Revista de Estudos em Organizações e Controladoria - REOC, ISSN 2763-9673, UNICENTRO, Irati-PR, v. 2, Dossiê APP, p. 65-81, dez., 2022.
Dossiê Análise de Políticas Públicas
Editores Convidados: Prof. Dr. Bruno Martins Augusto Gomes e Prof. Dr. Roberto Eduardo Bueno
ANÁLISE DO VALE DO GENOMA À LUZ DA TEORIA DOS FLUXOS
MÚLTIPLOS
1
ANALYSIS OF THE VALLEY OF THE GENOME IN THE LIGHT OF THE
THEORY OF MULTIPLE FLOWS
CRISTIANO DIONÍSIO
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: cristiano.dionisio@ufpr.br
RESUMO
Este artigo se dispõe a analisar o Vale do Genoma, inciativa decorrente do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação
Genômica (NAPI Genômica), como uma política pública de ciência e tecnologia do estado do Paraná. A análise
tem por base a Teoria dos Fluxos Múltiplos elaborada por John W. Kingdon. Para tanto se investigou a aderência
dos fatos analisados com os fluxos dos problemas, das soluções e das políticas enunciados na referida teoria;
também, buscou-se identificar a janela de oportunidade que permitiu a convergência desses três fluxos viabilizando
o processo decisório pelos atores envolvidos no processo. A pesquisa dá-se por meio da análise de textos
acadêmicos próprios da proposta, bem como de normas jurídicas e matérias jornalísticas que ajudam a delinear os
fatos.
Palavras-chave: Genoma; Fluxos Múltiplos; Políticas Públicas; Paraná.
ABSTRACT
This article sets out to analyze the Genome Valley, an initiative resulting from the New Arrangement for Research
and Innovation Genomics (NAPI Genomics), as a public policy for science and technology in the state of Paraná.
The analysis is based on the Theory of Multiple Flows elaborated by John W. Kingdon. For this purpose, the
adherence of the facts analyzed with the flows of problems, solutions and policies set out in the referred theory
was investigated; also, an attempt was made to identify the window of opportunity that allowed the convergence
of these three flows, making the decision-making process viable by the actors involved in the process. The research
takes place through the analysis of academic texts specific to the proposal, as well as legal norms and journalistic
articles that help to delineate the facts.
Keywords: Genome; Multiple Streams; Public Policy; Paraná.
1
DOI: https://doi.org/10.5935/2763-9673.20220015
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Cristiano Dionísio
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1 INTRODUÇÃO
Compreender o processo de formação de uma dada política pública é um desafio. Diante
do conjunto de fenômenos que a inteligência humana é capaz de investigar, aquela se apresenta
emoldurada por variáveis que não são objetivamente determinadas, ou determináveis e, indo
além, demandam uma abordagem multidisciplinar.
A premissa acima indicada dá-se, portanto, não somente para destacar uma
particularidade epistêmica, mas, sobretudo, como um reforço da impossibilidade de se adotar
uma linearidade cartesiana para um objeto de natureza tão complexa quanto a análise da
formação de uma política pública. Por derivação lógica, portanto, impõe-se a necessária
humildade acadêmica que de forma alguma permite considerar este trabalho a conclusão de um
estudo, mas sim, uma adicional contribuição ao tema.
É possível dizer que uma política pública não existe ao acaso, ainda que se debata a sua
adequação, ou não, ela decorre de um processo de tomada de decisão. Não faltam destaques
quanto a importância desta ação junto aos pesquisadores da área. Há o entendimento, de Secchi
et al. (2020, p. 108), por exemplo, de que a decisão “[…] representa o momento em que os
interesses dos atores são equacionados e as intenções (objetivos e métodos) de enfrentamento
de um problema público são explicitadas”.
Analisando a mesma questão, porém por outra perspectiva, tem-se a leitura de Knoepfel
et al. (2007, p. 24) que:
[...] uma política pública é definida como uma série de decisões ou atividades
intencionalmente coerentes tomadas ou executadas por diferentes atores públicos e
às vezes privados, cujos recursos, vínculos institucionais e interesses variam, com o
objetivo de resolver de maneira direcionada a um problema que é politicamente
definido como de natureza coletiva. Este conjunto de decisões e atividades dá origem
à ações formalizadas de caráter mais ou menos restritivo, muitas vezes destinadas a
modificar o comportamento de grupos sociais que se presume estarem na origem ou
capazes de resolver o problema coletivo a ser resolvido (alvos sociais) no interesse
dos grupos sociais que sofrem os efeitos negativos do problema em questão
(beneficiários finais).
Destaca-se, com igual importância, a síntese proposta por Araújo e Rodrigues (2017, p.
19), que entendem que o processo decisório é comum aos vários modelos de análise de políticas
públicas existentes. Segundo as autoras:
Os diferentes autores identificam várias etapas, fases ou sequências no ciclo político,
designando-as de formas diferentes, porém quatro etapas são comuns a todas as
propostas e podem ser sintetizadas da seguinte forma: […] formulação das medidas
de política e legitimação da decisão, relativas ao processo de decisão e de elaboração
de argumentos explicativos da ação política, de desenho de objetivos e de estratégias
de solução do problema, de escolha de alternativas, bem como de mobilização das
bases de apoio político; […].
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Diante do acima exposto, portanto, compreende-se que o processo decisório não
somente integra, mas também revela, dimensões importantes da formulação de uma dada
política pública. Isso porque é na decisão que se torna possível alcançar de modo analítico, e
não meramente normativo, quais são os reais atores envolvidos, quais são seus interesses e
como eles agem politicamente para tanto. É possível afirmar, metaforicamente, que as decisões
transmitem seus genes (atores, interesses e suas ações políticas) para todas as demais
conformações da política pública que delas derivam.
