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Turismo sustentável, para quem? Reflexões sobre políticas públicas para o turismo no Brasil

Sustainable tourism, for who? Reflections about public policies for tourism in Brazil

Paula Turra Grechinski1, Cristina Frutuoso Teixeira2,

Sandra Dalila Corbari3 e Manuela Dreyer Silva4

1 Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI/PR), Brasil, Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento,

e-mail: paula.turismo@unicentro.br, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-8376-6583

2 Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil, Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento,

e-mail: cristinatufpr@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6695-2221

3 Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Brasil, Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento,

e-mail: cornarisandra31@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5064-9826

4 Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil, Doutorado em Tecnologia e Sociedade,

e-mail: leladreyer@yahoo.com.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8271-4159

Recebido em: 10/03/2024 - Revisado em: 29/04/2024 - Aprovado em: 02/05/2024 - Disponível em: 30/06/2024

Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar políticas públicas para o turismo sustentável no Brasil. Para subsidiar as reflexões, realizou-se pesquisa bibliográfica sobre o conceito de turismo sustentável e sua utilização no desenvolvimento da atividade turística; e pesquisa documental em materiais que correspondem a marcos políticos e legais do país, possibilitando uma análise a respeito do conceito de turismo sustentável nas perspectivas dos órgãos oficiais de turismo. Os resultados obtidos, analisados em conjunto com o referencial teórico utilizado, permitem reflexões sobre o turismo sustentável e a sustentabilidade do turismo presente nos discursos, em especial, do poder público. Em outras palavras, se esses discursos respaldam a busca do desenvolvimento sustentável do turismo; ou do desenvolvimento do turismo sustentável. A perspectiva adotada para a pesquisa leva a um resultado que demonstra foco em uma lógica mercadológica por parte das políticas de turismo aqui analisadas, e assim questiona sobre que turismo se quer sustentar.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; turismo sustentável; política pública.

Abstract

This article aims to analyze public policies for sustainable tourism in Brazil. To subsidize the reflections, a bibliographic research about the concept of sustainable tourism and this use on the development of tourism activity was carried out. Documentary research was also carried out on materials that corresponded to political and legal milestones, enabling an analysis about the concept of sustainable tourism from the perspectives of official tourism institutions. The results, analyzed in conjunction with the theoretical framework used, showed reflections about sustainable tourism and the sustainability of tourism present in discourses, in particular, by public institutions. In other words, if these discourses support the pursuit of sustainable tourism development; or the development of sustainable tourism. The perspective adopted for the research leads to a result that demonstrates a focus on a marketing logic in the tourism policies analyzed here, and questions what kind of tourism that wants to sustain.

Key words: sustainable development; sustainable tourism; public policies.

1. INTRODUÇÃO

Visões que maximizam os aspectos econômicos do turismo são fonte de inspiração de políticas de ‘desenvolvimento’ que ofertam produtos e serviços turísticos (Scótolo; Panosso Netto, 2015). Há que se considerar que as definições de turismo, historicamente, foram construídas principalmente a partir de sua relevância econômica. De fato, o turismo revelou a capacidade de geração de divisa, renda e emprego; qualificação profissional e educacional; projeção de imagem e desenvolvimento de destinos; criação de áreas protegidas; proteção de monumentos e sítios históricos; e melhoria da qualidade ambiental (Yazigi et al., 2002; Beni, 2003a; Alvares, 2010; Scótolo; Panosso Netto, 2015; Volpi; Paulino, 2019).

Porém, quando o principal foco está na eficiência econômica, não há maior atenção para as consequências que a atividade pode acarretar nas dimensões ecológica e social, e tampouco questiona-se sobre quem, de fato, se beneficia do crescimento econômico. Em decorrência do desenvolvimento de uma atividade não planejada em aspectos socioambientais, por exemplo, negligenciam-se questões que envolvem a cultura local, poluição do ambiente (sonora e visual), exploração sexual, problemas de mobilidade urbana, aumento do custo de vida, dentre tantas outras.

Nesse sentido, também se evidencia o uso generalizado do termo ‘desenvolvimento’, em muitos casos, sem consonância com o ideal de desenvolvimento, mas equiparado ao crescimento econômico (de alguns).

