Revista de Estudos em Organizações e Controladoria-REOC, ISSN 2763-9673, UNICENTRO, Irati-PR, v. 3, n. 2, p. 96-125,
jul./dez., 2023.
ESTUDO SOBRE OS CAMINHOS DECOLONIAIS: QUE CONHECIMENTOS
ESTAMOS CONSTRUINDO NA UNIVERSIDADE?
1
STUDY ON DECOLONIAL PATHS: WHAT KNOWLEDGE ARE WE BUILDING
AT THE UNIVERSITY?
MARCIA REGINA FERREIRA
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: marciareginaufpr@hotmail.com
RESUMO
Este artigo versa sobre que conhecimentos estamos construindo nas universidades brasileiras e
sobre algumas questões que emergem ao refletirmos sobre isso: Que tecnologia está sendo
discutida nas universidades? Que ciência está sendo construída nas universidades? Que
conhecimentos estamos construído a partir de ações a favor da justiça, da igualdade e da
diversidade epistêmica? Questões relevantes para a sociedade refletir, em especial, para os
profissionais da educação que atuam no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional,
Cientifica e Tecnológica no Brasil. Tem-se como objetivo geral, investigar e analisar a partir de
epistemologias decoloniais, os conceitos de ciência e tecnologia para o desenvolvimento humano.
Enquanto objetivos específicos, buscou-se: mapear e discutir o estado da arte da abordagem
decolonial e suas variações; fomentar a discussão sobre novas interpretações da ciência e
tecnologia a partir de Álvaro Pinto e Fals Borda; compreender os conceitos de ciência e tecnologia
no contexto da decolonialidade a fim de construir caminhos decoloniais. Por fim, busca-se conhecer
os estudos decoloniais já realizados, a fim de refletir sobre que caminhos estamos construindo e
que conhecimentos estamos construindo nas universidades. Para tanto, foi realizado uma pesquisa
bibliográfica, pautadas em artigos científicos e livros de autores latino-americanos, em especial, os
autores Álvaro Vieira Pinto (1969,2005 e 2008) e Orlando Fals Borda (1982,1978,2009 e 2009a),
visando produzir uma nova compreensão dos conceitos de ciência e tecnologia, como também
concretizar conhecimento acerca da abordagem decolonial. Além disto, foi realizado um estudo
bibliométrico em seis principais sites acadêmicos de artigos e periódicos para coletar dados
referentes ao tema decolonialidade na ciência e na tecnologia, detectando abrangência e extensão
de sua divulgação. Ao pesquisar as perspectivas da Ciência e Tecnologia, buscou-se uma discussão
a fim de fomentar a superação da idealização das teorias de outros, e por meio dessa a superação
do culturalismo científico o enriquecimento acadêmico do saber sistêmico e endógeno. Ao abordar
estas novas contribuições ao debate da ciência e da tecnologia, assinala a necessidade de uma
descolonização epistêmica e a valorização do nosso contexto, a fim de construir de uma nova
geopolítica do conhecimento.
Palavras-Chave: Educação Superior; Pós-Colonialismo; Ciência e Tecnologia.
ABSTRACT
This article is about what knowledge we are building in Brazilian universities and some questions
that emerge when we reflect on this: What technology is being discussed in universities? What
science is being built in universities? What knowledge are we building from actions in favor of justice,
equality and epistemic diversity? Relevant issues for society to reflect on, especially for education
professionals who work within the scope of the Federal Network of Professional, Scientific and
Technological Education in Brazil. The general objective is to investigate and analyze, based on
decolonial epistemologies, the concepts of science and technology for human development. As
specific objectives, we sought to: map and discuss the state of the art of the decolonial approach
and its variations; encourage discussion about new interpretations of science and technology based
on Álvaro Pinto and Fals Borda; understand the concepts of science and technology in the context
of decoloniality in order to build decolonial paths. Finally, we seek to understand the decolonial
studies already carried out, in order to reflect on what paths we are building and what knowledge we
are building in universities. To this end, a bibliographical research was carried out, based on scientific
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DOI: https://doi.org/10.5935/2763-9673.20230010
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articles and books by Latin American authors, in particular, the authors Álvaro Vieira Pinto (1969,
2005 and 2008) and Orlando Fals Borda (1982, 1978, 2009 and 2009a), aiming to produce a new
understanding of the concepts of science and technology, as well as concretizing knowledge about
the decolonial approach. In addition, a bibliometric study was carried out on six main academic
websites of articles and journals to collect data regarding the topic of decoloniality in science and
technology, detecting the scope and extent of its dissemination. When researching the perspectives
of Science and Technology, a discussion was sought in order to encourage overcoming the
idealization of other people's theories, and through this the overcoming of scientific culturalism and
the academic enrichment of systemic and endogenous knowledge. By addressing these new
contributions to the science and technology debate, it highlights the need for epistemic
decolonization and the appreciation of our context, in order to build a new geopolitics of knowledge.