É com base na premissa acima indicada, qual seja, a de que o processo decisório é capaz
de revelar diversas dimensões de uma política pública, que o presente artigo pretende investigar
as condicionantes que emolduraram a decisão que levou à emergência de uma política pública
de ciência e tecnologia específica para as pesquisas genômicas no Estado do Paraná entre os
anos de 2019 a 2022: o Vale do Genoma.
Para realização da tarefa que ora se apresenta entende-se que a Teoria dos Fluxos
Múltiplos se revela como a mais adequada. Isto se na medida em que ela permite a
interpretação analítica da conformação de uma política pública reconhecendo seus atores,
interesses, cenários e aleatoriedades que podem, em um dado momento histórico, estabelecer a
decisão que instrumentalizará uma política pública.
Se as decisões, conforme ilustração acima sugerida, podem revelar os genes de uma
política pública, a Teoria dos Fluxos Múltiplos será a ferramenta que poderá revelar a
constituição do DNA do referido Vale do Genoma como uma política pública de ciência e
tecnologia do Estado do Paraná.
Para o endereçamento da análise proposta se apresentará, em um primeiro momento, os
dados conhecidos acerca da formulação da referida política para, em seguida, analisá-los
conforme o marco teórico utilizado. É com esta orientação, portanto, que se parte doravante.
2 ANTECEDENTES POLÍTICOS
Em primeiro de janeiro de 2019, Carlos Massa Ratinho Júnior, tomou posse como
governador do Estado do Paraná. Em seu discurso, naquela oportunidade, dentre outras
passagens afirmou: “Vamos atrair e desenvolver novas atividades econômicas. Se somos o
estado do agronegócio, seremos também o estado do turismo, da inovação tecnológica e de
novos modelos industriais” (GAZETA DO POVO, 2019).
Menos de sessenta dias após a sua posse, o citado governador realizou a sua primeira
viagem internacional na qualidade de mandatário daquele Estado. Integrou, em tal oportunidade,
uma missão empresarial que visitou o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Em entrevista então
concedida declarou: “Nós queremos ser a base do desenvolvimento de novas tecnologias para
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agricultura, oferecendo soluções aos produtores brasileiros e queremos exportar tecnologia”
(STARTSE, 25/02/2019).
Nota-se que entre as duas passagens acima há estreita ligação. Não é incorreto entender
que, já naquele momento, seria possível reconhecer que se buscariam construções de políticas
públicas que fossem capazes de fazer convergir a inovação tecnológica como fator de
incremento da economia do Estado Paraná, com especial atenção ao agronegócio. A percepção
desta aderência se dá, inclusive, quando se amplia o espectro de análise para dois momentos
distintos como se verá a seguir.
Em 2018, durante a campanha eleitoral para o governo do Estado do Paraná, o então
candidato Carlos Massa Ratinho Júnior apresentava o termo “inovação” como um dos pontos
basilares do seu programa de governo “Paraná 2022”, registrado junto ao Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). A formulação deste programa de governo deu-se sob a coordenação de
Reinhold Stephanes, político de longeva atuação pública com participação em governos
municipais, estaduais e federais desde a década de 1970 ao início dos anos 2000; com destaques
para a área econômica, previdenciária e agrícola, conforme dados do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2022).
É neste contexto que a expressão “inovação” é citada por 39 (trinta e nove) vezes
naquele documento. Na passagem dedicada ao “Desenvolvimento Econômico”, após breve
diagnóstico sobre o perfil econômico do Estado, no item “Agricultura” -se (Paraná 2022,
2018):
Com as rápidas e intensas modificações, sobretudo tecnológicas, o Paraná precisa
enfrentar o aumento da demanda por capacitação e realizar investimentos em pesquisa
e inovação. E também os desafios para a manutenção das condições de produção,
como conservação do solo e da água, adequação ambiental, busca de melhor qualidade
dos alimentos e construção de uma infraestrutura logística mais eficiente (PARANÁ
2022, 2018, p. 135).
Percebe-se, assim, que um encadeamento de eventos que projetam e reforçam a
inovação tecnológica como estratégia para impulsionar o desenvolvimento econômico do
Estado do Paraná, considerando o agronegócio um dos vetores para tanto. Ou seja, do programa
de governo “Paraná 2022”, aos primeiros atos de gestão, passando pelo discurso de posse, a
inovação tecnológica passa a ser considerada uma das premissas do agronegócio paranaense.
A análise do Plano Plurianual do Estado do Paraná para o período de 2020 a 2023, Lei
Estadual 20.077 de 18 de dezembro de 2019, apresenta pontos que corroboram a leitura
acima. Destaca-se, em um primeiro momento, que o coordenador do então programa de governo
“Paraná 2022”, por ocasião da aprovação da referida lei, exercia a função de Secretário de
Estado da Administração e da Previdência. Há, assim, uma primeira evidência de continuidade
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política para a implantação do referido programa de governo, desta feita como política pública.