A relação entre atividade turística e desenvolvimento sustentável faz-se necessária uma vez que a qualificação do turismo como sustentável deriva da perspectiva de desenvolvimento diante de uma crise ambiental global. O conceito de turismo sustentável é complexo, assim como o de desenvolvimento sustentável, e pode englobar diferentes dimensões e abordagens.

A relação entre turismo e desenvolvimento sustentável, corrente em diretrizes internacionais e em políticas públicas, acarreta reflexões, discussões e debates que caracterizam a diversidade de abordagens em torno da sustentabilidade que qualifica desenvolvimento e turismo. Muito se discute o conceito de desenvolvimento sustentável, porém, assim como destacado por Rodrigues (2002) e Veiga (2010), a sustentabilidade e, consequentemente, o turismo sustentável consistem em idealizações utópicas.

Isso porque, assim como existem diferentes concepções de desenvolvimento sustentável e formas de apropriação desse ideal por diferentes atores e agentes sociais, isso também ocorre com o turismo sustentável (Körössy, 2008; Souza, 2013). Assim, este conceito é muitas vezes confundido ou tratado como um sinônimo de sustentabilidade do turismo.

A partir dessas constatações, esse artigo tem o objetivo de analisar políticas públicas para o turismo sustentável no Brasil. Para tanto, estuda-se o conceito de turismo sustentável e sua utilização no desenvolvimento da atividade turística; e apresentam-se documentos que corresponderam a marcos políticos e legais, na intenção de identificar qual a perspectiva adotada pelos órgãos oficiais de turismo a respeito do conceito de turismo sustentável.

2. TURISMO SUSTENTÁVEL: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

A complexidade do conceito de sustentabilidade faz com que seu entendimento não seja unânime, e admite-se que o turismo sustentável apresenta-se conceitualmente de forma tão vaga e indefinida quanto o desenvolvimento sustentável.

No campo das Ciências Sociais, onde encontra-se o Turismo enquanto ciência, a multiplicidade de perspectivas conceituais não são vistas de maneira negativa, pois o pluralismo metodológico, epistemológico e ontológico é uma constante e as definições não precisam ser absolutizadas (Pakman, 2014). É o que Morin (2015) reconhece como o estado inacabado e a incompletude de qualquer conhecimento, a via do Pensamento Complexo. Em verdade, o grande problema não se encontra no uso generalizado dos conceitos, mas nas práticas que legitima.

A partir do levantamento teórico realizado nesta pesquisa, observou-se que para alguns autores, tal qual o conceito de desenvolvimento sustentável apresentado no Relatório Brundtland (CMMAD, 1991), o turismo sustentável é aquele que satisfaz hoje as necessidades da atividade, da indústria do turismo e das comunidades locais, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem suas próprias necessidades (Swarbrooke, 2000).

No entanto, o quesito ‘futuro’ que envolve esse conceito pode ser questionado no âmbito do turismo. Hanai (2009), por exemplo, reconhece como um equívoco considerar a atividade turística ocorrendo em uma localidade por um período de tempo indefinido.

A pesquisa bibliográfica também demonstrou uma característica comum encontrada nas definições de turismo sustentável que inclui, de forma equânime, ao menos três dimensões básicas da sustentabilidade: a social, a ecológica e a econômica (Candiotto, 2009; Costa, 2013; Volpi; Paulino, 2019).

Hunter (1997), por sua vez, baseia-se na ideia de um paradigma adaptativo, e por esse motivo apresenta um conceito abrangente, sem especificar as dimensões da sustentabilidade. Para ele, o termo turismo sustentável refere-se a um conjunto de princípios, prescrições políticas e métodos de gestão que traçam um caminho para o desenvolvimento do turismo, e sua estrutura conceitual não deve ser uma estrutura teórica rígida, mas adaptável às circunstâncias específicas, e que legitime diferentes abordagens.