Key Words: College education; Post-Colonialism; Science and technology.
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1. INTRODUÇÃO
Vivemos em um mundo globalizado que em muitos momentos se apresenta
com um pensamento único e simplificador da realidade, com muita discussão sobre
ciência, tecnologia e Inovação. Todavia, mesmo com tantas inovações, temos ainda
desigualdades gritantes e a pouca socialização do conhecimento acerca dessas
temáticas. Embora o Brasil tenha avançado em relação ao acesso as universidades
e em relação ao acesso de certas tecnologias, inclusive, destacando-se como um
dos principais usuários com acesso à internet no mundo, o nosso problema social
ainda não se alterou.
A nossa história (relações coloniais) de violência, de um capitalismo que
racializa, de desigualdade social que sofre com a misoginia reinante, apresentando
um cenário cada vez mais alarmante de violência contra as mulheres, revela-se no
século XXI uma gramática de iniquidade. Diante desta situação e do racismo
científico que se manifesta como uma tecnologia do capitalismo neste período,
parece que as universidades precisarão cada vez mais se questionarem sobre a
ciência e a tecnologia.
Em especial, diante dessa nova realidade da pandemia da COVID-19
manifestada em março de 2020, a qual tornou mais grave os problemas sociais
brasileiros como pobreza, desigualdade e exclusão, considerando-os nas
dimensões de gênero, classe, raça/etnia e reverberam até hoje em nossa
sociedade. Perante este cenário, muitos docentes (que atuam no ensino-pesquisa-
extensão) passarão a refletir: Que tecnologia está sendo discutida nas
universidades? Que ciência está sendo construída nas universidades? Que
conhecimentos estamos construído a partir de ações em favor da justiça, da
igualdade e da diversidade epistêmica? Questões que se tornam importantes para
a sociedade refletir, em especial, os que atuam no âmbito da Rede Federal de
Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica no Brasil.
Diante deste contexto, estudos desses temas com abordagens decoloniais
poderão colocar em cena, novos aspectos éticos e políticos, como raça/etnia,
gênero e classe na construção do conhecimento da sociedade brasileira. Essa
abordagem decolonial é epistêmica, invoca necessariamente ontologias outras e
mostra-se também como política. Tem como premissa proporcionar aos indivíduos
dos países colonizados, à possibilidade que seus conhecimentos consigam
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contextualizar e compreender a maquinaria colonial e moderna, em especial, a
compreensão da diferença colonial, a qual se desdobra em colonialidade do poder.
Questiona, o que é ciência e o que não é, busca romper a hierarquização dos
conhecimentos e desenvolver uma consciência crítica, a qual possa gerar o
desenvolvimento humano e uma modificação social. Segundo Castro e Freitas
Pinto (2018), é um trabalho sobre o imaginário, sobre o conhecimento e a
necessidade da vigilância epistêmica, o exercício da crítica argumentativa, para
lograr uma inversão do olhar, das práticas e do imaginário.
Este artigo é fruto de pesquisa da área de ciências humanas, em especial,
a psicologia e está na subárea de Psicologia do Ensino e aprendizagem, registrado
no Conselho Nacional de Pesquisa, tendo como campo de especialidade, o ensino
e aprendizagem na sala de aula. Os elementos que perpassam esse projeto sobre
Ciência, Tecnologia, Gestão e Inovação Social para o desenvolvimento humano:
Construindo saberes decoloniais, tem como idéias-força os temas como Educação
universitária; epistemologia e superação do eurocentrismo. Está relacionada à
psicologia do ensino e aprendizagem, pois visa refletir e contribuir para criar novas
formas de uso e apropriação da ciência e da tecnologia com finalidade
emancipatória e de desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente viável
nas universidades brasileiras. Para tanto, busca-se conhecer que estudos com
abordagem decolonial foram desenvolvidos por pesquisadores brasileiros acerca
desses temas.
