabalho é de natureza qualitativa, com o uso do método do estudo de caso único (Yin, 2004), tendo a coleta de dados sido realizada pela análise de documentos e questionários encaminhados à organização pesquisada (Gil, 2002; Lakatos; Marconi, 2003), com o foco de obter maior aderência na busca dos desafios encontrados na adoção da abordagem ágil de gerenciamento de projetos de natureza militar. A pesquisa recorreu à coleta de dados por consultas a documentos como portarias relativos à gestão de projetos e à obtenção e concepção de sistemas complexos e materiais de emprego militar adotados pelo Exército, bem como o contato com integrantes da organização estudada via questionários.

Além da consulta aos documentos de uso interno no Exército, pela internet foi encaminhando um modelo de questionário para conceder maior relevância à descrição verbal pelos respondentes (Prodanov; Freitas, 2013), dada a impossibilidade de se agendar entrevistas presenciais na organização em julho e agosto de 2021, período de restrições de deslocamentos aeroviários impostos pela pandemia mundial do COVID-19 (coronavírus). O modelo de questionário adotado (Quadro 1) possui um padrão estruturado a possibilitar significativa liberdade aos respondentes na descrição dos desafios relacionados à adoção da abordagem ágil de gerenciamento de projetos de sistemas complexos e materiais de emprego militar no Exército, conforme autorização da direção da organização pesquisada.

Quadro 1 – Questionário encaminhado aos integrantes da organização pesquisada.

1) O(A) Sr(a) possui conhecimento em gerenciamento de projetos? Em caso positivo, conhece os métodos ágeis?

2) Em caso de servidores da organização que não possuem conhecimento dos métodos ágeis, há interesse deles em conhecer as práticas?

3) Quanto aos métodos ágeis de gerenciamento de projetos, o(a) Sr(a) entende que eles podem ser úteis no que se refere aos sistemas complexos e materiais de emprego militar?

4) No tocante aos desafios enfrentados pela organização em relação à adoção dos métodos ágeis de gerenciamento de projetos, o(a) Sr(a) poderia destacá-los?

5) O(A) Sr(a) conhece casos de sucesso na adoção de métodos ágeis em projetos no serviço público? E nas Forças Armadas? Em caso positivo, por gentileza levantar exemplos.

Fonte: os autores (2021).

Na sequência deste trabalho discutimos os resultados advindos dos questionários, em que organizamos as impressões colhidas dos respondentes, assim como os achados oriundos da pesquisa documental, com base nos dispositivos legais que orientam o trabalho da organização, a Portaria nº 176, do Estado-Maior do Exército (EME), de 29 de agosto de 2013, a Portaria nº 233, do Comandante do Exército (Cmt Ex), de 15 de março de 2016, e a Portaria nº 054, do Cmt Ex, de 30 de janeiro de 2017.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A entidade estudada é uma OM de implantação recente, criada e ativada por força da Portaria do Comandante do Exército nº 1.676, de 16 de novembro de 2015, sendo diretamente subordinada ao Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT), que é o Órgão de Direção Setorial (ODS) de mais alto nível hierárquico responsável pelas políticas de pesquisa e desenvolvimento no EB. Com o auxílio dos servidores integrantes da comunidade de práticas de gerenciamento de projetos lotados na DSMEM, e na busca de dados pelo portal do Sistema de Busca aos Boletins do Exército (SISBBEx), identificou-se que a gestão dos projetos na organização estudada é regida pelos documentos constantes da Tabela 3:

Tabela 3: documentos internos do Exército Brasileiro relacionados à gestão de projetos.

Documento

Descrição e finalidade

Normas para Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento de Projetos no Exército Brasileiro (EB20-N-08.001), aprovadas pela Portaria do Chefe do Estado-Maior do Exército nº 176, de 29 de agosto de 2013.