Embora não seja a preocupação central da Organização Mundial do Turismo (OMT) conceituar o turismo sustentável (Pakman, 2014), ela o apresenta como uma forma de turismo que leva em consideração impactos econômicos, sociais e ambientais atuais e futuros, e atende às necessidades dos visitantes, do mercado, do meio ambiente e das comunidades anfitriãs (OMT, 2005a). Importante destacar que, ainda que a OMT reproduza de forma adaptada o conceito de desenvolvimento sustentável, sua perspectiva é de que todas as formas de turismo devem ser sustentáveis – algo que se contrapõe a certos modelos de turismo.

A OMT entende que o desenvolvimento econômico sustentável é a garantia de um crescimento turístico eficiente, no qual concilia-se a criação de postos de trabalho com níveis satisfatórios de renda, e a relação custo-benefício dos recursos é controlada de modo a garantir uma continuidade para as gerações futuras (MTUR, 2016).

Uma vez que não há um consenso de especialistas (teóricos e acadêmicos), e a OMT é responsável pelos documentos norteadores de políticas públicas que orientam o setor, suas definições são utilizadas por inúmeros pesquisadores e pesquisadoras em todo o planeta. Nesse caso, a aparente harmonia entre o discurso acadêmico sobre o assunto e o de uma instituição como a OMT pode ser atribuída ao peso ou legitimidade de uma entidade representativa no setor do turismo, que seria detentora do ‘discurso autorizado’ (Viégas, 2009), e também por uma falta de criticidade por parcela dos estudiosos que seguem uma corrente hegemônica ou mesmo adaptativa.

No Brasil, o Ministério do Turismo segue as premissas da OMT. Em documento contendo orientações para prestadores de serviços turísticos (MTUR, 2016) e em publicação que compila os principais termos publicados pelo órgão durante quinze anos (MTUR, 2018), assume o turismo sustentável como aquele que:

satisfaz as necessidades dos turistas e as necessidades socioeconômicas das regiões receptoras, enquanto os aspectos culturais, a integridade dos ambientes naturais e a diversidade biológica são mantidas para o futuro (MTUR, 2016, p. 7; MTUR, 2018, p. 33, [grifo nosso]).

Assim como destacado por Viégas (2009), os conceitos, os programas, os planos, as avaliações e as análises técnicas, entre diversas outras formas de intervenção política, são instrumentos de percepção e expressão do mundo. Para ele, “os produtores de símbolos, legitimados e reconhecidos como tal, ocupam uma posição privilegiada já que detêm o discurso autorizado” (Viégas, 2009, p. 151). Ou seja, esses agentes criam e detêm um discurso autorizado e elaboram uma ‘verdade’ aceita por muitos, embora confrontada por contradiscursos.

Além desse aspecto, Gascón (2016) pondera que muito se produziu e pesquisou na literatura técnica e acadêmica com relação à construção do conceito de turismo sustentável, porém observam-se poucos resultados práticos ou aplicação das análises. Isso se explica, além do desinteresse ou até oposição das instituições públicas e privadas nas análises teóricas, na dificuldade de efetivamente implementar as propostas práticas envolvendo a sustentabilidade no turismo, e também na falta de compreensão deste conceito.

Salvati (2005) demonstra que o turismo sustentável tem sido pensado, praticado e classificado de acordo com a percepção e influência de diferentes grupos e contextos. Ocorre que distintos atores e agentes sociais utilizam o conceito de acordo com sua própria definição, encaixando-a convenientemente em suas práticas e propósitos e de acordo com seus interesses (Körössy, 2008; Mowforth; Munt, 2009; Hanai, 2009).

Por exemplo, quando a OMT (2005a) reconhece que as práticas de gestão sustentáveis são aplicáveis a todas as formas de turismo, em todos os destinos, e inclusive no turismo convencional, isso suscita interpretações sobre a sustentabilidade não se referir à uma mudança de paradigma, mas à manutenção do status quo.

A partir desse ponto, faz-se importante mencionar as divergências de interpretação conceitual existentes, especificamente entre o ‘desenvolvimento do turismo sustentável’ e o ‘desenvolvimento sustentável do turismo’. Isso porque, existe uma dicotomia entre as expressões e as diferentes concepções são um referencial importante para embasar análises e discussões sobre o turismo sustentável, desenvolvimento e sustentabilidade e as políticas públicas para o turismo sustentável no Brasil.

