Revista de Estudos em Organizações e Controladoria - REOC, ISSN 2763-9673, UNICENTRO, Irati-PR, v. 2, Dossiê APP, p. 04-27, dez., 2022.
Dossiê Análise de Políticas Públicas
Editores Convidados: Prof. Dr. Bruno Martins Augusto Gomes e Prof. Dr. Roberto Eduardo Bueno
ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AOS USUÁRIOS EM
NUTRIÇÃO ENTERAL DOMICILIAR EM MUNICÍPIOS DE UMA REGIÃO
METROPOLITANA DO PARANÁ
1
ANALYSIS OF PUBLIC POLICIES DIRECTED TO USERS IN HOME ENTERAL
NUTRITION IN MUNICIPALITIES OF A METROPOLITAN REGION THE STATE
OF PARANÁ
LUNA REZENDE MACHADO DE SOUSA
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: lunarms@gmail.com
MARIA ELIANA MADALOZZO SCHIEFERDECKER
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: meliana@ufpr.br
RAFAEL GOMES DITTERICH
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: prof.rafaelgd@gmail.com
RESUMO
O aumento na prevalência de doenças crônicas e na expectativa de vida levam ao crescente número de indivíduos
com necessidades alimentares especiais relacionadas às vias alternativas de alimentação, como a nutrição enteral,
realizada por meio de sondas e ostomias, quando a alimentação por via oral é insuficiente ou incapaz de garantir
as necessidades nutricionais. Em situações em que estes indivíduos apresentam estabilidade clínica, é possível a
realização da Nutricional Enteral em Domicílio (NED), contudo, ainda não há uma política nacional que garanta
o acesso às fórmulas alimentares enterais e à assistência nutricional para os indivíduos em NED. Diante da falta
de uma regulamentação federal, alguns municípios têm implantado políticas locais para orientar a assistência
nutricional aos usuários em NED. É preciso explorar as condições legais e institucionais que viabilizam, ou não,
o processo político-jurídico de implantação de políticas voltadas à efetivação do Direito Humano à Alimentação
Adequada aos usuários em NED. Diante disto, este estudo teve como objetivo analisar, à luz do referencial do
ciclo de políticas públicas, as políticas e arranjos institucionais voltados à efetivação do direito à alimentação aos
usuários em NED. Trata-se de um estudo observacional que envolveu a coleta de dados por meio de entrevistas
com os gestores de saúde dos municípios que compõem a Região Metropolitana de Curitiba, no Paraná. Os gestores
foram questionados sobre a identificação do problema público e a existência de um programa ou protocolo
municipal para o seu enfrentamento. Por meio do método qualitativo da análise de conteúdo proposto por Bardin,
as respostas dos entrevistados foram usadas para identificar em qual etapa do ciclo de políticas públicas cada
município se encontrava. Apesar de criticado por sua racionalidade, o modelo do ciclo de políticas públicas
possibilita a compreensão das características de cada fase que compõe o processo de implantação das políticas. Os
resultados evidenciaram as discrepâncias no tocante à posição dos municípios dentro deste ciclo. Enquanto sete
municípios ainda não tinham passado pelo processo de identificação do problema público, cinco municípios já se
encontravam na fase de avaliação da política implantada. A avaliação das políticas implantadas nos municípios
analisados foi baseada na comparação dos fatores que levaram à sua construção (objetivos) e as mudanças
percebidas após sua implantação (resultados). A análise mostrou que as políticas implantadas nos municípios
avaliados produziram o resultado desejado, como o fortalecimento da Rede de Atenção à Saúde aos usuários em
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DOI: https://doi.org/10.5935/2763-9673.20220012
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ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADOS AOS USUÁRIOS EM NUTRIÇÃO ENTERAL DOMICILIAR EM MUNICÍPIOS DE
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NED, com garantia de maior equidade e justiça distributiva dos insumos e fórmulas enterais, redução de custos
com o programa e diminuição da judicialização, buscando maior satisfação do usuário.
Palavras-chave: Nutrição Enteral Domiciliar; Políticas Públicas; Municípios.
ABSTRACT
The increase in the prevalence of chronic diseases and in life expectancy lead to a growing number of individuals
with special dietary needs to be related to alternative feeding routes, such as enteral nutrition, performed through
tubes and ostomies, when oral feeding is insufficient or unable to meet nutritional requirements. In situations where
these individuals present clinical stability, it is possible to carry out Enteral Nutritional at Home (NED), however,
there is still no national policy that guarantees access to enteral feeding formulas and nutritional assistance for
individuals in NED. Given the lack of federal regulation, some municipalities have implemented local policies to
guide nutritional assistance to NED users. It is necessary to explore the legal and institutional conditions that
enable, or not, the political-legal process of implementing policies aimed at putting into effect the Human Right
to Adequate Food for NED users. That said, this study aimed to analyse, in the light of the cycle of public policies,
the policies and institutional arrangements aimed at realizing the right to food for users in NED. This is an
observational study that involved data collection through interviews with health managers in the municipalities
that make up the Metropolitan Region of Curitiba, in Paraná. The managers were asked about the identification of
the public problem and the existence of a municipal program or protocol to face it. Using the qualitative method
of content analysis proposed by Bardin, the respondents' responses were used to identify which stage of the public
policy cycle each municipality was in. Despite being criticized for its rationality, the public policy cycle model
makes it possible to understand the characteristics of each phase that makes up the policy implementation process.
The results showed discrepancies regarding the position of municipalities within this cycle. While seven
municipalities hadn’t yet gone through the process of identifying the public problem, five municipalities were
already in the evaluation phase of the implemented policy. The evaluation of the policies implemented in the
municipalities analyzed was based on the comparison of the factors that led to their construction (objectives) and
the changes perceived after their implementation (results). The analysis showed that the policies implemented in
the assessed municipalities produced their desired result, such as strengthening the Health Care Network for NED
users, guaranteeing greater equity and distributive justice of inputs and enteral formulas, cost reduction with the
program and reduction of judicialization, seeking greater user satisfaction.
Keywords: Home Enteral Nutrition; Public policy; Municipalities.
1 INTRODUÇÃO
Com o aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e na expectativa
de vida, tem crescido o número de pessoas que precisam fazer uso de vias alimentares
alternativas, como a enteral (CUTCHMA et al., 2016; BRASIL, 2013). A nutrição enteral,
realizada por meio de sondas nasais e ostomias, é necessária quando a alimentação por via oral
é insuficiente ou incapaz de garantir suas necessidades nutricionais (BRASIL, 2015). Em
situações em que o indivíduo apresenta estabilidade clínica, pode-se realizar a Nutrição Enteral
em Domicílio (NED), por meio da utilização de fórmulas enterais comerciais (industrializadas),
formulações preparadas com alimentos (artesanais) ou formulações mistas (combinam
alimentos in natura, produtos alimentícios e formulações comerciais) (BRASIL, 2015).
Esse cenário tem demandado ao Sistema Único de Saúde (SUS) a organização da Rede
de Atenção à Saúde (RAS) aos usuários com necessidades alimentares especiais em atenção
domiciliar, para a garantia do seu Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)
(CORRÊA, 2017). Este direito compreende quatro pilares da alimentação: disponibilidade dos
alimentos; acesso físico e econômico aos alimentos; adequação da alimentação às suas
necessidades nutricionais; e estabilidade do acesso à alimentação adequada (LEÃO et al., 2013).