É a ٢ª edição das normas relativas a padronizar e operacionalizar uma metodologia relacionada à elaboração, gerenciamento e acompanhamento de projetos no âmbito do Exército. No ambiente militar é conhecida por NEGAPEB e é fundamentada no Guia de boas práticas de gerenciamento de projetos PMBoK® editado pelo PMI. Menciona a Portaria nº 224-EME, de 23 de dezembro de 2005, que aprova a Diretriz para a implantação e o funcionamento do Escritório de Projetos do Exército (EPEx), o PMO da Força Terrestre, responsável pela promoção da cultura de gestão de projetos no âmbito do Exército; assim como a NBR ISO 31000:2009 - Gestão de Riscos – Princípios e Diretrizes, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

Instruções Gerais para a Gestão do Ciclo de Vida dos Sistemas e Materiais de

Emprego Militar (EB10-IG-01.018), aprovadas pela Portaria do Comandante do Exército nº 233, de 15 de março de 2016.

Aprovada como a 1ª edição das instruções gerais para a gestão do ciclo de vida dos sistemas e materiais de emprego militar. É o regulamento base para a organização estudada neste trabalho, sendo aplicado aos seguintes tipos de sistemas e materiais de emprego militar:
I - sistema ou material a ser pesquisado e desenvolvido por iniciativa do Exército;
II - sistema ou material em uso corrente no Exército, em processo de repotencialização ou modernização;
III - sistema ou material em uso corrente no Exército em processo de revitalização;
IV - sistema ou material em uso corrente no Exército;
V - sistema ou material em desenvolvimento ou já desenvolvido, por iniciativa de terceiros, de interesse do Exército; e
VI - sistema ou material em desenvolvimento ou já desenvolvido, por iniciativa de terceiros, sem interesse imediato do Exército.

Normas para Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento do Portfólio e dos Programas
Estratégicos do Exército Brasileiro (EB10-N-01.004), aprovadas pela Portaria do Comandante do Exército nº 054, de 30 de janeiro de 2017.

Trata-se da 1ª edição das normas para a elaboração, gerenciamento e acompanhamento do Portfólio e dos Programas Estratégicos do Exército. É o regulamento para a gestão do Portfólio Estratégico da Força Terrestre. Em razão dos sistemas complexos e materiais de emprego militar serem intimamente relacionados aos projetos e programas que compõem o Portfólio Estratégico da instituição castrense, o conhecimento da norma em tela é fundamental para a compreensão do planejamento e coordenação das ações de interesse dos Projetos Estratégicos do Exército (PEE).

Regimento Interno do Centro de Desenvolvimento de Sistemas (EB80-RI-78.001), aprovado pela Portaria do Chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia nº 006, de 3 de fevereiro de 2017.

É o documento que trata da finalidade da organização, como descrito no artigo ١º: “O Centro de Desenvolvimento de Sistemas (CDS) é órgão técnico e executivo, integrante do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT), que tem por finalidade conceber, desenvolver, integrar, aperfeiçoar, avaliar e manter sistemas, programas, aplicativos e estruturas lógicas dos diversos sistemas corporativos e sistemas de informações operacionais do Exército, atribuídos ao DCT”.

Regimento Interno da Diretoria de Sistemas e Material de Emprego Militar (RI-DSMEM) (EB80-RI-81.001), aprovado pela Portaria do Chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia nº 054, 4 de junho de 2018.

No 2º artigo desse documento é explicada a razão de ser da organização: “A DSMEM é uma organização militar subordinada ao Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) e tem por finalidade a obtenção de sistemas e materiais de emprego militar que envolvam elevado grau de complexidade tecnológica e/ou pesquisa, desenvolvimento e inovação (P, D & I), especialmente aqueles relacionados à obtenção das capacidades identificadas na Sistemática de Planejamento Estratégico do Exército (SIPLEx), incluídos no Plano Estratégico do Exército (PEEx), Planejamento Estratégico do Exército (PEE) ou Plano de Obtenção de Capacidades Materiais (PCM)”.

Fonte: os autores (2021).

A normas internas para a gestão de projetos no Exército Brasileiro, as NEGAPEB, referenciam o conhecido guia de boas práticas PMBoK®, sigla para Project Management Body of Knowledge, publicado pelo Project Management Institute (PMI), reconhecida entidade criada nos Estados Unidos em 1969, e mais identificada até o momento com a abordagem tradicional na gestão de projetos. As Instruções Gerais para o Ciclo de Vida dos Sistemas e Materiais de Emprego Militar, as EB10-IG-01.018, são as normas mais aderentes à atividade-fim da organização estudada, não tratando especificamente de gestão de projetos, mas da missão da instituição e o seu relacionamento com o sistema de ciência, tecnologia e inovação do Exército, ao passo que as NEGAPORT são alinhadas com a administração do portfólio estratégico do Exército e como a DSMEM lida com a obtenção de sistemas e materiais de interesse dos projetos que compõem o portfólio estratégico, torna-se necessário conhecer tal regulamento.