Butler (1999), por exemplo, utiliza a expressão ‘desenvolvimento sustentável do turismo’, considerando o turismo sustentável como aquele desenvolvido em um ambiente de tal modo e em tal escala que se mantém viável durante período de tempo indefinido. Körössy (2008) apresenta a mesma compreensão, e ressalta que o ‘desenvolvimento sustentável do turismo’ está relacionado à manutenção da prática da atividade turística, o que não necessariamente implica que ela seja sustentável.

Interpretar o turismo sustentável como a sustentabilidade do turismo em si, no sentido de garantir sua existência e funcionamento com o passar de gerações, não traduz na íntegra o significado de sustentabilidade. Esta é uma leitura parcial do próprio conceito de desenvolvimento sustentável na qual considera-se apenas a viabilidade de determinada atividade se sustentar, por um tempo indeterminado.

Nesse sentido, a expressão ‘desenvolvimento do turismo sustentável’ é que estaria relacionada à atividade com melhor potencial para promover ações sustentáveis. Assim sendo, assume-se que a expressão ‘desenvolvimento do turismo sustentável’ é a mais adequada no sentido de contemplar os princípios e dimensões da sustentabilidade no turismo; e que a expressão ‘desenvolvimento sustentável do turismo’ está relacionada à garantia da prática da atividade turística, sem o aprofundamento e compreensão das dimensões da sustentabilidade, o que faz com que o conceito seja aplicado de forma indevida em alguns discursos que objetivam somente a sustentabilidade do turismo e interesses econômicos.

3. METODOLOGIA

A pesquisa que aqui se apresenta é resultado de um estudo teórico-analítico, com abordagem de natureza qualitativa (Goldenberg, 2007) e caráter exploratório (GIL, 2008). Na primeira etapa de pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o conceito de turismo sustentável e sua utilização no desenvolvimento da atividade turística. Problematizam-se as concepções de turismo sustentável a partir de autores como Douglas (2014), Acevedo (2016), Medrano e Rivacoba (2016), Gascón (2016), Corbari, Azevedo e Sampaio (2021) e outros.

Uma segunda etapa de pesquisa consistiu em pesquisa documental em materiais que correspondem a planos, programas e atividades de estruturação, promoção e incentivo ao turismo por parte do Governo Federal e que possibilitam uma análise do turismo sustentável nas perspectivas dos órgãos oficiais de turismo em âmbito nacional. Foram selecionados os quatro principais marcos políticos e legais do turismo no Brasil para a análise que aqui se apresenta, conforme Quadro 1.

Quadro 1. Pesquisa documental

Programa Nacional de Desenvolvimento e Estruturação do Turismo (Prodetur)

MTUR (2024)

Programa do Ministério do Turismo (MTur) que identifica e qualifica ações nos estados e municípios consideradas como indutoras de desenvolvimento do turismo nacional, priorizando-as, fomentando-as e financiando-as.

Plano Nacional de Turismo 2018-2022: mais emprego e renda para o Brasil (PNT)

MTUR (2018b)

Instrumento estruturador, de planejamento participativo e de gestão elaborado quadrienalmente pelo MTur.

Lei nº 11.771 de 17 de setembro de 2008

BRASIL (2008)

Dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, define as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico.

Programa de Regionalização do Turismo

MTUR (2007)

Atua com políticas públicas para o desenvolvimento regional sustentável, e seus dados servem como base para o planejamento e organização da atividade turística no Brasil.

FONTE: Autoria própria.

Destaca-se que o Plano Nacional de Turismo 2024-2027 não havia sido aprovado até o momento de conclusão dessa pesquisa, portanto não está entre os documentos analisados. Importante mencionar também que é a partir de meados de 2015 que se observa uma atenção maior à sustentabilidade nas publicações oficiais sobre turismo, pois foi a partir daquele ano que os governos passaram a adotar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015).

Levou-se em consideração, na análise dos documentos: como estes apresentam seus objetivos, como os aplicam e como compreendem o turismo sustentável; e se tal documento considera diferentes atores do público a quem se destina (quem realmente é beneficiado pelo turismo e pela sustentabilidade, de maneira geral). A metodologia de pesquisa foi construída de modo que a pesquisa bibliográfica foi fundamental para identificar qual o sentido da sustentabilidade assumido pelo poder público, na pesquisa documental.