Diante do exposto, o presente artigo, tem como objetivo geral, investigar e
analisar a partir de epistemologias decoloniais, os conceitos de ciência e tecnologia
para o desenvolvimento humano. Enquanto objetivos específicos, buscou-se:
mapear e discutir o estado da arte da abordagem decolonial e suas variações;
fomentar a discussão sobre novas interpretações da ciência e tecnologia a partir de
Álvaro Pinto e Fals Borda; compreender os conceitos de ciência e tecnologia no
contexto da decolonialidade a fim de construir caminhos decoloniais. Por fim,
busca-se conhecer os estudos decoloniais já realizados, a fim de refletir sobre que
caminhos estamos construindo e que conhecimentos estamos construindo nas
universidades.
Para tanto, ao se pesquisar ciência e tecnologia, foi realizado uma pesquisa
bibliográfica, pautadas em artigos científicos e livros de autores latino-americanos,
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em especial, os autores Álvaro Vieira Pinto (1969, 2005 e 2008) e Orlando Fals
Borda (1982,1978, 2009 e 2009a), visando produzir uma nova compreensão dos
conceitos de ciência e tecnologia, como também concretizar conhecimento acerca
da abordagem decolonial.
Além disto, foi realizado um estudo bibliométrico em seis principais sites
acadêmicos de artigos e periódicos para coletar dados referente ao tema
decolonialidade na ciência e na tecnologia, detectando abrangência e extensão de
sua divulgação. A pesquisa foi estruturada através da busca das relações entre os
termos: decolonialidade e ciência; decolonialidade e tecnologia; epistemologias do
sul e ciência; epistemologias do sul e tecnologia; pós-colonialismo e ciência; e pós-
colonialismo e tecnologia, os quais deveriam constar no título, no resumo, nas
palavras-chaves e/ou na introdução.
Ao pesquisar acerca da Ciência e Tecnologia, busca-se a discussão para
fomentar a superação da idealização das teorias de outros e, por meio dessa, a
superação do culturalismo científico e o enriquecimento acadêmico do saber
sistêmico e endógeno sobre o nosso contexto tropical (MORO-OSEJA e FALS
BORDA, 2004).
A partir dessa compreensão do enriquecimento acadêmico, este artigo
apresenta na primeira seção a introdução, e, em seguida, aborda os conceitos Pós-
colonialismo, anticolonialismo, abordagem decoloniais e epistemologias do Sul,
onde se discute acerca de novas epistêmes. Na terceira seção, aborda-se a
decolonialiadade e os estudos realizados, relacionando-os com o tema da ciência
e da tecnologia, apresentando quais os pesquisadores estudam o tema, onde
estão, em quais áreas estão pesquisando (publicando) e discussão dos dados
encontrados. Na última seção, considera-se e reconsidera-se os desafios para a
construção de conhecimento nas universidades para o rompimento do
eurocentrismo, tendo como ponto de partida a necessidade da construção de
conhecimentos emancipatórios e coletivos.
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2. PÓS-COLONIALISMO, ANTICOLONIALISMO, ABORDAGEM DECOLONIAL,
EPISTEMOLOGIAS DO SUL OU O FIM DO IMPERIALISMO E DA OBSTRUÇÃO
NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO?
Para iniciar um percurso acerca desses conceitos, devemos colocar uma
lupa nas passagens históricas na América do Sul e evidenciar o início da
exploração colonial, pois para a superação da dominação, são necessários a
identificação e o reconhecimento dessa história de exploração do colonizador sobre
a colônia (o colonizado).
Saberes e conhecimentos contextualizados a nossa realidade poderão
promover uma política social do conhecimento em uma perspectiva assuntiva. A
proposta assuntiva, segundo Zea (1993), tem como ponto de partida a própria
realidade, onde se busca conhecê-la. Segundo o autor, é fazer da realidade e do
passado instrumentos e elementos daquilo que se é e daquilo que se pode ser.