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Ao adaptarmos estes conceitos para os usuários em NED, a efetivação do DHAA compreende
a garantia de forma permanente da disponibilidade e do acesso destes indivíduos às fórmulas
enterais (industrializadas ou elaboradas com alimentos) que sejam adequadas às suas
necessidades nutricionais. Contudo, ainda não há uma política nacional que garanta o acesso às
fórmulas enterais comerciais ou preparações enterais elaboradas com alimentos e à assistência
nutricional para os indivíduos em NED, deste modo, o compromisso com a garantia do DHAA
destes indivíduos ainda é marcado por uma ocultação social e não inserção na agenda das
políticas públicas (CORRÊA, 2017).
Diante da falta de regulamentação federal e de uma linha de financiamento para a RAS
aos usuários com necessidades alimentares especiais, alguns municípios têm organizado redes
municipais, com a implantação de protocolos de atenção nutricional aos indivíduos em NED
(JANSEN et al., 2014; SCHIEFERDECKER et al., 2014; SOUSA; WILL, 2017). Porém, há
grande divergência nas diretrizes e funcionamento destas redes, o que acaba por prejudicar o
fortalecimento da atenção nutricional aos usuários em NED e contribui para que o Poder
Público seja acionado para o cumprimento dos direitos à saúde e alimentação destes cidadãos
(DELDUQUE; SILVA, 2014; JANSEN et al., 2014; SCHIEFERDECKER et al., 2014; SOUSA;
WILL, 2017). Este fenômeno, denominado “judicialização da saúde”, é entendido como a
reivindicação da saúde como direito quando o Poder Judiciário se coloca na posição de tomador
de decisões, sobrepondo-se ao arcabouço normativo do SUS (RAMOS et al., 2017).
Portanto, faz-se necessário o estudo aprofundado das políticas públicas e arranjos
institucionais que levam às diferentes formas de organização, ou mesmo da falta de organização,
da RAS aos usuários com necessidades alimentares especiais nas instâncias gestoras do SUS.
Neste contexto, este estudo analisou, à luz do referencial do ciclo de políticas públicas, as
políticas públicas e os arranjos institucionais voltados à efetivação do DHAA aos usuários em
NED. Para explorar esta temática em um contexto regional, selecionou-se enquanto cenário do
estudo os municípios da 2ª Regional de Saúde (RS) do Paraná, composta pela capital do estado
e 29 municípios da região metropolitana de Curitiba.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Iniciou-se nos séculos XIX e XX as pesquisas no campo da ciência política, em busca
da racionalização do entendimento do processo político e a identificação de suas fases. Entre
1930 e 1940, o cientista social Harold Lasswell propôs uma abordagem do processo político
que envolvia diferentes fases da formulação e desenvolvimento da política pública. Lasswell
(1951) apresenta a seguinte divisão do processo de implantação das políticas no âmbito
governamental: 1) Informação; 2) Promoção; 3) Prescrição; 4) Invocação; 5) Aplicação; 6)
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Término; e 7) Avaliação. Mais importante que a sequência das fases, o modelo de Lasswell
defende que a implantação de uma política pública é composta por estágios com características
distintas (RAEDER, 2014). E, apesar das críticas quanto ao excesso de racionalidade deste
modelo, ele segue sendo referência neste campo da ciência e vários analistas políticos o
utilizaram para desenvolver seus estudos e propor novos modelos, adaptando a ideia original
de Lasswell, mas mantendo o entendimento da existência de um ciclo de construção das
políticas públicas com diferentes fases.
Quase quarenta anos após a publicação do modelo de Lasswell, os autores Howlett e
Ramesh apresentaram sua versão adaptada, na qual as sete fases originalmente propostas foram
condensadas em cinco: 1) Montagem da agenda; 2) Formulação da política; 3) Tomada de
decisão; 4) Implementação; 5) Avaliação (BAPTISTA; REZENDE, 2015a). Apesar de mais
sucinto, o modelo adaptado por Howlett e Ramesh engloba todo o processo identificado por
Lasswell e destaca fases que não haviam sido consideradas originalmente.
A fase da Montagem da Agenda, detalhada por Baptista e Rezende (2015a), engloba o
reconhecimento de um problema enquanto público, o qual será o ponto de partida para a
elaboração de uma política pública. O problema público é aquele que expõe carências na
sociedade as quais os atores públicos julgam como problema público. Para além da
identificação do problema público, a formação da agenda depende do cenário político, neste
sentido Kingdon diferenciou três tipos de agenda no processo político: sistêmica, institucional
e decisória. A agenda sistêmica ou não-governamental é formada por problemas públicos
pautados pela sociedade, mas que não despertam atenção dos formuladores de política naquele
momento. A agenda institucional ou governamental é composta por problemas públicos de
interesse do governo, mas que ainda não se apresentam na mesa de decisão. Por último, a agenda
decisória ou política inclui os problemas que estão sendo considerados nos processos decisórios.
Na etapa da Formulação da Política são levantadas as alternativas, ou seja, as
estratégias, programas e ações, para o enfrentamento do problema público inserido na agenda
política, conforme propõem os autores Secchi (2013) e Baptista e Rezende (2015a). As
alternativas são então comparadas quanto aos seus custos e possíveis consequências, neste
momento, até a opção da manutenção do status quo pode ser uma das alternativas. Projeções,
predições e conjecturas são consideradas para a avaliação das alternativas, no entanto, o
dinamismo do contexto político e socioeconômico dificulta este processo. Apesar das
dificuldades, é necessário chegar à etapa da tomada de decisão, na qual os interesses dos atores
são equalizados.
A fase de Tomada de Decisão é onde acontece a formação das políticas públicas, de
acordo com o cientista político John Kingdon, este processo ocorre em meio a ambiguidades e
depende da confluência de problemas (fluxo de problemas), soluções (fluxo das alternativas e
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soluções) e um cenário político favorável (fluxo político), modelo este conhecido como dos
fluxos múltiplos (ZAHARIADIS, 2007).
Seguindo o proposto por Secchi (2013) e Baptista e Rezende (2015a), durante a
Implementação das Políticas as intenções são convertidas em ações, e para isto é necessário
visualizar os obstáculos que possam surgir neste processo. Nesta fase é comum que a proposta
a ser implantada sofra negociações, que podem levar a novas decisões e até ao reinício do ciclo
da política. No entanto, não são raras as leis e programas que acabam sendo desvirtuados
durante o processo de implantação, e por isto não apresentam os resultados esperados para o
enfrentamento do problema escolhido.
A última fase do ciclo é a Avaliação da Política, segundo Secchi (2013) e Baptista e
Rezende (2015a), verifica-se o nível de redução do problema que a gerou. A partir da avaliação
de seus resultados, é comum que se proceda com adequações da política implantada, visando a
melhoria de sua eficiência (relação entre os recursos empregados e os resultados alcançados) e
eficácia (o nível de alcance das metas estabelecidas) (BAPTISTA; REZENDE, 2015b; SILVA
et al., 2016).
3 METODOLOGIA
Para analisar as políticas e arranjos institucionais voltados à garantia do Direito Humano
à Alimentação Adequada (DHAA) aos usuários em Nutrição Enteral em Domicílio (NED) nos
municípios da 2ª RS do Paraná à luz do ciclo de políticas públicas, realizou-se uma pesquisa
qualitativa com a coleta de dados por meio de entrevistas com os gestores responsáveis pela
coordenação da RAS aos usuários em NED dos vinte e nove municípios que compõem a 2ª
Regional de Saúde do Paraná. As entrevistas foram realizadas entre abril e julho de 2021, por
plataforma virtual (Google Meet®). Todas foram agendadas previamente por telefone, duraram
de 12 a 56 minutos, com média de 31 minutos, e gravadas com autorização dos participantes.