4. POLÍTICAS PÚBLICAS E O TURISMO SUSTENTÁVEL NO BRASIL

O dimensionamento político e institucional do turismo no Brasil se dá a partir de diretrizes federais propostas pelo Ministério do Turismo (MTur), e estrutura-se nos diferentes níveis governamentais.

Não se pode ignorar que as políticas públicas nacionais mudam conforme a composição feita para garantir a governabilidade, ou seja, as alianças políticas e alianças entre grupos econômicos e frações de classe que sustentam os grupos que estão controlando partes do aparato estatal em dado momento.

Nesse sentido, as políticas públicas no Brasil também são influenciadas pelo perfil do governo. Essa análise é defendida por Censon (2022) em sua tese sobre as mudanças processuais do conjunto de crenças e valores sobre políticas públicas (a policy image) do turismo no Brasil, que representam a instrumentalização do turismo como uma ferramenta política. Ou, como dito por Corbari (2020), uma ‘moeda de troca’ pois, para além de ser uma importante atividade econômica, o turismo configura-se também como uma estratégia de convencimento da sociedade civil e autoridades do estado para concretizar diferentes perspectivas de desenvolvimento. Essa análise também pode ser aplicada às políticas estaduais e municipais em muitos aspectos.

Oliveira e Rossetto (2013), ao discutirem as políticas públicas para o turismo sustentável no país, também ressaltam que a diversidade partidária e de interesses nos âmbitos federal, estadual e municipal afetam o turismo, pois a distribuição da gestão dos ministérios e autarquias não é realizada por meio de critérios técnicos e competências, mas sim por arranjos que visam contemplar interesses políticos e pessoais.

As políticas públicas de maneira geral, incorporam discussões e movimentos que correspondem às discussões que estão em voga quando de sua elaboração, especialmente com relação a questões ambientais e sociais. Sobre a sustentabilidade, Zhouri e Laschefski (2010) afirmam que o termo é utilizado de maneira estratégica em alguns discursos, de modo a validar interesses.

A pesquisa documental, que contribuiu para a análise das políticas públicas para o turismo sustentável no Brasil, teve foco no âmbito federal, e concentrou-se em quatro dos principais documentos norteadores de políticas públicas para o turismo no Brasil, sendo eles:

I. A Lei Geral do Turismo (BRASIL, 2008), Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008, que define as atribuições do governo federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao turismo. A Lei dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, e prevê o Plano Nacional de Turismo (PNT).

II. O Plano Nacional de Turismo 2018-2022, que apresenta diretrizes nacionais, objetivos estratégicos, ações, metas e programas regulatórios e fiscalizatórios que explicitam os ideais do governo federal e orientam ações (BRASIL, 2008; MTUR, 2018b). O Plano tem como uma de suas diretrizes o Programa de Regionalização do Turismo.

III. O Programa de Regionalização do Turismo (MTUR, 2020), que se aplica às diferentes regiões do Brasil. Nele destaca-se a busca pela diversificação das atividades econômicas por meio do turismo.

IV. O Programa Nacional de Desenvolvimento e Estruturação do Turismo (Prodetur), lançado no âmbito do PNT 2018-2022, é reconhecido como Programa prioritário para a obtenção de recursos e financiamento para estados e municípios (MTUR, 2024).

No decorrer da pesquisa documental, observou-se que, nas políticas públicas brasileiras, o turismo é colocado principalmente como indutor de ‘desenvolvimento’ e de geração de emprego e renda, e predominantemente como uma atividade competitiva e estratégica para o desenvolvimento econômico sustentável dos municípios e regiões turísticas.

A Lei Geral do Turismo estabelece que:

O poder público atuará, mediante apoio técnico, logístico e financeiro, na consolidação do turismo como importante fator de desenvolvimento sustentável, de distribuição de renda, de geração de emprego e da conservação do patrimônio natural, cultural e turístico brasileiro (BRASIL, 2008, [s/p]).

O PNT deixa claro que a sustentabilidade deve ser entendida de forma ampla, em suas diferentes dimensões (ambiental, sociocultural, econômica e político-institucional). Mas também claro está o entendimento da atividade turística como economicamente relevante.