Para Quijano (1992) há uma relação entre colonialidade, modernidade e
racionalidade que já perdura há mais de quinhentos anos, a qual beneficiou apenas
uma reduzida minoria da Europa.
O pensamento pós-colonial tem como cerne a crítica ao colonialismo,
buscando demonstrar as diferenças entre colonizadores e colonizados como
processo de criar uma identidade política, cultural e econômica própria após a
emancipação das colônias, estando presente em grupos de estudos dos países
colonizados como: asiáticos, africanos e americanos. O termo “pós” não apresenta
sentido temporal, e sim oposição a visão colonial, estrutural, binária, universalista
e eurocêntrica apresentada pelos colonizadores. Neste sentido, o anexo pós ou
pós-colonialidade surgiu a partir da identificação, segundo Mignolo (2020), para
registrar aos países que um dia foram colonizados sua relação com o sistema
mundial colonial moderno. O autor, enfatiza que o temo “pos” não significa que a
colonialidade terminou, mas sim que está se reorganiza em seus alicerces
(modernidade/colonialidade). Diante do exposto, o pós-colonialismo tem o uso das
categorias Tempo-espaço, os quais nos fazem pensar sobre as teorias vindas dos
países centrais (colonizadores) e a necessidade de pensarmos a partir de nosso
território, ou seja, a partir da periferia.
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Como representantes desse movimento de estudos do pensamento pós-
colonial, o grupo de Estudos Subalternos originado na Índia, tendo como um de
seus principais colaboradores Rajajit Guha e o Grupo Latino-americano dos
Estudos Subalternos nos Estados Unidos, o qual teve Aníbal Quijano como um de
seus principais colaboradores, o pós-colonialismo pode ser compreendido em duas
acepções principais. Na primeira é a de um período histórico, aquele que se sucede
à independência das colônias, e a segunda é a de um conjunto de práticas e
discursos que desconstroem a narrativa colonial escrita pelo colonizador e
procuram substituí-la por narrativas escritas do ponto de vista do colonizado.
Ocorre o pós colonialismo, quando conseguimos construir nossa própria história a
partir de nossas narrativas e não a do colonizador.
Para Mignolo (2020) o pós-colonialismo ou pos-colonial (menos familiar o
pós ocidentalismo) são discursos que contribuem para uma mudança na produção
teórica e intelectual, destacando a geopolítica do conhecimento e as diferenças
coloniais epistêmicas. Desta forma, não seria tanto a condição histórica pós-
colonial que deve reter nossa atenção, mas os loci pós-coloniais de anunciação
como formação discursiva emergente e como forma de articulação da racionalidade
subalterna. Para o autor, é preciso desenvolver um pensamento crítico subalterno,
tanto como prática de oposição na esfera pública quanto transformação teórica
epistemológica na academia. Assim, o pós-colonialismo (razão pós-ocidental) é
uma crítica a modernidade a partir das histórias e legados coloniais e abre espaço
para novas epistêmes, um outro pensamento a partir e para além das disciplinas e
da geopolítica do conhecimento. Onde o autor destaca “a sua importância no
diálogo acadêmico é de recolocar a proporção entre localizações geoistóricas e a
produção do conhecimento” (MIGNOLO, 2020, p.132).
No entanto, no pós-colonialismo, tem seus estudos com origem de
intelectuais escrevendo em inglês e nos domínios do império britânico e suas ex-
colônias (Austrália, Nova Zelândia, Índia), o que gerou algumas críticas. Para
Mignolo (2020) seria mais adequado pensar em razão pós-ocidental, pois ambas
as Américas, incluindo o Caribe, a África do Norte e subsaariana ficavam excluídas.
Porém o autor destaca que tanto pos-colonialismo ou pos-ocidentalismo ou até
mesmo pós-orientalismo, o que essas expressões possuem em comum é a
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diferença colonial em todas as duas historicidades espaciais (histórias locais) no
mundo colonial/moderno (projetos globais).