Após cada entrevista, as gravações audiovisuais foram transferidas para o Google Drive® e
efetuada transcrição das respostas em arquivo-texto. Para a transcrição de suas falas, os
participantes foram codificados e identificadas com o termo “P” seguido de numeração de 1 a
29. Esta pesquisa respeitou todos os aspectos éticos e seguiu a Resolução n.º 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da
instituição proponente, Centro Universitário José Campos Andrade - Uniandrade (Parecer n.º
4.620.666), e das instituições coparticipantes, haja vista que dois municípios dispunham de
Comitês de Ética em Pesquisa: a Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba (Parecer n.º
4.654.436) e a Secretaria Municipal de São José dos Pinhais (Parecer n.º 4.746.106).
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Os dados coletados foram analisados à luz do referencial teórico do ciclo de políticas
públicas, proposto por Howlett e Ramesh (BAPTISTA; REZENDE, 2015a; BAPTISTA;
REZENDE, 2015b) a partir do modelo originado por Lasswell (LASSWELL, 1951). O estudo
do ciclo das polícias públicas é uma abordagem para a análise das políticas em cinco fases não
lineares e interdependentes, que podem se sobrepor ou alterarem a ordem: construção da agenda,
formulação da política, processo decisório, implementação e avaliação (BAPTISTA;
REZENDE, 2015a).
De acordo com os as respostas dos entrevistados às seguintes perguntas, foram
identificadas em qual fase do ciclo de políticas públicas cada um dos 29 municípios da 2ª RS
se encontrava:
➢ O município conta com algum programa ou protocolo que orienta o fluxo para a
atenção nutricional aos usuários em nutricional enteral domiciliar?
➢ O que motivou o município a implantar este programa ou protocolo?
➢ Quando este programa ou protocolo foi instituído e quando foi realizada sua última
atualização?
➢ Este programa ou protocolo foi apresentado e aprovado pelo Conselho Municipal
de Saúde?
➢ Na sua opinião, houve mudanças (positivas ou negativas) na gestão do serviço após
a implantação deste programa ou protocolo?
➢ O que tem sido feito para enfrentar as dificuldades e desafios para garantir o
acompanhamento nutricional e o acesso à alimentação adequada aos usuários que se alimentam
por sonda em domicílio?
Neste sentido, foram considerados na Fase Montagem de Agenda os municípios que
ainda não dispunham de protocolo para a organização da RAS aos usuários em NED, mas que
indicavam que este problema (ausência de política para a garantia do DHAA aos usuários em
NED) tem sido discutido pela gestão municipal. Na Fase de Formulação da Política foram
classificados os municípios que relataram estar em processo de elaboração de um protocolo
municipal para a RAS aos usuários em NED. Foram identificados como na Fase de Tomada
de Decisão os municípios que alegaram ter implantado protocolos de atenção aos usuários em
NED, apesar de os mesmos não estarem aprovados pelo Conselho Municipal de Saúde. Na Fase
de Implantação das Políticas foram alocados os municípios que tiveram seus protocolos para
atenção aos usuários em NED publicados em diário oficial ou aprovados pelo Conselho
Municipal de Saúde. Foram classificados como na Fase de Avaliação da Política aqueles
municípios cujos protocolos municipais que sofreram atualizações após sua implantação. Nos
casos de municípios cujos protocolos foram atualizados, porém nenhuma versão foi
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oficialmente publicada ou aprovada pelo Conselho de Saúde, considerou-se que o município
ainda estava na Fase de Tomada de Decisão.
Para os municípios que contavam com um protocolo implantado para a organização da
RAS aos usuários em NED, foram analisados os motivos que levaram estes municípios a
desenvolverem políticas públicas municipais neste âmbito e as mudanças percebidas após sua
implantação. Para tal, foi aplicado o método qualitativo de Análise de Conteúdo, com a
categorização das falas dos entrevistados orientada pela análise temática (BARDIN, 2016). A
partir da leitura do material transcrito, definiu-se como temas para esta análise de dados: 1)
Motivações para a construção do protocolo municipal para organização da RAS aos usuários
em NED; 2) Mudanças observadas após a construção do protocolo.
A 2ª Regional de Saúde do Paraná, ou Região Metropolitana de Curitiba, é integrante
da Macrorregional Leste do Estado do Paraná, sendo a mais populosa das regionais de saúde
do Estado, correspondendo a cerca de 31% da população do estadual (PNUD, 2014). A
população nas cidades da região metropolitana cresceu em grande parte influenciada pela sua
distância da capital, as cidades com mais de 100.000 habitantes não se distanciam mais do que
30 quilômetros de Curitiba. Atualmente, a população dos municípios da região varia largamente,
há cidades com menos de 10.000 habitantes (Doutor Ulysses, Adrianópolis, Campo do Tenentes,
Tunas do Paraná e Agudos do Sul) e outras com mais de 200.000 mil (Colombo, São José dos
Pinhais e Curitiba) (IBGE, 2022). A distribuição do Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) na região reflete a desigualdade socioeconômica entre seus municípios, por
exemplo, a região abrange os municípios de maior e menor IDHM do Paraná: Curitiba (0,823)
e Doutor Ulysses (0,546) (PNUD, 2014).
Considerando as diferenças sociodemográficas dos municípios da região, os resultados
desta pesquisa são apresentados com estratificação por porte populacional. Utilizou-se o critério
aplicado pela Secretaria Estadual de Saúde para divisão por porte populacional nos boletins
epidemiológicos dos municípios da 2ª Regional de Saúde do Paraná: pequeno porte (até 15 mil
habitantes); médio porte (15 mil a 40 mil habitantes); grande porte (acima de 40 mil habitantes)
(SESA-PR, 2021). Utilizando estes critérios, tem-se na região: 8 municípios de pequeno porte;
10 de médio porte e 11 de grande porte.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Durante as entrevistas com os gestores municipais, os participantes responderam
perguntas sobre o que tem sido feito para fortalecer a RAS voltada aos usuários em NED, se há
um programa ou protocolo municipal que oriente o funcionamento desta rede, sua data de
implantação e última atualização e se foi aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde. A partir
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de suas respostas, que serviram como proxy, cada município foi classificado em uma das fases
do ciclo de políticas públicas. A Figura 1 apresenta o total de municípios analisados inseridos
em cada fase do ciclo de políticas públicas em relação às suas políticas e arranjos institucionais
que visam a garantia do DHAA aos usuários em NED. Os nomes dos municípios não foram
expostos em respeito às condições de confidencialidade garantidas no Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE).
Figura 1 – Posição dos municípios da 2ª RS do Paraná no ciclo de políticas públicas
Fonte: Dados da pesquisa (2022).
4.1 Montagem da agenda
Dos 29 municípios analisados, onze foram considerados na etapa da Montagem da
Agenda, pois estavam em processo de reconhecimento do problema público ou de sua inserção
na agenda pública. Destes onze municípios, sete ainda não tinham concluído o reconhecimento
do problema público, ou seja, os gestores ainda não identificavam a necessidade de implantar
uma política municipal voltada à garantia do DHAA aos usuários em NED. Dentre estes sete,
apenas dois municípios contavam com nutricionista na RAS e cinco eram municípios de
pequeno porte, que dispunham de poucos ou nenhum usuário em NED, o que explica porque a
gestão municipal não via a necessidade de uma política pública voltada a estes indivíduos.