Neste diapasão, nos questionários enviados a seis integrantes da organização pesquisada, notou-se em primeira análise pouco conhecimento a respeito das práticas ágeis de gerenciamento de projetos, provavelmente devido ao fato do Ministério da Defesa (MD) e o Exército Brasileiro não editaram até o momento da submissão desta investigação, publicações relacionadas a esse conjunto de técnicas e práticas.

Após o contato com os seis integrantes da DSMEM, esta pesquisa passou a contar com o apoio de um oficial lotado no Centro de Desenvolvimento de Sistemas, o que acabou permitindo o conhecimento do Regimento Interno daquela organização (EB80-RI-78.001, aprovado pela Portaria do Chefe do DCT nº 006, de 3 de fevereiro 2017), as Instruções Gerais do Ciclo de Vida de Software (EB10-IG-01.006 – 1ª edição), a “Diretriz Ágil de Desenvolvimento de Software”, além do IV Seminário de Obtenção de Sistemas e Material de Emprego Militar, evento realizado de 9 a 11 de novembro de 2021, que congregou diversos especialistas de organizações subordinadas e vinculadas ao DCT, além de representações do Ministério da Defesa, Marinha do Brasil e Força Aérea Brasileira.

Os perfis dos militares contactados se divide entre os profissionais da área da engenharia militar, da área combatente (infantaria e artilharia), bem como da área gerencial (intendência), como se verifica na tabela seguinte, dos quais seis são da DSMEM e um do CDS:

Tabela 4: qualificação dos respondentes integrantes da organização pesquisada.

Respondente

(por ordem hierárquica)

Posto ou graduação

Formação militar/ acadêmica

Carreira militar

Experiência em projetos

OM

1

Coronel

Bacharel em Ciências Militares (Artilharia) e MBA em Gestão de Projetos

Mais de trinta anos

Cerca de cinco anos

DSMEM

2

Major

Bacharel em Engenharia Militar e mestrado em Engenharia da Produção

Mais de vinte anos

Cerca de cinco anos

DSMEM

3

Major

Bacharel em Engenharia Militar e mestrado em Engenharia de Materiais

Mais de vinte anos

Cerca de cinco anos

DSMEM

4

Major

Bacharel em Ciências Militares (Intendência) e MBA em Gestão de Projetos

Mais de vinte anos

Cerca de oito anos

DSMEM

5

Capitão

Bacharel em Ciências Militares (Infantaria) e especialização em Ciências Militares

Mais de dez anos

Cerca de cinco anos

CDS

6

1º Tenente

Bacharel em Engenharia Militar e MBA em Gestão de Projetos

Cerca de dez anos

Cerca de cinco anos

DSMEM

7

1º Sargento

Técnico em Serviço de Intendência e Bacharel em Ciências Contábeis

Mais de vinte anos

Cerca de cinco anos

DSMEM

Fonte: os autores (2021).

Os respondentes são militares com larga experiência nas lides castrenses, sendo todos do quadro permanente (concursados), conhecidos nas Forças Armadas brasileiras como militares de carreira. Em linhas gerais, na maior parte das respostas aos questionários, os integrantes da organização demonstraram forte aderência à abordagem tradicional de gestão de projetos. No que se refere às noções relacionadas à abordagem ágil, os respondentes declararam que decorrem, em grande parte, da realização e contato com outros colegas concludentes do MBA em Gestão de Projetos com foco nos Projetos e Programas Estratégicos da Força Terrestre, capacitação disponibilizada mediante convênio que o Estado-Maior do Exército firmou com a Universidade de Brasília (UnB) em 2018.