(...) muito ainda precisa ser feito para avançar na gestão do setor, de modo que o Brasil possa explorar adequadamente o seu potencial, tornando o turismo uma das principais fontes de emprego e renda no País e liderando uma agenda internacional de desenvolvimento sustentável (MTUR, 2018b, p. 64).

O Programa de Regionalização do Turismo também apresenta a importância de que a relação entre turismo e sustentabilidade contemple diferentes dimensões, mas ainda assim considera o turismo como “atividade econômica capaz de gerar postos de trabalho, riquezas, promover uma melhor distribuição de renda e a inclusão social.” (MTUR, 2007, p. 10).

Por sua vez, o Prodetur, financia e viabiliza a execução de projetos por entender que essa é uma medida “para o desenvolvimento, gestão e estruturação dos destinos turísticos, assim como para a geração de mais empregos, renda e inclusão social.” (MTUR, 2024, [s/p]).

Há que se considerar que o discurso que coloca o turismo como gerador de emprego e renda pode não considerar a deterioração de outras ocupações que não correspondem às lógicas do mercado capitalista, por exemplo (Corbari et al., 2021).

Isso corrobora com o afirmado por Guo et al. (2019) sobre as políticas envolvendo o turismo sustentável serem, muitas vezes, orientadas para o crescimento econômico – que se distancia e tem diferenças teóricas com o desenvolvimento sustentável.

De maneira geral, ao analisar o conteúdo dos documentos citados, as políticas públicas e programas apresentam-se objetivando o desenvolvimento sustentável das localidades com destaque para dimensão econômica – ainda que mencionando a valorização da cultura, do meio ambiente, de elementos materiais e imateriais, em uma abordagem, por vezes, conservadora e ufanista, no sentido que o crescimento econômico é bem-vindo, independentemente dos padrões e, por isso, os destinos turísticos têm se dedicado a melhorar seus indicadores quantitativos. Isso reforça o fato que o turismo é, por si só, uma atividade com perfil privado. É válido fazer uma ressalva sobre o tipo de crescimento considerado pelos órgãos de turismo: o baseado em números.

Em verdade, no Brasil, falta uma discussão ampliada sobre a complexidade do que o turismo sustentável abarca, e isso implica ainda em modificações bastante tímidas nos programas existentes. Esses programas, desenvolvidos pelo poder público, muitas vezes apresentam e aplicam seus objetivos compreendendo o turismo sustentável de maneira deturpada ou incompleta, inclusive como sinônimo de práticas relacionadas ao turismo em áreas naturais. É dizer que os atores políticos e os agentes de turismo, mesmo ao lidarem com situações complexas, apenas ajustam discursos hegemônicos que enfatizam a sustentabilidade econômica do turismo, fazendo das suas decisões algo ainda incremental.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para analisar políticas públicas para a construção do turismo sustentável no Brasil, é importante ressaltar que não há um consenso ou teoria universalmente aceita sobre o conceito de turismo sustentável, o que demonstra a natureza complexa, multidisciplinar e multidimensional desse tema. É fato que muitos autores afirmam a inexistência de uma definição exata, ou consideram o turismo sustentável como um conceito em constante discussão, assim como o próprio conceito de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Apesar disso, entende-se que as discussões e ações envolvendo o turismo sustentável contribuem com avanços e reflexões que tornam possível perceber e planejar o turismo incluindo as questões de importância ecológica e social, além das questões econômicas.

Nesse sentido, observou-se algo já exposto por Luchiari (2002) e Irving et al. (2015): a maior parte dos pesquisadores não busca discutir o/um conceito, mas sim apresentar uma linha de raciocínio na qual discutem propostas para implementação da sustentabilidade no turismo, ou princípios fundamentais para o turismo sustentável. Portanto, as reflexões aqui trazidas demonstram o relevante papel da ciência no sentido de buscar uma integração entre tomadores de decisão e a sociedade, e também orientar a ambos.