Quando uma situação passa a ser reconhecida como problema público, a fase seguinte
seria sua inclusão na agenda, seja ela agenda política ou formal (SECCHI, 2013). Dos onze
municípios identificados nesta fase, quatro (três de médio porte e um de pequeno porte) estavam
em um momento de inserção do problema na agenda pública. Estes municípios não dispunham
de política ou protocolo municipal voltado à garantia do DHAA aos usuários em NED. No
entanto, durante as entrevistas foi possível identificar que reconheciam esta lacuna enquanto
problema público e o tinham inserido na agenda municipal, pelo seguinte: dois municípios
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alegaram estudar a elaboração de um protocolo municipal para a organização da RAS aos
usuários em NED, um município estava em processo de contratação de nutricionista para
acompanhamento destes usuários e um município estava em processo de negociação da
contratação de um(a) nutricionista para esta demanda.
“Eu estava estudando, procurando informação, até cheguei a pesquisar alguns
protocolos de outros municípios, estava até pesquisando sobre isto, para implantar um
protocolo no município (voltado à RAS aos usuários em NED)”. P13
“Na atenção básica, a coordenadora vem cobrando a contratação do nutricionista, pois
é uma necessidade, é um profissional que tem um papel importante, não só na questão
da dieta. Então vem sendo conversado com a secretária de saúde para disponibilizar
este profissional pro (sic) município.” P02
O movimento da gestão municipal em prol da contratação de um(a) nutricionista para a
RAS aos usuários em NED mostra a preocupação em garantir o cuidado nutricional destes
indivíduos, o que indica que o problema público já foi inserido na agenda municipal e este seria
um passo inicial para seu enfrentamento. Em um momento mais avançado, estão os municípios
em processo de estudar e aprofundar os conhecimentos sobre do tema para embasar a
elaboração de uma política municipal (protocolo) para a garantia do DHAA aos usuários em
NED, o que também indica que o problema da inexistência de uma política neste campo está
inserido na agenda do município.
A agenda política, ou sistêmica, é formada por um conjunto de problemas que a
comunidade política entende que são prioritários e necessitam de intervenção pública (SECCHI,
2013). A agenda formal, ou institucional, é onde os problemas que o poder público decidiu
enfrentar estão elencados (SECCHI, 2013). Há também a agenda da mídia, composta por
problemas que recebem grande destaque dos meios de comunicação, o que acaba por influenciar
a formação das demais agendas (SECCHI, 2013).
Segundo Secchi (2013), para que um problema seja inserido na agenda, ele deve atender
aos requisitos: atenção, resolutividade e competência. A Atenção significa que o problema é
enxergado por diferentes atores da sociedade, como cidadãos, mídia e grupos de interesse
(comerciantes, empresários, categorias profissionais etc.). O problema também precisa ser
passível de resolução e deve ser de competência do poder público. Durante as entrevistas,
alguns gestores explanaram o processo de identificação deste problema público e sua inserção
na agenda:
“Quando eu iniciei com esse programa eu tinha muita essa visão de que 'não, fórmula,
nutrição, não é responsabilidade do município'. Só que daí quando eu entrei no
programa e comecei a calcular custos, e aí o mesmo cálculo que eu fazia para
medicamentos, eu fiz para as fórmulas né. E aí como aqui no nosso município a renda
per capita é muito baixa, então aí o mesmo cálculo que eu fazia para medicamentos,
quando pensava assim 'nós não podemos ter falta de medicamentos porque isso vai
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ter um impacto muito grande no orçamento das famílias' então eu pensava assim,
basicamente como se eu fosse um paciente que ganhasse um salário-mínimo... Daí eu
levei este cálculo para as fórmulas, geralmente estas famílias nem tem renda, ou se é
um paciente que já está usando fórmula não tem nem condição de trabalhar, ou está
vivendo de algum benefício do governo. Então quando a gente coloca a conta na ponta
do lápis, o custo que tem para o município fornecer estas fórmulas é mínimo se a gente
for pensar, do que a gente jogar este custo pro paciente. Então, ah, vamos pensar numa
fórmula que seja minimamente barata, uma fórmula padrão, que uma lata vai custar
40 reais, só que o paciente não vai usar uma única lata, então vamos jogar 4 latas,
mesma coisa, eu não posso jogar um custo de quase 20% da renda do paciente para
ele adquirir um tratamento de saúde que é previsto na constituição. A fórmula não está
prevista na constituição, mas a assistência está prevista. Então eu tive muito essa
mudança assim, quando eu entrei na gestão do serviço eu pensava muito no custo, isso
vai custar tanto e a gente vai atender tanto, só que daí depois eu pensei a ter um outro
olhar, a gente não pode só se basear na questão do custo, a gente tem de pensar nos
benefícios que isso vai trazer tanto pra população, quanto pra gestão. Acho que a
implantação tanto deste protocolo, seja de fornecimento de fórmula, seja com
fornecimento de medicamentos, é pensando no bem coletivo sim, né, e que ele traz
um impacto muito grande para gente. Então se eu deixo de fornecer, sei lá uma
fórmula, ou um medicamento, o impacto que isso vai ter para mim daqui dois, três ou
quatro anos é muito grande. Então eu acho que eu tive essa mudança de visão a partir
da gestão destes programas.” P11
Uma vez inseridos na agenda, os problemas públicos também precisam ser ordenados
por prioridade, o que pode ser a etapa mais difícil para os governantes (SECCHI, 2013). Esta
lista de prioridades é dinâmica, os problemas ganham e perdem prioridade no curso do tempo
devido a episódios marcantes (epidemias, desastres naturais, guerras), sazonalidade (enchentes
frequentes no verão e períodos de seca) ou quando uma situação retoma progressivamente à
normalidade (após conflitos violentos e problemas de segurança nacional). A permanência de
um problema público na agenda também não é garantida, mesmo diante de sua não resolução,
os problemas entram e saem da agenda por diferentes motivos, como limitação de recursos
humanos e financeiros, falta de tempo, interesse político ou falta de pressão popular.
4.2 Formulação da política
Esta etapa, também chamada de formulação das alternativas, consiste na construção de
soluções para o problema identificado e inserido na agenda (SECCHI, 2013). Inicia-se com a
definição do objetivo, o que se espera com a implantação da política pública. Na sequência, é
preciso analisar as consequências do problema, seus custos e possibilidades de resolução, cada
alternativa deve ser estudada com cautela. Esta fase precisa ser conduzida por especialistas no
tema, eles que delinearão as possíveis soluções para o problema e as apresentarão para os
tomadores de decisão, como o gestor municipal de saúde e/ou prefeito.
Dos municípios entrevistados, apenas um mostrou estar nesta fase do ciclo, ao relatar
que estava elaborando um protocolo municipal voltado à organização da RAS aos usuários em
NED, com vistas à garantia do seu DHAA, conforme relato do entrevistado P07: “Estamos em
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processo de elaboração, já foi entregue um esboço deste protocolo, mas ainda está passando por
análise na secretaria de saúde”.