O que se daria não somente pela eleição do próprio governador, mas também pela manutenção
de integrantes do seu grupo político. Outros pontos da referida lei também demandam atenção
para a análise que ora se propõe. Indica-se que:
O Plano tem como foco a organização da ação de governo nos níveis estratégico e
tático, enquanto o Orçamento responde pela organização no nível operacional. A Ação
é uma categoria exclusiva dos orçamentos, tendo assim uma relação de
complementaridade entre os instrumentos, sem prejuízo à integração. A integração do
Plano com o Orçamento se no nível dos Programas e das Iniciativas. (PARANÁ,
2019)
São os programas de governo, portanto, que integram as dimensões estratégicas das
iniciativas políticas com a organização orçamentária que visa realizá-las. Ganha relevo,
portanto, o Programa de Desenvolvimento Rural e Abastecimento com Sustentabilidade, cujo
órgão responsável é a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (SEAB). Tem-
se nele a seguinte disposição:
As ações e iniciativas da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento
(SEAB), bem como seus objetivos, desafios e transformações desejadas, encontram-
se em consonância com seu âmbito de atuação e com as suas diretrizes estratégicas:
Competitividade e Renda: Trata-se da expansão e consolidação do parque
agroindustrial, bem como a ampliação e adequação sanitária das agroindústrias
familiares, sobretudo com inclusão de mulheres e jovens agricultores, estabelecendo
instrumentos essenciais, principalmente mediante programas que contemplem
inovações tecnológicas, assistência técnica, extensão rural, infraestrutura e logística
eficientes e um ambiente sanitário adequado, sempre em parceria com os municípios,
buscando integrá-los aos Planos Diretores Municipais, com aval dos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural, bem como a integração dos demais segmentos
organizados da sociedade civil, além do governo federal e com apoio da Assembleia
Legislativa do Estado, bem como parcerias com a iniciativa privada (Parcerias Público
Privadas - PPP) (PARANÁ, 2019).
O Programa Paraná Mais Ciência, sob responsabilidade da Casa Civil, estabelece que:
O Estado do Paraná é responsável por grandes investimentos em pesquisa e
desenvolvimento que contribuem para o avanço da cadeia de inovação, mas é
necessário ampliar as ações desenvolvidas nas áreas estratégicas, focando no
desenvolvimento tecnológico, econômico e social do Estado. Com isso em mente, o
programa objetiva:
[…]
3. Promover a formação de núcleos científicos de excelência em áreas estratégicas
que desenvolvam ciência e tecnologia na fronteira do conhecimento, de modo a
transformar soluções de problemas regionais em interesse internacional e, assim,
promover inovações de alto impacto científico, induzindo significativos benefícios
sociais, econômicos e culturais para o estado e a internacionalização; (PARANÁ,
2019).
Nesta primeira fase de análise identifica-se que a inovação tecnológica, como vetor do
desenvolvimento econômico para o agronegócio, é adotada desde antes da eleição do citado
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governador; estando presente no programa de governo “Paraná 2022”, no simbolismo próprio
do discurso de posse (e o direcionamento político que ele projeta), na primeira viagem
internacional do governador (para construção de novas relações econômicas) e na agenda
política plasmada no Plano Plurianual 2019-2023, conforme programas acima indicados.
Esse conjunto de elementos fáticos, como se verá a seguir, é mais bem compreendido à
luz da teoria dos fluxos múltiplos e, por meio dela, também será possível derivar as demais
dimensões que convergiram para o processo decisório que teve como resultante o Vale do
Genoma como política pública de ciência e tecnologia no Estado do Paraná.
3 A DEFINIÇÃO DO PROBLEMA PÚBLICO
A teoria dos fluxos múltiplos foi elaborada por John W. Kingdon e encontra-se
estabelecida em sua obra Agenda, Alternatives and Public Policies (Kingdon, 2014). Na
epígrafe do primeiro capítulo uma citação de Victor Hugo que traz a síntese do que se
debaterá no transcorrer da obra “Greater than the tread of mighty armies is an idea whose time
has come” (KINGDON, 2014, p. 2). Esta epígrafe sugere que sob determinadas circunstâncias,
ideias anteriormente desconsideradas, podem impor-se de forma a vincular os acontecimentos
que dela decorrerão.
Este é um ponto importante para que se possa entender a referida teoria. Kingdon
entende o processo de formulação de uma política pública a partir dos mecanismos que podem
fazer com que uma questão social, ou condição, seja interpretado e validado como um
problema e, a partir daí, se integre à agenda e, por fim, possa ser endereçada por meio de uma
política pública. Tais elementos (questão/condição, problema, agenda, política) podem ser
considerados os pontos cardeais para balizamento e análise de uma política pública.
Aqui, contudo, não se está a sugerir que se trata de etapas lineares de um programa de
política pública, ou de seus eventuais ciclos, mas sim das premissas que permitem emoldurar
uma interpretação analítica das condições que poderão levar àquela.
Pode apresentar-se, de tal sorte, uma primeira interpretação da teoria dos fluxos
múltiplos: ela não se propõe como um modelo “pasteurizado” para a criação de políticas
públicas. Pelo contrário, destina-se à análise dos elementos que permitem entender, como
poderia ter dito Victor Hugo, que o tempo de uma ideia “chegou”, com as suas derivações no
campo das políticas públicas.
É possível, procurar identificar na atuação do governo do Estado do Paraná, conforme
as situações anteriormente indicadas, os elementos de análise da teoria dos fluxos múltiplos,
como chave para sua interpretação. Adota-se como um primeiro ponto nesta construção a
identificação do problema.
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A utilização da inovação tecnológica como alavanca para o desenvolvimento econômico
é uma questão posta à sociedade. Ela, contudo, é uma solução, não um problema público.
Conforme ensina Secchi (2020, p. 77): “A definição do problema é um instrumento de poder”.
Reconhecendo tal premissa como válida, é importante atentar-se que o Estado do Paraná ao
adotar a inovação tecnológica como uma solução econômica para alavancar os ganhos do
agronegócio, está instrumentalizando uma solução para um problema que, sob a sua perspectiva,
trata-se de um problema público.