Interessante salientar o caso de um respondente que atua no gerenciamento de projetos de defesa desde 2014 e que possui diversos cursos de extensão na área e intercâmbios com as outras Forças Armadas brasileiras (Marinha e Aeronáutica), bem como o Naval Postgraduate School (Marinha dos EUA), além de significativa experiência profissional no PMO da Força Terrestre, o Escritório de Projetos do Exército (EPEx), local de trabalho em que obteve a certificação britânica PRINCE2, sigla para PRojects IN Controlled Environments. Tal militar é o que mais demonstrou possuir conhecimento a respeito da abordagem ágil de gestão de projetos. Quando os demais militares foram perguntados se conheciam algum método ou prática de gestão ágil de projetos, a maior parte dos respondentes responderam que haviam falado a respeito do Kanban, Scrum e Lean e que quando questionados se teriam interesse em aprender sobre as demais práticas, mais da metade respondeu de maneira afirmativa, ao passo que somente um respondeu “não” e outro como “talvez”.

A favor da adoção da abordagem ágil no gerenciamento de projetos, a maior parte dos respondentes entende que podem ser úteis nos processos de obtenção de novos sistemas complexos e produtos de defesa, tornando o processo de contratação mais rápido, eficiente e menos burocratizado, ressaltando que a adoção da abordagem ágil não substituiria totalmente a metodologia de gerenciamento de projetos previstas nas normas do Exército, as NEGAPEB e as NEGAPORT. Houve ainda outro respondente explicando que “acredito que a utilização de metodologias ágeis deve ser extremamente útil na fase de formulação conceitual dos projetos de obtenção de SMEM para permitir ajustes no escopo dos projetos bem como a alteração nos cronogramas e no gerenciamento de custos, se for necessário. Na fase de contratação dos SMEM, é mais difícil implementar metodologias ágeis devido às premissas em seguir processos estabelecidos e consolidados no âmbito da administração pública”.

No tocante aos desafios que a organização enfrentaria na adoção da abordagem ágil, tornou-se unânime a ideia de que a mudança da cultura é o maior desafio, pelas particularidades da instituição. Em segundo lugar apareceu a resistência à mudança, pelo receio ao desconhecido, dada a falta de conhecimento das ferramentas e práticas ágeis por parte dos servidores. O terceiro desafio mencionado foi a capacitação dos integrantes da organização, sendo necessário convencer a liderança da importância de conhecer novas formas de gerenciamento de projetos.

Como demais desafios, houve um integrante que destacou a possibilidade de transformação de algumas estruturas hierarquizadas/ piramidais/ funcionais em propostas de organizações projetizadas, o que poderia se originar do fortalecimento da cultura de gestão de projetos no próprio Exército, com a aquisição de conhecimentos em outras abordagens como as ágeis e híbridas, além do patrocínio na aquisição de certificações aos servidores. Observa-se que os desafios são, em grande medida, interligados, pois envolvem desde a cultura da organização castrense em sua forma hierarquizada, como em qualquer Força Armada no mundo, passando pela resistência à mudança e à capacitação dos recursos humanos na abordagem ágil, patrocínio às certificações, formação de organizações projetizadas e o fortalecimento da cultura de gerenciamento de projetos.

Interessante foi ainda a citação de algumas das especificidades da carreira militar que sãos as movimentações de pessoal, os quais podem servir em qualquer Organização Militar no Brasil ou no exterior, o que acarreta, em alguns casos, na perda de conhecimento tácito e explícito, pois o militar ou a equipe que são transferidos podem acabar sendo alocados em outras funções e tarefas que não sejam diretamente relacionadas ao gerenciamento de projetos, de forma que o Exército pode criar algum mecanismo de acompanhamento de talentos que sejam especialistas em gerenciamento de projetos, quer sejam no modelo tradicional, ágil ou híbrido. Ao citarem casos de sucesso de adoção da abordagem ágil de gerenciamento de projetos, alguns respondentes citaram Institutos de Ciência e Tecnologia do Exército (ICT), como o Centro de Desenvolvimento de Sistemas (CDS), o Instituto Militar de Engenharia (IME) e a Agência de Gestão da Inovação Tecnológica (AGITEC), como exemplos de organizações que conhecem e adotam a abordagem ágil, sobretudo o CDS.