Neste município, classificado como de grande porte, o entrevistado era o nutricionista
responsável pela atenção nutricional na Secretaria de Saúde. Vê-se, pela fala do entrevistado,
que não basta a avaliação do problema e formulação da política pública pelo especialista, há
também uma negociação da solução proposta pelo especialista junto aos tomadores de decisão,
ou seja, a implantação de uma política pública envolve a vontade política.
É esperado que em breve mais municípios entrem nesta fase do ciclo, pois foi citada nas
entrevistas a criação de um Grupo de Trabalho formado pelos nutricionistas que atuam nos
municípios da 2ª RS, voltado a compartilhar experiências e fortalecer a RAS aos usuários com
necessidades alimentares especiais. Um dos objetivos deste grupo é tentar padronizar o
funcionamento desta rede nos municípios da região, o que tem levado alguns municípios a
iniciarem a elaboração de protocolos municipais ou atualizá-los de modo a padronizar os
critérios de fornecimento de insumos e a atenção nutricional aos usuários em NED.
4.3 Tomada de decisão
Uma vez que as alternativas para o enfrentamento do problema foram estudadas na etapa
anterior, é o momento da tomada de decisão, quando os atores envolvidos equalizam seus
interesses e decidem pela implantação (ou não) de uma política pública. O meio acadêmico traz
diferentes modelos teóricos que explicam a tomada de decisão, desde os modelos racionalistas
(nos quais a decisão vai de encontro aos objetivos e alternativas estudadas, respeitando os
limites institucionais) àqueles que compreendem que as decisões são fruto de uma construção
de consensos entre atores com diferentes interesses, onde o elemento político é mais importante
do que o componente técnico (SECCHI, 2013).
Kingdon propõe o modelo dos fluxos múltiplos para a compreensão da tomada de
decisão (ZAHARIADIS, 2007). Segundo este modelo, os fluxos que fluem pelo sistema são
independentes, apesar de existirem paralelamente, cada fluxo tem vida própria: fluxo dos
problemas; fluxo de alternativas e soluções; e fluxo político.
O fluxo de problemas envolve as condições que os usuários e os formuladores de
políticas desejam mudar, sendo que estes últimos descobrem os problemas por meio de
indicadores, eventos e feedbacks de ações governamentais. O fluxo das alternativas é composto
pelas propostas de políticas públicas geradas por governantes, legisladores, acadêmicos,
sociedade civil e pesquisadores, que aguardam o surgimento de oportunidades para expor suas
soluções para os problemas. Enfim, o fluxo político consiste em três elementos: o clima
nacional, campanhas de grupos de pressão e rotatividade administrativa e legislativa
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(ZAHARIADIS, 2007). Sendo assim, foram identificados na fase de tomada de decisão os
municípios que implantaram protocolos de atenção aos usuários em NED, mas que ainda não
tinham sido aprovados pelo Conselho de Saúde.
Dentre os municípios pesquisados, sete (um de pequeno porte, três de médio porte e três
de grande porte) encontravam-se na fase da tomada de decisão, pois alegaram dispor de um
protocolo municipal que orienta a RAS em prol da garantia do DHAA aos usuários em NED,
mas, que ainda não recebeu a chancela do Conselho de Saúde. O número médio de usuários em
NED atendidos por estes municípios variou de três a setenta usuários ao mês. Os entrevistados
indicaram que pretendem encaminhar o protocolo para análise e aprovação pelo Conselho
Municipal de Saúde, no entanto, três destes municípios já dispunham do protocolo há mais de
cinco anos, como é o caso de um município de grande porte que implantou o protocolo em 2007,
realizou uma alteração em 2021, mas ainda não o encaminhou para análise e aprovação do
Conselho Municipal de Saúde.
“Nós nutricionistas elaboramos um protocolo, que é o protocolo que a gente segue, o
protocolo que a gente orienta nas unidades de saúde, mas ele não foi validado, então
ele não virou um programa municipal até o momento, ele não passou por aprovação
do conselho… Não tem nem a divulgação de que existe este protocolo, então o usuário
não tem acesso ao protocolo.” P04
O SUS prevê a participação de todos os seguimentos da sociedade no processo de
tomada de decisão e controle sobre a execução das ações e serviços de saúde, e esta participação
acontece por meio dos Conselhos de Saúde. Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados, de
caráter permanente e deliberativo, formados por representantes do governo, dos prestadores de
serviço, profissionais da saúde e usuários (BRASIL, 1990). A Lei Federal n.o 8.142/1990
(BRASIL, 1990), que dispõe sobre o controle social no SUS, coloca que os conselhos atuam na
formulação e controle das políticas públicas de saúde, e a Resolução do Ministério da Saúde n.º
333/2003 (BRASIL, 2003) inclui, dentre suas responsabilidades, a deliberação sobre programas
de saúde. Portanto, para que uma política de saúde tenha legitimidade e visibilidade, precisa
passar pelo processo de análise e aprovação pelo Conselho de Saúde. Transpondo este
entendimento para o objeto desta pesquisa, os protocolos municipais voltados à garantia do
DHAA aos usuários em NED precisam ser legitimados por meio de aprovação nos Conselhos
de Saúde.
4.4 Implementação
Nesta fase, o governo realiza sua função de executor das políticas, utilizando-se de
instrumentos da política pública para enfrentar o problema público anteriormente identificado.
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São vários os instrumentos que visam a implementação da política pública, como arcabouços
legais regulamentários, incentivos fiscais, transferência de renda, prestação de serviços etc.
(SECCHI, 2013). Nesta pesquisa, a implementação de uma política pública municipal, como
um protocolo, aos usuários em NED pode ser considerada um instrumento do tipo prestação de
serviços públicos de saúde.
Mesmo quando o problema enfrentado está evidente, o objetivo da política está bem
definido e suas alternativas bastante estudadas, é comum (e frustrante) que políticas públicas
não se concretizem conforme o planejado. Isto pode acontecer por diferentes fatores, como falta
de habilidade administrativa organizacional, presença de interesses políticos contrários ou falta
de legitimidade (SECCHI, 2013). Considerando que a legitimidade é uma das condições para
o sucesso de uma política, foram considerados como na Fase de Implementação os municípios
que tiveram seus protocolos municipais para os usuários em NED aprovados pelos Conselhos
Municipais de Saúde.
Dos municípios entrevistados, cinco (um de pequeno porte, três de médio porte, um de
grande porte) foram categorizados nesta fase. A média de usuários em NED atendidos por estes
municípios variou de 7 a 30 usuários ao mês. Todos os municípios relataram que não tiveram
dificuldades para a aprovação do protocolo no Conselho de Saúde. No entanto, muitas vezes a
atuação do Conselho Municipal de Saúde se restringe a uma prática burocratizada, que não
garante o efetivo controle social no âmbito das políticas de saúde (LANDERDHALI et al.,
2010).
O estudo conduzido por Landerdhali et al. (2010) revela que nem sempre a aprovação
pelo conselho de saúde garante que a política pública proposta tenha sido analisada
detalhadamente pelos conselheiros, e não significa que a aprovação trouxe a visibilidade destas
ações para a população geral. Alinhado a este achado, ao serem questionados se as informações
sobre o protocolo estavam disponíveis para o público, todos os municípios negaram e quando
interrogados sobre como o usuário poderia ter acesso ao protocolo, disseram que poderia ser
solicitado na Unidade de Saúde, Secretaria de Saúde ou Ouvidoria Municipal, conforme
indicado pelo P10: “Ele pode ter acesso, mas ele não tem o conhecimento na verdade, a Unidade
Básica que teria que informá-lo a respeito, não tem um lugar, como no site oficial da prefeitura,
em que ele esteja exposto”.