Kingdon (2014, p. 90) entende que indicadores são ferramentas que podem ser
utilizados pelos atores envolvidos no processo de decisão para destacar se uma determinada
questão social, deve ser interpretada como problema público e, nesta linha, se a variação de tais
indicadores justificaria, ou não, a criação de uma política pública para aquele.
No Plano Plurianual do Estado do Paraná (2019-2023), conforme anteriormente
indicado, três passagens que sugerem o problema público identificado por tal governo. A
primeira delas se dá seguinte forma:
Como se sabe, a produção do setor primário paranaense está estreitamente vinculada
às lavouras temporárias. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o valor da produção da soja correspondeu a 52,2% do total da
receita agrícola local no ano de 2018 (tabela 1), vindo a seguir as lavouras do milho,
com uma participação de 15,2%, cana-de-açúcar (6,1%), trigo (5,1%) e mandioca
(4,1%).
na pecuária, sobressai a avicultura, com a produção estadual de carne de frango
alcançando 4,3 milhões de toneladas (tabela 2), o que representou 31,9% da oferta
brasileira em 2018, garantindo a colocação no ranking das UFs. Menos
representativos no contexto nacional, embora importantes em termos econômicos, os
segmentos de suínos e bovinos registraram pesos de, respectivamente, 21,3% (2ª
posição no ranking dos produtores) e 4,4% (9ª colocação) nos totais dos abates do
país, não deixando dúvida quanto à pujança do Estado na atividade pecuária
(PARANÁ, 2019).
A segunda, ao seu tempo, pontua:
A complexidade da sociedade paranaense resulta em demandas variadas, com raízes
e soluções distintas. Todavia, entre as inúmeras questões que devem nortear as ações
públicas no futuro, podem ser ressaltadas a transição demográfica, a necessária
modernização da gestão para a melhoria da condição social dos paranaenses e a
estratégica elevação da produtividade (PARANÁ, 2019).
A terceira passagem assim estabelece:
A propósito, estabelecendo ligação com o último tema acima colocado, a melhoria da
educação certamente contribuirá para a elevação do capital humano do Estado, que,
por sua vez, favorecerá o aumento da produtividade. Em uma análise comparada, é
possível constatar que grande margem para o aumento da escolaridade e da
qualificação do trabalhador paranaense, visto que a proporção de ocupados que
minimamente completaram o ensino médio é inferior, inclusive, à média nacional
(PARANÁ, 2019).
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-se, portanto, que o governo do Estado do Paraná, por meio do Plano Plurianual acima
identificado, promoveu o diagnóstico de um problema a ser endereçado por meio de uma
política pública. Este diagnóstico, em tempo, possui aderência com a proposta de Kingdon
como uma das primeiras escalas de incidência da teoria dos fluxos múltiplos. Se é correto
reconhecer que a definição de um problema é uma manifestação de poder, é também importante
reconhecer que a legitimação desta percepção se por meio de indicadores. E, no caso sob
análise, isto que se deu.
Os indicadores apontados naquele plano sugerem que a produção do setor primário da
economia paranaense se com base em fatores de sazonalidade e que, portanto, o ganho de
produtividade necessário ao setor, em face dos desafios socioeconômicos do Estado, será
alcançado por meio de inovações tecnológicas, o que, ao seu tempo, importará na articulação
das redes de pesquisa e desenvolvimento integradas em função das instituições de ciência e de
tecnologia, como se verá adiante.
Tem-se, de tal forma, que a interpretação dos indicadores socioeconômicos do Estado
do Paraná, presentes no Plano Plurianual (2019-2023), permitiu aos agentes decisórios junto ao
governo do estado, identificar que a necessidade de um ganho de produtividade no setor
primário é um problema público a ser endereçado por meio de uma política pública de
promoção de inovação tecnológica junto ao setor. Kingdon (2014, p. 90) ilustra esta perspectiva
com precisão ao afirmar que, com frequência: […], os problemas chamam a atenção dos
tomadores de decisão do governo, não por meio de algum tipo de pressão política ou percepção
superficial, mas porque algum indicador mais ou menos sistemático simplesmente mostra que
há um problema lá fora”.
-se, assim, que aquilo que em 2018, no programa de governo “Paraná 2022”,
apresentava-se como uma questão econômica, em 2019, foi elevado à condição de problema
público, merecedor de uma política pública específica, em função da interpretação dada aos
indicadores socioeconômicos pelos tomadores de decisão junto ao governo do estado; os quais,
não coincidentemente, foram eleitos em 2018. Em síntese, o grupo político que identificou uma
questão em 2018, uma vez eleito, a elevou ao patamar de problema público em 2019, tendo por
base a interpretação dos indicadores existentes à época.
4 OS FLUXOS DOS PROBLEMAS, DA POLÍTICA E DAS SOLUÇÕES
Nas etapas anteriores deste artigo realizou-se uma apresentação inicial do porquê o
processo decisório é importante na construção da análise de uma política pública, e ainda, de
forma subsequente, foram apontados os primeiros elementos fáticos que poderiam ser
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interpretados à luz da teoria dos fluxos múltiplos, com destaque para dinâmica da percepção de
uma questão/condição e seu posterior diagnóstico como problema público.
É nesta moldura fática e teórica que a inovação tecnológica direcionada ao setor
primário apresentou-se como uma possível solução ao problema público da limitada
produtividade do setor primário da economia paranaense no longo prazo. Uma das políticas
públicas desenvolvidas para a implementação desta solução foi a criação de um ecossistema de
inovação denominado Vale do Genoma, o qual é fruto do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação
Genômica (NAPI Genômica). Para entender essa dinâmica propõe-se a utilização da teoria dos
fluxos múltiplos de Kingdon.