O conceito de turismo sustentável se encontra imbricado a diferentes objetivos que, não necessariamente, são compatíveis com a sustentabilidade. Os agentes que moldam o discurso de turismo sustentável representam interesses dominantes no meio político e empresarial, e detêm o discurso autorizado, condicionando o significado e interpretações sobre o turismo como vetor de desenvolvimento.

Sendo o MTur o órgão federal responsável pelas políticas públicas de desenvolvimento do turismo no Brasil, é responsabilidade do poder público orientar esse desenvolvimento inclusive com relação a sua fundamentação conceitual. Porém, constatou-se uma desconexão relativa ao turismo sustentável no âmbito do MTur, pois não há um conceito adotado pelo órgão oficial que se expresse de forma clara e fundamente um modelo de turismo em constante discussão, sobretudo.

Não apenas a falta de clareza e objetividade são um problema, mas a perspectiva adotada sobre o desenvolvimento do turismo. As políticas públicas voltadas ao turismo, assim como seus instrumentos, se apresentam com um enfoque empreendedor. Essa visão apropria-se da natureza, por exemplo, como uma fonte de recursos e não como algo prioritário para a existência humana, cuja importância e dinâmica devem ser conhecidas e respeitadas.

Ao observar as políticas públicas do setor no que diz respeito a turismo e sustentabilidade, buscou-se analisar se eles respaldam a busca do desenvolvimento sustentável do turismo ou do desenvolvimento do turismo sustentável. A pesquisa documental demonstrou a existência de documentos norteadores das políticas públicas nos quais a sustentabilidade é uma premissa (MTUR, 2007; 2018b; 2022; BRASIL, 2008), porém, seria necessária outra pesquisa para verificar o quanto do conteúdo dos documentos é realmente implementado pelas gestões, e como.

A partir do investigado, e de acordo com os objetivos propostos para essa investigação, afirma-se que o incentivo ao turismo no Brasil se dá, majoritariamente, a partir da eficiência econômica desse setor, ainda que se expresse preocupação com questões de responsabilidade socioambiental. Portanto, reafirma-se que a utilização do termo ‘turismo sustentável’ ocorre de maneira estratégica, de modo a validar interesses ou apenas para atender uma necessidade que vem sendo discutida desde a cristalização da noção de desenvolvimento sustentável, sem necessariamente ser implementado pelas gestões. Isso ocasiona conflitos entre os diferentes atores sociais (turistas, comunidade local, poder público e iniciativa privada) que compõem a intrincada rede de relacionamentos no turismo.

Cabe refletir que a sustentabilidade do turismo não deve ser um fim (Higgins-Desbiolles, 2020), mas a consequência de um processo que promova qualidade de vida, justiça (especialmente a ambiental), e que seja benéfico especialmente para as comunidades receptoras e sociedade em geral, que atuarão no sentido de manter a atividade turística ao longo do tempo.

Entende-se que o desenvolvimento do turismo deve seguir as premissas do turismo sustentável e não da sustentabilidade do turismo, porém fica evidente, a partir das análises, que há uma preocupação maior com a sustentabilidade econômica da atividade turística, reproduzindo um modelo hegemônico de desenvolvimento, que é insustentável.

A exemplo, a pandemia de Covid-19 ocorrida entre os anos de 2019 e 2022, deu maior visibilidade à situação de precariedade e vulnerabilidade dos trabalhadores do turismo e das pequenas empresas. Muitas atividades econômicas, especialmente no turismo convencional, apresentaram dificuldades para resistir aos impactos ocasionados pela pandemia. Talvez, um outro modelo de turismo, sustentável, poderia ter sido mais resiliente. Em contrapartida, as grandes empresas, mesmo que tenham perdido receita considerável, conseguiram resistir economicamente à crise com mais facilidade.

A distribuição desigual dos benefícios e dos ônus do turismo se manifestou também com relação à reação à drástica redução do consumo do turismo durante a pandemia. Justamente no momento em que o turismo poderia, e teve a oportunidade de ser repensado diante de uma crise de saúde pública, que também evidencia uma crise ambiental, o que se verificou foi, novamente, o privilégio à dimensão econômica do turismo. Dessa dicotomia, emerge a reflexão sobre quem realmente é beneficiado pelo turismo e pela sustentabilidade, de maneira geral.

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