4.5 Avaliação
A avaliação é a fase na qual os resultados da política pública serão analisados, para
averiguar se houve (e quanto houve) redução do problema público (SECCHI, 2013). Nesta
etapa é preciso definir critérios que forneçam parâmetros para o avaliador julgar o desempenho
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de uma política (SECCHI, 2013). A partir da avaliação, os atores políticos podem decidir por
manter a política do jeito que está, reestruturá-la para enfrentar adversidades advindas em sua
implementação ou extingui-la caso o problema público tenha sido sanado ou quando os
problemas em sua implementação não são superáveis (SECCHI, 2013).
Segundo Secchi (2013), apesar de essencial, a avaliação dificilmente é realizada a rigor,
com o monitoramento de indicadores de input e output, que representam respectivamente as
entradas no sistema (recursos financeiros, humanos e materiais) e as saídas (produtividade de
serviços e produtos). Há também os indicadores de resultado, que são relacionados à capacidade
da política em resolver ou mitigar o problema identificado. A dificuldade em monitorar tais
indicadores está na necessidade da constante produção e manutenção de dados, o que exige um
esforço organizacional e administrativo. Outras vezes a dificuldade na avaliação da política está
na falta de clareza do seu objetivo ou no tempo necessário para a sua maturação. Há
pesquisadores que defendem que os efeitos de uma política levam cerca de dez anos para serem
passíveis de avaliação. Por fim, a apresentação dos resultados também é um obstáculo,
comumente as apresentações são pouco claras, com excesso de dados e linguagem pouco
acessível.
Dos municípios avaliados, cinco se encontravam na Fase de Avaliação, caracterizada
por municípios que dispunham de um protocolo municipal para usuários em NED aprovado
pelo Conselho de Saúde e que passou por, pelo menos, uma atualização. Todos os municípios
que faziam parte desta categoria eram de grande porte e atendiam entre 65 e 580 usuários em
NED mensalmente. Para chegar na fase de avaliação, entende-se que as outras etapas já foram
percorridas, ou seja, é esperado que os municípios que estejam nesta fase apresentem uma maior
maturidade sobre o tema. Sendo assim, o fato de todos os municípios desta fase serem cidades
de grande porte (acima de 40 mil habitantes) indica que o tamanho das cidades tem relação com
uma maior capacidade político-administrativa da gestão da saúde, culminando em um processo
mais adiantado de implantação de políticas públicas de saúde.
O fato de o protocolo ter sido atualizado em algum momento foi considerado decisório
para classificar o município na Fase de Avaliação, pois se considera que o ato de atualizar uma
política é precedido da avaliação de seus resultados. Por exemplo, não há razões para realizar
alterações em uma política pública se não forem identificadas necessidades de melhoria ou
correções por meio de um processo avaliativo. No entanto, não significa que esta avaliação foi
realizada com toda a complexidade desejada, com indicadores e parâmetros que permitam
avaliar com imparcialidade os resultados alcançados.
“O protocolo foi instituído a primeira vez em 2013, teve uma atualização em 2015 e
uma reestruturação dele novamente, e a gente tenta em no município pelo menos de
dois em dois ou três em três anos fazer uma releitura deste protocolo, daí em 2018 a
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gente teve alguns apontamentos de alteração e agora em 2020 com a entrada da
residência da federal, a gente pediu que elas relessem este protocolo e reestruturassem
alguns apontamentos, tivemos a contribuição da professora da federal que fez uma
leitura do protocolo e fez alguns apontamentos e a gente fez algumas alterações. Este
protocolo sempre é aprovado no conselho de saúde, agora quando a gente terminar as
alterações ele vai ser apresentado de novo para o conselho para apresentar as
alterações e ter a aprovação do conselho.” P22
O tempo médio percorrido entre a implantação do protocolo municipal e sua última
atualização foi de cinco anos nos municípios identificados nesta fase. As atualizações foram
motivadas, majoritariamente, pela necessidade de alterar os critérios de fornecimento de
fórmulas enterais comerciais para usuários em NED e a inclusão de formulações enterais
elaboradas com alimentos visando maior economicidade (razão de custo-benefício da política
pública).
“A gente atendeu por muito tempo no município com dieta industrializada parcial,
isto antes da atualização do protocolo, então acho que faz três anos que incluímos a
dieta semiartesanal no protocolo [...] e daí garantimos 100% das calorias do paciente.”
P21
A Figura 2 apresenta a frequência que cada motivação foi citada pelos entrevistados
dos municípios que construíram seus protocolos para os usuários em NED, e a Figura 3
apresenta quantas vezes cada mudança foi citada pelos entrevistados dos municípios.
Figura 2 – Motivações dos municípios para a construção do protocolo
Fonte: Dados da pesquisa (2022).
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Figura 3 – Mudanças percebidas após a construção do protocolo
Fonte: Dados da pesquisa (2022).
Dos 29 municípios avaliados nesta pesquisa, 17 construíram políticas e arranjos
institucionais voltados à garantia do DHAA aos usuários em NED. Para analisar de forma
qualitativa os resultados alcançados com a elaboração dos protocolos municipais, foram
comparadas quais foram suas motivações e as mudanças percebidas após sua construção.
A motivação mais citada (n=10) pelos municípios foi o aumento da demanda de usuários
em NED, exigindo maior organização da RAS para garantir o DHAA a estes usuários. Este
aumento de usuários em NED é esperado em todo o mundo, devido à crescente longevidade da
população e aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis que podem gerar sequelas
como a inabilidade de se alimentar por via oral.
“[...] já existia uma demanda de pacientes necessitando deste atendimento só que não
existia nada formalizado ou regulamentado no SUS, então até hoje né todos os
municípios funcionam com um funcionamento municipal desta atenção né, não tem
alguma coisa federal, que veio do federal pro (sic) estadual e daí se implantou no
municipal, a demanda veio local mesmo que era do município. E com a demanda, que
não era um único paciente exclusivo, eram vários pedidos que começaram a surgir,
precisou se criar uma organização né, um fluxo, uma normatização de como atender
este usuário.” P21
Alinhado a esta motivação, dois municípios citaram a necessidade de prever um fluxo
para a atenção nutricional dos usuários em NED. O estabelecimento de fluxos de atendimento
permite que profissionais de diferentes níveis de atenção (atenção básica, especializada e
hospitalar) atuem de forma ordenada, e garante que o processo de trabalho tenha continuidade
apesar da rotatividade de profissionais.
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“Essa parte de terapia nutricional ficava um pouco a desejar no meu ponto de vista
assim, então ficava muito solto né, eu não conseguia criar fluxo, as unidades básicas
não se envolviam [...] o meu pensamento do protocolo era criar fluxo e poder orientar
e acompanhar as pessoas de uma maneira mais organizada. Para que eu também não
me perdesse e conseguisse organizar o meu trabalho, até nessa questão que uma hora
eu estava, outra hora eu não estava, então pelo menos quem viesse após conseguisse
também seguir aí no trabalho.” P10
A principal motivação para construção de políticas públicas é a percepção de um
problema público (mas há também outras motivações, como a política), neste caso, o aumento
da demanda de usuários em NED e a necessidade de organizar a atenção nutricional foram
identificados como problemas passíveis de resolução ou redução por meio de uma política
municipal. Como não há uma legislação federal ou estadual no Paraná que oriente o
funcionamento desta rede, somente os municípios que construíram seus protocolos,
caracterizados nesta pesquisa como um arranjo institucional e política municipal, têm seu
funcionamento estabelecido, o que permite organizar fluxos de atendimento e dispensação de
insumos, fortalecendo a atenção à saúde destes usuários.