O citado autor entende que existem três fluxos de relativa autonomia entre si (ainda que
manifestem influências uns sobre os outros) que determinarão a formação de uma agenda para
a formulação e ou implementação de uma política pública. Tais fluxos corresponderiam a um
conjunto de agentes, meios e circunstâncias que, ao seu modo, teriam fatores de identificação
comum capazes de lhe emprestar certa identidade.
O primeiro desses seria o fluxo dos problemas, nas palavras de Kingdon (2014, p. 109):
uma diferença entre uma condição e um problema. Todos os dias enfrentamos todo
tipo de condições: mau tempo, doenças inevitáveis e intratáveis, pestilência, pobreza,
fanatismo. Como disse um lobista: "Se votem apenas quatro dedos em uma mão,
isso não é um problema; é uma situação". As condições passam a ser definidas como
problemas quando passamos a acreditar que devemos fazer algo a respeito.
Conforme visto nas passagens anteriores, tal hipótese encontra-se caracterizada nesta
análise, na medida em que a questão da produtividade do primeiro setor, ou condição, foi alçada
ao patamar de um problema público quando um determinado grupo político, aqui representado
na pessoa do governador Carlos Massa Ratinho Júnior, foi eleito para o governo do Estado do
Paraná para o período 2019-2022. Como sumariza Capella: “Uma questão passa a fazer parte
da agenda governamental quando desperta a atenção e o interesse dos formuladores de políticas”
(CAPELLA, 2006, p. 2).
Nesta mesma linha teórica, porém, outros dois fluxos a serem observados: o das
soluções e o da política. É importante destacar que entre esses fluxos Kingdon (2014) não
estabelece qualquer grau de hierarquia ou centralidade entre eles. um esforço para identificá-
los em suas características, mas isso não significa sequer que há, na análise dos fatos, uma
prerrogativa de ordem entre eles. No contrário se estaria a seguir uma normatividade que é
contraditória à própria natureza da teoria por ele desenvolvida.
Se houve, portanto, uma primeira identificação do fluxo dos problemas, conforme já
apontado, agora os esforços serão direcionados à caracterização do fluxo político, sem que isso
implique em qualquer gradação de superioridade ou inferioridade entre eles. Kingdon entende
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que o humor (ou clima político) com a organização das forças políticas e mudanças de governo
seriam as dimensões integrantes do fluxo político (KINGDON, 2014). No caso sob análise
pode-se perceber que a mudança de governo trouxe consigo as demais características deste
fluxo, conforme demonstrado a seguir.
A estrutura política do Estado do Paraná, quanto ao mandatário do Poder Executivo,
permite que a atuação política daquele tenha significativo impacto quanto à formulação de
políticas públicas de ciência e tecnologia.
Observa-se, de forma institucional, conforme descrito no Plano Plurianual (2019-2022)
que é na execução do orçamento, por meio dos programas discriminados, que se a
convergência entre o posicionamento estratégico e tático das políticas públicas defendidas pelo
governo e os resultados que delas se esperam.
De uma forma objetiva, pois, tem-se que ao interpretar a teoria de Kingdon para a
realidade brasileira, e paranaense de forma mais específica, é correto entender que pela simples
gestão orçamentária própria do Poder Executivo, a mudança de governo é um fator de impacto
político que alcança as demais dimensões citadas deste fluxo. Há, porém, outros elementos que
corroboram esta hipótese como se verá a seguir.
O Decreto Estadual nº 6.495/2002 aprova o Regimento Interno do Conselho Paranaense
de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná. Em tal norma destacam-se os artigos que seguem:
Art.1º O Conselho Paranaense de Ciência e Tecnologia - CCT PARANÁ, criado pela
Lei 12.020, de 9 de janeiro de 1998, como órgão colegiado de assessoramento
superior do Governador do Estado para a formulação e implementação da Política
Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, reger-se-á por este
Regimento Interno e demais normas e procedimentos aplicáveis.
[ ]
Art. 3º O CCT PARANÁ compõe-se pelos seguintes membros:
I - o Governador do Estado, na qualidade de Presidente;
II - o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e o Secretário de
Estado do Planejamento e Coordenação Geral, como representantes do Poder
Executivo Estadual;
III - dois (02) membros escolhidos pelo Governador do Estado, representando a
comunidade científica paranaense, sendo um deles pertencente ao corpo docente das
Instituições de Ensino Superior;
IV - dois (02) membros escolhidos pelo Governador do Estado, representando a
comunidade tecnológica paranaense;
V - dois (02) membros escolhidos pelo Governador do Estado, representando a
comunidade empresarial paranaense, devendo pertencer, um deles, ao setor agrícola;
VI - dois (02) membros escolhidos pelo Governador do Estado, representando a
comunidade trabalhadora paranaense.
§ 1º. O Presidente do CCT PARANÁ, em suas ausências e impedimentos, será
substituído pelo Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
§ 2º. A composição do CCT PARANÁ será renovada, a cada dois anos, em cinqüenta
(sic) por cento de seus membros, à exceção dos integrantes referidos nos incisos I e II
deste artigo.
§ 3º. Os representantes, a que se referem os incisos III a VI deste artigo, serão
nomeados pelo Governador do Estado, para o mandato de quatro anos, permitida uma
recondução (PARANÁ, 2002).
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Nota-se, assim, que embora seja um órgão de assessoramento para a formulação e
implementação de políticas públicas no âmbito do governo do Estado do Paraná, todos os
integrantes do referido Conselho são nomeados diretamente pelo Governador. A mudança da
administração, portanto, traz consigo, objetiva possibilidade da mudança das políticas públicas
da área.