É sobre o CDS que há mais comentários sobre a adoção da abordagem ágil de gerenciamento de projetos, pela Organização Militar trabalhar rotineiramente com projetos de desenvolvimento de software. Adicionalmente, foi citado o exemplo do caso do projeto denominado SBAAC, o Sistema de Busca Avançada de Ameaça Cibernética, conduzido pelo CDCiber (Centro de Defesa Cibernética), que está elaborando a formulação conceitual via reuniões semanais nas quais se discute os aspectos do sistema e a sua adequação às três Forças Armadas brasileiras (Marinha, Exército e Aeronáutica). Uma importante contribuição do integrante do Centro de Desenvolvimento de Sistemas é a de que a organização possui um documento denominado “Diretriz Ágil de Desenvolvimento de Software”. Dado o encerramento dos trabalhos nesta pesquisa, não foi possível ter acesso à integra do documento, de forma que mesmo assim é digno de registro que no Exército Brasileiro há militares envolvidos no gerenciamento de projetos que estão tendo acesso à abordagem ágil, o demonstra que o CDS possui mais aderência do que as outras organizações militares da Força Terrestre.

Digno de nota é importante ressaltar que no IV Seminário de Obtenção de Sistemas e Material de Emprego Militar, evento que contou com a apresentação de diversos trabalhos de militares integrantes do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação do Exército, houve a grata surpresa de conhecer o Projeto COBRA (Combatente Brasileiro), que contempla as três necessidades fundamentais do combatente moderno: a letalidade, o comando e controle e a sobrevivência. No contexto desse projeto, foi possível compreender o a abordagem ágil no gerenciamento de projetos que a Fábrica de Material de Comunicações e Eletrônica (FMCE) da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL), localizada no Rio de Janeiro/ RJ, atuou no desenvolvimento de produtos relacionados à função de comando e controle.

Em que pese as normas do Exército Brasileiro serem mais aderentes ao guia PMBoK® (PMI, 2017), os militares contatados relataram significativo interesse em conhecer os métodos ágeis de gerenciamento de projetos, como o Scrum, o Lean, o DSDM (Dynamic System Development Model), o XP (eXtreme Programming), o MSF (Microsoft Solutions Framework), o FDD (Feature Driven Development) e o SAFe (Scaled Agile Framework), etc. Tal interesse se justifica na necessidade de atender melhor as demandas contemporâneas e conhecer métodos para entregas mais rápidas e com menor custo, ressaltando que alguns respondentes já haviam ouvido falar do Scrum pelo MBA em Gestão de Projetos, mas que a capacitação possuía maior enfoque na abordagem tradicional tratada pelo PMBoK® (PMI, 2017).

Os desafios encontrados para a adoção dos métodos ágeis em uma Organização Militar são obstáculos semelhantes às demais organizações do setor público, quando se trata da excessiva burocracia, cuja quantidade de normas é um sério entrave para a mudança organizacional, que torna mais difícil o ambiente para mudanças. E as mudanças ocorrem cada vez de forma mais rápida na iniciativa privada, de modo que a administração pública possui um hiato no que se refere ao tempo para implementação de novas metodologias.

Em síntese, os maiores obstáculos advém da cultura, da resistência às mudanças e da formação de especialistas na abordagem ágil, uma vez que ao mesmo tempo em que há interesse pela aquisição de conhecimento em técnicas e práticas da abordagem ágil, a maior parte dos servidores está vinculada ao guia PMBoK® (PMI, 2017) e é vital que a liderança se convença da importância de incorporar novos métodos gerenciais para solucionar problemas de difícil solução como é a concepção e obtenção de sistemas complexos e materiais de emprego militar numa economia em desenvolvimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho foi possível identificar alguns desafios para a adoção da abordagem ágil no gerenciamento de projetos relacionados aos sistemas complexos e materiais de emprego militar em uma Organização Militar do Exército Brasileiro. Em que pese a instituição pesquisada possuir maior aderência ao gerenciamento de projetos preconizado no guia de boas práticas PMBoK® (PMI, 2017), a dinâmica das necessidades operativas militares requer uma diversificação nos métodos de gestão, o que pode ser uma interessante alternativa incluir a capacitação de pessoal no gerenciamento ágil de projetos.