Como previsto, após a construção do protocolo, oito municípios observaram uma
melhoria da organização da RAS aos usuários em NED, e quatro identificaram o fortalecimento
do acompanhamento nutricional destes usuários. E como esperado, estas mudanças tiveram
impacto na satisfação dos usuários, como observado por um município por meio da redução do
número de reclamações registradas na Ouvidoria por usuários em NED e seus familiares.
“Eu acredito que com a implantação nós tivemos vários pontos positivos, como a
contratação de mais nutricionistas no serviço, o acompanhamento mais próximo ao
paciente, mais contínuo, o acompanhamento, avaliação domiciliar do paciente para
ver toda a questão tanto de medidas antropométricas como avaliação qualitativa e
quantitativa da dieta, e assim eu acredito que a tendência da utilização do protocolo
ela torna o atendimento muito mais completo, mais qualificado.” P22
A garantia do uso racional dos recursos públicos foi citada por três municípios como
sendo uma motivação para a realização do protocolo. Considerando que os recursos da saúde
são escassos, a necessidade de otimizar sua utilização é uma constante e faz parte do princípio
da eficiência da administração pública: “[…] reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços,
tendo o cidadão como beneficiário” (CAMARGO; GUIMARÃES, 2013, p. 134). Desde modo,
a redução dos custos com as ações e serviços de saúde é um importante motivador para a
implantação de políticas públicas e arranjos institucionais que regulem o acesso a
medicamentos e insumos dispensados para os usuários. Isto não significa prejudicar o
atendimento ao usuário, pelo contrário, garante que aqueles que necessitam não fiquem
desamparados, evitando que os recursos sejam dispendidos para aqueles que não têm a
necessidade. No contexto da NED, podemos entender esta problemática quando municípios
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adotam a prescrição de formulações enterais elaboradas com alimentos para os usuários em
NED que não apresentam contraindicações para seu uso, garantindo assim recursos para a
compra de fórmulas enterais comerciais para aqueles que precisam deste insumo (como
usuários com condições de saúde que exigem fórmulas especializadas, como doenças renal,
hepática ou disabsortiva, ou aqueles que não têm condições socioeconômicas para elaborar as
formulações caseiras).
“A ideia principalmente de utilizar as dietas moduladas para pacientes que usam
alimentação via sonda era por conta do custo elevado que estava representando para
o município, o recurso que estava sendo investido no fornecimento de dieta 100%
industrializada. Então como o fornecimento ele é financiamento só com verba
municipal, eles determinaram um teto, um limite de gastos na época, e ia ter que se
virar com aquilo. Então como não era um valor suficiente, aí foi se estudar essa
possibilidade de usar dieta modulada [...]. E aí acabou culminando neste protocolo
com as dietas enterais por conta do recurso.” P12
Após construção dos protocolos municipais, seis municípios perceberam redução dos
custos a partir da inclusão de formulações enterais elaboradas com alimentos na atenção
nutricional dos usuários em NED, dois municípios relataram melhoria no controle de
dispensação dos insumos e fórmulas enterais e um município observou redução no custo com
as fórmulas enterais comerciais após a padronização dos produtos. Nos municípios que não
dispõem de um protocolo para organização da RAS aos usuários em NED, é comum adquirir
os insumos prescritos por meio de compra direta, uma vez que não há padronização dos
produtos e previsão anual de compra para subsidiar a realização de uma licitação. A compra
direta pode culminar em preço mais alto do produto, haja vista que é realizada em situações
emergenciais, onde a necessidade do produto permite a dispensa da licitação, desde que o gasto
seja inferior a R$ 50.000,00 (BRASIL, 2021). Deste modo, a implantação de protocolos pode
auxiliar na redução do custo com insumos e materiais por meio da padronização dos produtos
e compra por licitação. Todos estes resultados atendem ao objetivo da política pública de
garantir o uso racional dos recursos públicos citado por três municípios.
“Não tinha lista nenhuma padronizada, mas a gente comprava. E assim, nos anos
anteriores a gente tinha valores de licitação que eram exorbitantes assim. E aí quando
a gente criou o programa, padronizou as fórmulas que seriam fornecidas, a gente
esperava que este valor de licitação seria alto também, só que para nossa surpresa
quando a gente elaborou o edital e fez a pesquisa de preços e a gente usou banco de
preços, usou os preços das distribuidoras, fez a média, na disputa da licitação este
valor caiu... E aí quando a gente padronizou ficou mais fácil e o custo caiu também.
Antes do protocolo eram feitas compras diretas, por exemplo o paciente tinha
prescrição do Trophic®, aí a gente ia lá e fazia a compra direta daquele Trophic® para
atender aquele paciente [...]. A gente não tinha esse controle, toda vez a gente tinha
que fazer uma compra direta, então quando a gente padronizou facilitou porque a
gente conseguia um volume maior de compra e o valor também caiu.” P11
22
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O princípio de equidade, que significa atender de forma desigual aos desiguais para
promover igualdade de acesso e oportunidades (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018), foi
identificado no relato de dois municípios. Esta noção vai de encontro à motivação anteriormente
citada, do uso racional do dinheiro público, haja vista que ele deve ser orientado pelo princípio
da equidade. Quando se implanta um protocolo que prevê critérios para o fornecimento de
determinado insumo (como as fórmulas enterais comerciais) de acordo com a real necessidade
do usuário, evita-se que o fornecimento seja orientado por motivações como influência política
e até mesmo os casos de judicialização. Isto é importante, uma vez que a judicialização por
muitas vezes pauta sua decisão no princípio da universalidade e integralidade em detrimento da
equidade, ou seja, exigindo o fornecimento do insumo para todos que o demandam, sem analisar
se atendem aos critérios de distribuição pautados na equidade. Não obstante, evitar a
judicialização em saúde foi citado por um município como motivação para construção do
protocolo.
“Também a gente viu a questão de adequar critérios para que todo mundo possa
receber de forma a cumprir as adequações do SUS de equidade, de todo esse âmbito
da legislação [...]. A necessidade desse protocolo também é para que o nosso serviço
corresponda de forma que evite ministério público de forma excessiva, que a gente
tenha embasamento científico tudo, então muitos poucos casos a gente recebe de
ministério público devido a base do protocolo estar bem estabelecido.” P22
Positivamente, oito municípios citaram que os protocolos garantiram maior equidade e
justiça distributiva dos insumos e dietas enterais. Diferente do conceito de justiça absoluta, que
considera a igualdade absoluta na distribuição de bens (pode-se aqui fazer alusão à
universalidade), a justiça distributiva prevê a igualdade proporcional baseando-se no mérito ou
necessidade do indivíduo (assemelhando-se ao conceito de equidade) (SAMPAIO; CAMINO;
ROAZZI, 2009).