Outra função importante que compete ao referido Conselho é a de apreciar e encaminhar
ao próprio Governador o relatório anual das atividades do Fundo Paraná, o qual foi criado por
meio da Lei Estadual nº 12.020/1998, atualizada pela Lei Estadual 15.123/2006, como
regulamentação do previsto no Art. 205 da Constituição Estadual do Paraná (desenvolvimento
científico e tecnológico do Estado do Paraná).
Eis que o Governador do Estado do Paraná, não somente realiza todas as indicações do
referido Conselho, do qual é Presidente, mas também participará da análise do relatório anual
do Fundo dedicado ao fomento das políticas de ciência e tecnologia do Estado; o qual, em
última análise, será deliberado pela aprovação ou não, pelo próprio Governador.
Análise de semelhante perspectiva poder ser projetada junto à composição da
Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná (SETI
PR), no período entre 2019 e 2022. Neste período exerceu a função de Superintendente o Prof.
Dr. Aldo Nelson Bona (BONA, 2023), e de Diretor Geral o Prof. Dr. Michel Jorge Samaha
(SAMAHA, 2023).
A carreira acadêmica de ambos se desenvolveu junto às instituições de ensino superior
do Estado do Paraná. Aldo Nelson Bona é Doutor em História pela Universidade Federal
Fluminense, sendo professor adjunto da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná
(UNICENTRO). Michel Jorge Samaha, ao seu tempo, é Doutor em Ciências Sociais Aplicadas
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), sendo professor adjunto na mesma
universidade.
Os dois possuem importante articulação política. O Prof. Aldo foi Reitor da
Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO), de 2012 a 2018, e
Presidente da Associação Paranaense de Instituições de Ensino Superior (2012 a 2016). E o
Prof. Michel, de igual sorte, fora Secretário Municipal junto à Prefeitura Municipal de Ponta
Grossa (2001 a 2003), bem como, Secretário Municipal junto à Prefeitura Municipal de
Piraquara (2004 a 2007).
É possível perceber, portanto, tanto o Superintende quanto o Diretor-Geral detinham
não somente aderência acadêmica e institucional para as suas respectivas funções. Possuíam,
também, convergência programática e política com o então novo governo para levar adiante
sua visão para o campo da ciência e da tecnologia como alavanca do processo econômico
estadual. Prova disso é a declaração de Aldo Nelson Bona à época em que fora indicado: “Ele
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pediu que nós façamos com que, de fato, as universidades continuem e ampliem sua
contribuição com o desenvolvimento regional.” (Jornal Extra Guarapuava, 2018).
Tais características aderem-se com a hipótese descrita por Kingdon na seguinte
passagem:
Quando envolve atores governamentais, a mudança de agenda ocorre de duas
maneiras. Ou os titulares em posições de autoridade mudam suas prioridades e
promovem novos itens da agenda; ou o pessoal desses cargos muda, trazendo novas
prioridades para a agenda em virtude da rotatividade (KINGDON, 2014, p. 153).
Diante do exposto, considerando a estrutura governamental dedicada à formulação e à
implementação de políticas públicas de ciência e de tecnologia, tem-se que a mudança de gestão
traz consigo a possibilidade concreta de mudança naquela agenda. À luz do caso concreto e em
face dos aspectos fáticos citados (do programa de governo “Paraná 2022” ao Plano Plurianual
2019-2022) a inovação tecnológica orientada para um aumento de produtividade do setor
primário da economia paranaense ganha importante relevo.
Esse conjunto de elementos correspondem, também, ao entendimento de Secchi et al.
(2020, p. 112) sobre tal hipótese: “O fluxo da política (politics) varia de acordo com eventos
especiais, como o desenho e a aprovação de orçamento público, reeleições, substituições de
membros do Executivo, refinanciamento de programas públicos etc.”
Resta caracterizado, que a eleição do grupo político representado por Carlos Massa
Ratinho Júnior, na qualidade de Governador do Estado do Paraná, para o período 2019 - 2022,
importa em fato relevante para a constituição de um novo momento no fluxo político da
inovação tecnológica como vetor das políticas de ciência e tecnologia para o ganho de
produtividade no setor primário da economia paranaense.
A dinâmica apresentada nos dois fluxos (problemas e político) parece semelhante. Isto
é verdade em função de dois aspectos importantes. Primeiro porque, conforme antecipado,
embora os fluxos possuam um desencadeamento próprio de cada um, eles estão presentes em
um mesmo locus social e condicionados pelas materialidades de um mesmo tempo histórico.
Além disso, observa-se que o próprio desenho institucional do governo do Estado do Paraná,
neste tema, induz a tal situação (centralidade da ação política do Governador fluxo político
na estrutura dedicada às políticas públicas de ciência e tecnologia).
Se o fluxo dos problemas se encontra identificado, e o fluxo político caracterizado diante
das suas hipóteses teóricas, é preciso trabalhar ainda o fluxo das soluções e a janela de
oportunidade que determinará a convergência dos três para uma tomada de decisão pelos
atores envolvidos.
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O fluxo das soluções está relacionado à existência de uma comunidade de especialistas
que, embora possam atuar em setores distintos, dentro e fora do governo, articulam-se entorno
de um interesse comum. Segundo Kingdon (2014, p. 117):
As comunidades políticas são compostas por especialistas em uma determinada área
política - saúde, habitação, proteção ambiental, justiça criminal, para citar alguns. Em
qualquer uma dessas áreas políticas, os especialistas estão espalhados dentro e fora do
governo. Alguns deles fazem parte de comissões no Congresso ou em agências de
funcionários do Congresso, como o Congressional Budget Office ou o Office of
Technology Assessment. Outros trabalham no centro, em locais como escritórios de
planejamento e avaliação e escritórios de orçamento. Outros ainda são acadêmicos,
consultores ou analistas de grupos de interesse. Mas eles têm em comum sua
preocupação com uma área de problemas políticos.