Já o anticolonialismo, parte em especial da luta anti-coloniais africanas, em
especial, de Aime Césaire (2020) que na década de 1950 declarou guerra ao
racismo, ao colonialismo e à pomposa hipocrisia de intelectuais e políticos a serviço
do capitalismo. O autor que era um militante anticolonialista denunciava que o
fascismo é o filho do colonialismo, apresentava que o racismo era a ferramenta
fundamental da exploração capitalista. Em sua obra, discute que a colonização
desumaniza até o ser mais civilizado e que a ação colonial é desenvolvida no
desprezo pelo homem nativo. Césaire também influenciou Franz Fanon, outro
importante nome do anticolonialismo, o qual denunciou a criação das hierarquias
raciais na década de 1960.
No Brasil há uma corrente do anticolonialismo, abordada pelo quilombola
Nego Bispo, definida como contra-colonização, em especial da academia brasileira.
Para o autor temos um espaço físico geográfico onde existem os colonizadores e
os contra-colonizadores, onde contra-colonização são todos os processos de
resistência, luta e defesa pelos territórios dos povos contra-colonizados. As
comunidades são permanentemente atacadas por colonizadores que usam armas
com poder de destruição ainda mais sofisticadas e em uma correlação de forças
perversamente desigual. “Os colonizadores, ao invés de se denominarem Império
Ultramarino, denominam a sua organização de Estado Democrático de Direito e
não apenas queimam, mas também inundam, implodem, trituram, soterram,
reviram máquinas de terraplanagem tudo aquilo que é fundamental para
comunidade” (SANTOS, 2015, p. 76).
Para Mignolo (2020), tanto esses autores anticoloniais, contra coloniais,
como os pós-coloniais apresentam a necessidade de um rompimento de
dicotomias, pelo fato de constituírem a sua própria dicotomia. Destaca o surgimento
de um pensamento liminar que se estrutura numa dupla consciência, uma dupla
crítica atuando no imaginário do sistema mundial colonial/moderno e da
modernidade/colonialidade. Onde abordam que a modernidade se constitui
historicamente a partir de uma perspectiva colonial, reverberando dominação
econômico-político por meio de uma classificação social baseada na categoria de
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raça, uma desumanização aos corpos que não são brancos e europeus
(FERREIRA, 2022) e uma divisão binária natureza e sociedade (FERREIRA, 2019).
É importante saber que as epistemologias, tanto decolonias como as
Epistemologias do Sul, nascem de uma compreensão acerca do imperialismo, da
crítica ao pensamento único europeu e de uma crítica ao paradigma da
modernidade. Como já dito, o sociólogo peruano Aníbal Quijano identifica o início
da modernidade no período da conquista da América pelos europeus. A novidade
do continente americano estabeleceu um novo padrão de poder mundial,
impulsionado pelo desenvolvimento do capitalismo colonial/moderno,
estabelecendo um novo padrão de poder mundial. Um dos eixos fundamentais
desse novo padrão de poder repousa na classificação social da população mundial
de acordo com a ideia de raça, como codificação das diferenças entre
conquistadores e conquistados, com a qual foi justificada a dominação colonial. O
outro eixo foi a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho,
de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial.
Dentro deste contexto histórico, Quijano (1992) dedica-se a denunciar
medidas de coerção dos poderes dominantes, tanto subjetivamente como
intersubjetivamente. Com sustento histórico, o escritor legitima que os sujeitos
estão submetidos a padrões invariáveis, isto é, esses indivíduos estão submetidos
à exploração e dominação por meio da europeização cultural que se converteu em
uma aspiração. Junto a isso, as desigualdades foram naturalizadas, assim como,
mesmo as culturas sendo diferentes, tudo o que não era da cultura europeia, estava
fadada a ser inferior. Ferreira (2019) ao discutir a abordagem decolonial, apresenta
a necessidade de compreender os estudos do grupo latino-americano sobre
Modernidade-Colonialidade-Decolonialidade (MCD). Pois, para esse grupo de
pesquisadores, a modernidade envolve todo um período de invasão, colonização e
colonialidade do poder, sendo a colonialidade a face escura da modernidade. A
colonialidade do poder consegue permanecer operando ainda nos dias de hoje sob
um padrão mundial que impacta os indivíduos. Um país poderá deixar de ser
colonizado, mas a violência da colonização gera a colonialidade no sujeito. Como
consequência, suscita o racismo, o imperialismo, o ocidentalismo e o epistemicídio,
sendo todos esses, característicos da Modernidade. Enfim, a busca de caminhos
decoloniais procura construir novas relações de emancipação e fim da exploração
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e das opressões, frente a colonialidaade do poder/racializada e de dependência
histórico-estrutural construída na América Latina.