“No tocante à organização desta RAS, com a padronização do fluxo de atendimento,
garantia de maior equidade e justiça distributiva. Porque sem protocolo você fica sem
parâmetro pra (sic) distribuição, então acaba dando suplemento que às vezes não
precisa ou não fazendo avaliação necessária, então com certeza o protocolo ajudou
muito nessa manutenção de gastos, nesta estimativa que a gente consegue ter.” P21
Garantir a equidade e justiça distributiva dos insumos também demanda a compreensão
por parte dos usuários de que os recursos são finitos e, por isto, é preciso estabelecer critérios
que priorizem aqueles que mais necessitam. O estabelecimento de protocolos parece ter
auxiliado esta compreensão dos usuários, como citado abaixo:
“[...] mudou também em relação ao paciente ele saber que ele tem uma
obrigatoriedade também para ele solicitar algo né, que o SUS sim ele é universal, mas
ele também tem que saber que tem limitações, que tem que ter regras, que tem que ter
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compreensão também em relação a que a gente não pode estar fornecendo tudo porque
nem tudo é possível.” P03.
Para além dos usuários, é preciso que o Poder Judiciário também compreenda que o
fornecimento de insumos para os usuários em NED deve ser orientado por parâmetros clínicos
e critérios socioeconômicos. O estabelecimento destas condições para fornecimento de insumos
por meio de protocolos parece contribuir para o entendimento de Juízes e Promotores, como
relatado pelo município:
“A organização e a formulação do protocolo, do fluxo, reduziram as demandas
judiciais, hoje até vem alguns questionamentos, mas não a imposição de que tem que
ser dieta comercial, mas questionando por que que não é fornecido a quantidade
prescrita. Então vem mais como uma pergunta e a gente responde como que funciona
o fluxo, que existe uma normativa, uma organização, então a gente consegue
responder. Se a gente não tivesse essa organização a gente teria que fornecer, só
fornecer.” P21
Curiosamente, um município disse que a motivação para a elaboração do protocolo foi
uma solicitação realizada pelo Ministério Público. Verifica-se, assim, o entendimento dos
Promotores quanto a necessidade do estabelecimento de políticas públicas e arranjos
institucionais para o fortalecimento da atenção à saúde.
Quando se inicia um novo serviço de saúde, é comum que a grande procura por parte
dos usuários surpreenda os trabalhadores e gestores, porque a falta de um serviço não significa
a inexistência da necessidade para tal, podendo haver uma demanda reprimida desconhecida
pelos gestores e profissionais do SUS. Então, apesar de a implantação de um protocolo
contribuir para o uso racional do dinheiro público e possível redução dos custos com
determinado serviço de saúde, pode, também, levar a um aumento da demanda, contribuindo
para com o aumento do gasto com o serviço de saúde em questão. Neste sentido, quando o
município não possui uma política municipal que preveja os critérios para fornecimento de
fórmulas enterais comerciais e o acompanhamento nutricional dos usuários em NED, não é de
conhecimento dos usuários que exista este serviço, pois não há um fluxo instituído. Uma vez
que o município decide por implantar um protocolo para ordenar esta RAS, a demanda
reprimida pode ocasionar em uma grande procura pelo serviço e, com isto, um aumento do
gasto com estes atendimentos. Esta situação foi observada por um dos municípios:
“[...] às vezes quando você não fornece algo, você não sabe qual é a sua real demanda,
e aí quando você começa fornecer ou a instituir um programa, aí que você vai
realmente ver qual que é a sua demanda. Aí neste "saber o real" é que vai ter esse
aumento né, que às vezes o que o gestor não espera, mas é o aumento da demanda, né,
então a demanda aumentou bastante assim. Até porque talvez a gente não estava
fornecendo da maneira correta, então uma parcela da população não estava sendo
assistida e passou a ser assistida e aí teve esse aumento meio repentino da demanda,
que a gente achava que não existia né, quando a gente instituiu a gente pensou 'vamos
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instituir para que as pessoas que já estão recebendo sejam assistidas da maneira correta
né' só que a gente não imaginava que tinha uma demanda represada lá pra trás que a
gente não tinha noção, então foi meio que pego de surpresa assim.” P11
A análise das motivações e impactos da construção das políticas e arranjos institucionais
voltados à garantia do DHAA aos usuários em NED nos municípios apresentou indícios de sua
eficácia, ou seja, que produziu o efeito esperado. A falta de indicadores mensuráveis dificulta a
avaliação aprofundada dos protocolos municipais analisados, mas as a análise das entrevistas
permitiu a identificação de muitos aspectos positivos observados pelos gestores após sua
implantação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo do ciclo de políticas públicas, apresentado por Lasswell e posteriormente
adaptado por vários pesquisadores, como Howlett e Ramesh, possibilita a compreensão das
fases que compõem o processo de implantação das políticas públicas. A despeito das críticas a
este modelo, que apontam para um excesso de racionalidade, ele tem sido amplamente aplicado
no campo das ciências políticas como ferramenta para a compreensão das características
distintas de cada estágio do processo de construção das políticas públicas.
Para analisar as políticas e arranjos institucionais voltados à garantia do Direito Humano
à Alimentação Adequada (DHAA) aos usuários em Nutrição Enteral em Domicílio (NED) nos
municípios da 2ª RS do Paraná à luz do ciclo de políticas públicas, os gestores de saúde dos
municípios foram questionados sobre a identificação do problema público e a existência de um
programa ou protocolo municipal para o seu enfrentamento. Por meio do método qualitativo da
análise de conteúdo proposto por Bardin (2016), as respostas dos entrevistados foram usadas
como proxies para identificar em qual etapa do ciclo de políticas cada município se encontrava.
Esta análise destacou a heterogeneidade da região, apesar de localizados em uma mesma
regional de saúde, que compartilha características sociodemográficas e indicadores de saúde,
os 29 municípios apresentaram grandes discrepâncias no tocante à sua posição dentro deste
ciclo. Enquanto sete municípios ainda não tinham passado pelo processo de identificação do
problema público, e por isto ainda não estavam inseridos no ciclo da política, cinco municípios
apresentavam maior maturidade neste campo e se encontravam na fase de avaliação da política
implantada.
Apesar de 17 municípios demonstrarem ter um protocolo voltado à organização da RAS
para a garantia do DHAA aos usuários em NED, somente dez deles tinham legitimado a
implantação desta política por meio da aprovação do Conselho de Saúde e apenas cinco haviam
realizado uma avaliação dos resultados da sua implantação. O fato de elaborar um protocolo
municipal e utilizá-lo para reorientar o funcionamento da RAS não garante a implantação de
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uma política pública, é preciso que ele seja avaliado e aprovado pelo Conselho de Saúde
(representando o controle social), condição essencial para a implantação das políticas públicas
na área de saúde.
A avaliação das políticas públicas depende da clareza de seus objetivos e se beneficia
com a definição de indicadores mensuráveis coletados sistematicamente. Nesta pesquisa, não
foi possível realizar uma avaliação quantitativa do impacto das políticas construídas nos 17 dos
29 municípios entrevistados, devido à carência de objetivos concretos e indicadores de
monitoramento. Nestes casos, a avaliação da política pode ser realizada de forma subjetiva, com
vistas a compreender se seus resultados vão ao encontro de seus objetivos. Comparando as
motivações para a construção das políticas municipais voltadas à garantia do DHAA aos
usuários em NED, com as mudanças observadas após sua elaboração, concluiu-se que estas
políticas produziram o efeito esperado. Em suma, foram observados pelos gestores municipais
os seguintes resultados: fortalecimento da RAS aos usuários em NED, com garantia de maior
equidade e justiça distributiva dos insumos e fórmulas enterais, redução de custos com os
atendimentos, diminuição da judicialização em saúde e maior satisfação do usuário.
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