Esta circunstância encontra-se presente na Rede de Estudos Genômicos do Estado do
Paraná, também conhecida como “NAPI Genômica”. No Processo de Inexigibilidade de
Chamada Pública nº 04/2020 tem-se como objetivos do referido Arranjo:
1.1 O Napi Genômica visa implementar e consolidar a Rede de Estudos Genômicos
do Estado do Paraná como um novo arranjo de pesquisa e inovação, objetivando a
utilização da plataforma científica do IPEC/Guarapuava e da própria Rede Genômica
criada com instituições do Paraná para desenvolver projetos voltados à saúde humana
e animal, bem como contribuir para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos
aplicados à agropecuária. Algumas das linhas de pesquisa e inovação que deverão ser
fomentadas na proposta são: oncogenômica, doenças genéticas, farmacogenômica,
medicina forense, genômica do esporte, nutrigenômica, metagenômica (viroma,
microbioma e micobioma), epidemiologia genômica, e agrogenômica.
1.2 Entre os objetivos do NAPI Genômica destaca-se a aplicação dos fundamentos
básicos da biologia sistêmica integrativa e Inteligência artificial para consolidar seu
caráter multidisciplinar com o desenvolvimento de projetos de interesse econômico
em benefício da população do Estado do Paraná, que serão desenvolvidos em parceria
com a Rede Genômica e o IPEC/Guarapuava.
1.3 Faz parte ainda do NAPI Genômica o desenvolvimento de pesquisa básica e
aplicada ao diagnóstico, prognóstico e tratamento do câncer, além de promover a
formação de Recursos Humanos especializados em atenção oncológica. Outro
objetivo é desenvolver pesquisa translacional voltada à prevenção das doenças
genética em especial ao câncer, bem como desenvolver pesquisa básica e aplicada
com ênfase em genômica voltada às diferentes áreas da saúde humana, além da
agricultura e pecuária (PARANÁ, 2020).
-se, assim, que a rede estabelecida pode criar um ambiente de pesquisa científica e
inovação tecnológica que não está endereçada a um problema concreto, mas que pode fazer
emergir do resultado dos seus trabalhos uma solução a ser aplicada a um problema público
reconhecido como tal. O ponto de convergência são as ciências e técnicas genômicas, e não um
problema previamente selecionado. É na natureza complexa e colaborativa desta rede que se
pode ter a derivação de soluções que posteriormente poderão ser instrumentalizadas por agentes
políticos por meio de políticas públicas.
Significa dizer, portanto, que a NAPI Genômica pode ser identificada como a
comunidade capaz de gerar um conjunto de soluções que, eventualmente, contribuam para o
processo decisório de implementação da política pública desejada, qual seja, a inovação
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tecnológica para promoção de maior produtividade no setor primário da econômica paranaense.
Esta condição revela-se ainda mais possível quando se destacam as expressões “produtos
biotecnológicos aplicados à agropecuária”, por exemplo.
A NAPI Genômica, por ocasião do lançamento oficial do Vale do Genoma, em junho
de 2021, se encontrava estruturada em uma rede que, sob a coordenação do Instituto para
Pesquisa do Câncer de Guarapuava (IPEC), articulava 23 (vinte e três) Instituições de Ciência
e Tecnologia, públicas e privadas, cobrindo todas as regiões do Estado do Paraná. Cada uma
delas desenvolvendo suas próprias linhas de pesquisa, de forma descentralizada, mas com o
mesmo escopo acima destacado.
É desta comunidade de especialistas, portanto, que se entende haver a identificação do
fluxo de soluções conforme descrição da teoria dos fluxos múltiplos. Não porque produziriam
soluções desenhadas e direcionadas aos problemas públicos entendidos como tais, mas, porque
do conjunto de alternativas existentes, uma ou mais delas poderiam ser aproveitadas para tal
finalidade, para Kingdon (2014, p. 144):
O fluxo de políticas, portanto, produz uma pequena lista de propostas. Esta lista curta
não é necessariamente um consenso na comunidade política sobre a proposta que
atende aos seus critérios; pelo contrário, é um acordo que algumas propostas são
proeminentes. Ter uma alternativa viável disponível para adoção facilita a alta
inserção de um assunto em uma agenda governamental e aumenta drasticamente as
chances de inserção em uma agenda de decisão.
Portanto, em breve síntese, que a produção de conhecimento, teorias e propostas por
meio de uma comunidade de especialistas não garante que um número nimo, ou máximo
delas venham a ser efetivamente adotas como uma solução em face de um problema público,
mas, estabelece um cenário no qual se tenha um processo decisório mais racional e que aquelas
sejam alternativas a serem consideradas para tanto.
5 A JANELA DE OPORTUNIDADE
Outro elemento constitutivo da teoria dos fluxos múltiplos é a “janela de oportunidade”.
Segundo Kingdon (2014, p. 165):
A janela de políticas é uma oportunidade para os defensores de propostas promoverem
suas soluções preferidas ou chamarem a atenção para seus problemas especiais. De
fato, […], os defensores ficam à espreita dentro e ao redor do governo com suas
soluções à mão, esperando que surjam problemas aos quais possam anexar suas
soluções, esperando por um desenvolvimento no fluxo político que possam usar a seu
favor. Às vezes, a janela se abre de maneira bastante previsível. A renovação
programada de um programa, por exemplo, cria uma oportunidade para muitos
participantes impulsionarem seu projeto ou preocupação de estimação. Em outras
ocasiões, isso acontece de forma bastante imprevisível. Os empreendedores de
políticas devem estar preparados, com sua proposta de estimação pronta, seu problema
especial bem documentado, para que a oportunidade não passe por eles.