O Exército Brasileiro, gestor de empreendimentos militares em território nacional, busca capacitar seus quadros no país e no exterior, participando de diversos intercâmbios nos últimos anos, sendo importante formar especialistas na abordagem ágil de gerenciamento de projetos, inclusive alinhados aos sistemas complexos e materiais de emprego militar, que foi a unidade de análise estipulada nesta investigação. É pela via de tais intercâmbios que os servidores poderão obter maior aderência às ferramentas e práticas ágeis de gerenciamento de projetos, como pode ser verificado pelo exemplo dos projetos de desenvolvimento de software no CDS, Organização Militar do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação mencionada durante a coleta de dados pelos questionários enviados aos especialistas da DSMEM.

O obstáculo identificado pela ausência de capacitação dos servidores aparenta ser solucionável pela ação da liderança em proporcionar oportunidades de capacitação pelos cursos e certificações na abordagem ágil de gerenciamento de projetos, dado o fato que a pesquisa mostrou que há forte interesse na aquisição de conhecimento em novas práticas e ferramentas gerenciais, aproveitando ainda que na organização foi identificado que a abordagem ágil pode ser útil no gerenciamento de sistemas complexos e materiais de emprego militar. Ao mesmo tempo em que foi identificado o interesse de servidores em se capacitar nos métodos ágeis, pelas vantagens na relação com os clientes, entregas rápidas e frequentes, qualidade e customização de produto, foi também entendido que há limites impostos pela burocracia que rege o serviço público federal, que como qualquer organização estatal, é regida por um extenso conjunto de regras que limita mudanças rápidas que o contexto globalizado exige.

Outro limite encontrado pode ser refletido na cultura organizacional e resistência a mudança, dado o fato que significativa parte dos servidores estão acostumados a trabalhar nos moldes da abordagem tradicional de gerenciamento de projetos, sob os ditames do PMBoK®, cuja aceitabilidade junto à comunidade de praticantes na gestão pública interfere na introdução de novas abordagens. Isso pode valer tanto para a iniciativa privada, quanto o setor público, no entanto, na administração pública, dada as suas características burocráticas e entraves legais, revela-se um ambiente mais propício em resistir às inovações gerenciais (Giacobbo, 1997; Parra, 2003). Ao mesmo tempo em que se encontra desafios, o trabalho pode concluir que há interesse por parte dos militares da organização em adquirir conhecimentos atinentes à abordagem ágil, buscando desenvolver o conjunto de ferramentas e práticas introduzidos durante o MBA em Gestão de Projetos com foco nos Projetos e Programas Estratégicos da Força Terrestre, capacitação disponibilizada mediante convênio que o Estado-Maior do Exército firmou com a Universidade de Brasília (UnB) em 2018.

O trabalho apresentou como limitações ao escopo conter uma pesquisa direcionada ao setor de concepção e obtenção de sistemas complexos e materiais de emprego militar, em uma Organização Militar exclusiva para essa atividade, o que em pesquisas futuras sobre os desafios para a adoção da abordagem ágil pode incorporar mais setores como os de logística militar, outras organizações do sistema de ciência, tecnologia e inovação, setores de educação e cultura, além de demais órgãos constantes da estrutura organizacional do Exército Brasileiro. Frente às limitações encontradas em uma investigação apoiada em seis militares da DSMEM e um do CDS, importantes achados como o IV Seminário de Obtenção de Sistemas e Material de Emprego Militar, o Projeto COBRA na FMCE/ IMBEL, a Diretriz Ágil de Desenvolvimento de Software do CDS, o Sistema de Busca Avançada de Ameaça Cibernética conduzido pelo CDCiber, apontam que trabalhos futuros poderiam também envolver experiências de outras Forças Armadas, no Brasil e no exterior, a título de uma análise mais abrangente em termos comparativos, o que possibilitará em certa medida generalizar as considerações dos achados nas coletas de dados.

Por fim, é imperioso ressaltar que o corpus teórico relacionado à adoção de métodos ágeis no setor público não é um conjunto robusto de investigações, o que demonstra um campo fértil para novas reflexões de cunho prático e teórico. Investigações futuras podem englobar experiências em outras Forças Armadas, como forma de referência para o caso brasileiro tratado neste artigo.

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