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Este elemento que, como acima foi destacado, pode ser previsível ou não, tem a
potencialidade de fazer convergir os três fluxos destacados impulsionando o processo decisório
pela implementação de uma dada política pública como solução a um problema igualmente
público.
O destaque que se pode observar neste critério é o reconhecimento da realidade objetiva
como sendo um elemento de condicionamento de políticas públicas. Para além de uma projeção
normativista e, portanto, idealizada, é preciso reconhecer as razões pelas quais, por exemplo,
boas ideias não foram implementadas em um dado momento, e são resgatas em outros.
Recuperando a citação de Victor Hugo, entende-se que o tempo de uma ideia, não é
determinado pelo relógio ou calendário dos agentes políticos que as criam ou defendem. O
tempo de uma ideia, a emergência de uma política pública, irrompe das situações da realidade
objetiva, para além do desejo (ainda que bem-intencionado) daqueles que a defendem.
A realização de pesquisas direcionadas à produção de novas tecnologias de natureza
genômica, na conformação da NAPI Genômica, teve no cenário da pandemia de COVID-19
um agente de mobilização e, portanto, uma janela de oportunidade.
Naquele cenário em que o mapeamento genético do coronavírus e suas mutações
ganharam protagonismo não somente no meio científico, mas também nas demais dimensões
da sociedade (econômica e política, por exemplo), teve-se a oportunidade de avançar-se com
as políticas públicas com aderência ao tema.
Apresenta-se como elemento de prova de tal circunstância o Termo de Cooperação
Técnico-Financeira 35/2020 celebrado entre a Superintendência Geral de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior (SETI) e a Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), o qual trazia como objeto:
Abordagem genômica para investigar variações genéticas do Sars-CoV-2
(coronavírus) e no hospedeiro humano: correlação genética com a evolução clínica
dos indivíduos positivos para o Sars-CoV-2 que tem como objeto apoiar ações
voltadas ao estudo da filogeografia das linhagens de SARS-CoV-2 presentes em uma
amostragem da região de Guarapuava e das cidades que possuem Instituições
membros da Rede Genômica de Guarapuava, além de investigar o impacto das
alterações genéticas do SARS-CoV-2 e dos receptores canônicos e não canônicos, na
taxa de infecção do hospedeiro, a fim de identificar assinaturas genômicas de
mutações, para estabelecer correlações com as manifestações clínicas de uma coorte
de 150 indivíduos com diagnóstico de COVID-19 (PARANÁ, 2020).
Percebe-se, assim, que três meses após o lançamento oficial do Vale do Genoma como
ecossistema de inovação derivado da NAPI Genômica do Estado do Paraná, a sua comunidade
de especialista pôde articular-se entorno da janela de oportunidade representada pela pandemia
de COVID-19 para conseguir fazer avançar, em termos de financiamento (R$ 400.000,00,
naquele Termo), suas linhas de pesquisa afetas ao tema.
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É notório que uma linha de pesquisa dedicada ao problema da pandemia de COVID-19
não possui ligação direta com o propósito de inovação tecnológica para incremento da
produtividade do agronegócio no Estado do Paraná. Ainda assim, contudo, é necessário
reconhecer que esta imprevisibilidade, quanto a qual solução a ser adotada, é uma
característica do próprio fluxo das soluções.
Tem-se, por outro lado, considerando a própria natureza das ciências genômicas, que
não um impedimento prévio que impeça uma tecnologia desenvolvida para um problema
público de saúde humana, venha, no futuro, integrar alguma solução biotecnológica para
questões da agropecuária ou meio ambiente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo se propôs a fazer uma análise do Vale do Genoma, ecossistema de
inovação decorrente da NAPI Genômica, enquanto política de ciência e tecnologia do Estado
do Paraná, pela perspectiva da teoria dos fluxos múltiplos de Kingdon.
Neste esforço acadêmico pôde-se destacar que os fluxos do problema, da política e das
soluções encontram-se caracterizados nas ações efetivadas pela atual administração do Estado,
com destaque para o protagonismo institucional e político deste grupo representado na pessoa
do governador Carlos Massa Ratinho Júnior. O fluxo do problema se apresenta de forma
concreta quando se entende que há limites que precisam ser superados para que o agronegócio
continue a ser um vetor relevante para o desenvolvimento econômico do Estado do Paraná.
O fluxo da política, contudo, manifesta-se com a eleição do referido grupo político que
reconhece tal problema como sendo público e decide endereçá-lo por meio de políticas públicas.
E o fluxo das soluções, ao seu tempo, dá-se na articulação de agentes públicos e privados que
articulam pesquisas científicas e inovações tecnológicas como promotoras de um novo
horizonte de realização para o agronegócio e, por derivação, para o desenvolvimento econômico
do Estado do Paraná.
Logo, não é por acaso, que se torna possível destacar o protagonismo do campo político
ao diagnosticar uma dada condição como sendo um problema público a ser endereçado pela
correspondente política. E, indo além, não se pode subestimar a relevância que função do
Governador, diante de suas atribuições legais, detém em face dos órgãos vinculados à produção
de tais políticas públicas.
Por fim identificou-se que a pandemia de COVID-19 representou uma janela de
oportunidade para a decisão que permitiu o avanço de algumas linhas de pesquisa, no Vale do
Genoma, como proposta de uma política pública para avançar no enfrentamento do tema.
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