Ao discutir as proposições epistemológicas do Grupo MCD, Ferreira (2019)
corrobora que a principal questão é o da geopolítica do conhecimento, pois a
Europa pode produzir as Ciências Humanas com um modelo único, universal,
deserdando todas as epistemologias periféricas. Dentro deste contexto, se a
colonialidade operou a inferioridade de grupos humanos não europeus sob o ponto
de vista da produção racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos
conhecimentos, ocorrendo a negação das faculdades cognitivas nesses sujeitos
racializados.
A proposta do pensamento ou abordagem decolonial pauta-se em
“problematizar a manutenção das condições colonizadas da epistemologia,
buscando a emancipação absoluta de todos os tipos de opressão [...] de maneira a
construir um campo totalmente inovador de pensamento que privilegie os
elementos locais” (REIS; ANDRADE, 2018, p. 3). Contrariamente ao modelo de
pensamento hegemônico do sistema capitalista, a abordagem decolonial incorpora
a questões de raça, etnia, classe e gênero para a construção do conhecimento,
pois deseja por meio de um processo de desocidentalização epistêmica, responder
as lógicas pré-estabelecidas dos países centrais a partir da construção de
conhecimentos próprios e dos lugares.
Vale destaca que esta abordagem surge do grupo
Modernidade/Colonialidade, logo sua atuação é voltada à América-Latina,
diferenciando geograficamente da abordagem do pós-colonialismo e do
anticolonialismo. Mas ambos, reconhecem a dominação colonial tanto nas margens
da fronteira externa dos impérios, como reconhecem a dominação colonial interna
do império, por exemplo, os negros nos EUA, os indianos na Inglaterra, os
magrebinos na França e os negros e indígenas no Brasil. As questões importantes
da diferença colonial nas fronteiras internas do império residem sobre tudo no eixo
racial, o qual estabeleceu uma divisão de privilégios, de experiências e de
oportunidades entre negros e brancos ou populações indígenas e brancos, tal como
mostra a história brasileira (BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016).
As Epistemologias do Sul, referem-se à produção e a validação de
conhecimentos ancorados nas experiências de resistência de todos os grupos
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sociais que foram sistematicamente vítimas de injustiça social, de violência, de
opressão e da destruição causada pelo capitalismo, colonialismo e pelo patriarcado
(SANTOS, 2019). Segundo o autor, do ponto de vista das epistemologias do Sul,
as epistemologias do Norte deram um contributo crucial para converter o
conhecimento científico desenvolvido no norte global como hegemônico,
representando o mundo como seu e, por sua vez, acabou transformando de acordo
com suas próprias necessidades e ambições. Nessa abordagem, busca-se ao nível
epistemológico, a diversidade e a valorização das diferenças culturais. Aqui
denominada de “ecologia de saberes”, que significa o reconhecimento da
copresença de diferentes saberes e a necessidade de estudar as afinidades,
divergências, as complementariedades e as contradições existentes, a fim de
maximizar a eficácia e a efetividade das lutas de resistência contra a opressão. A
Epistemologia do Sul trata da valorização dos saberes locais, discutindo a realidade
centrada naquela região, passando por discussões culturais, sociais e econômicas
(SANTOS; MENEZES, 2009).
Diante da obstrução de conhecimentos pertinentes nos países que
passaram pelo processo de colonização, Santos (2019) aponta que a evolução das
transformações epistemológicas exigidas pelas epistemologias do Sul e a
descolonização da universidade, surgirá uma nova universidade, a universidade
polifônica (muitas vozes). Para o autor, a ciência se encontra presa em sua própria
circularidade: a ciência apenas resolve problemas que a própria ciência define
como científicos. As dimensões políticas, éticas e culturais dos problemas
científicos, por mais evidentes que sejam, segundo o autor, escapam à ciência.
Assim, as epistemologias do Sul concebem a democracia cognitiva como condição
necessária de justiça histórica, econômica, social, política, racial, étnico-cultural e
de gênero.
Verifica-se que tanto na abordagem decolonial como nas Epistemologias
do Sul, existe um caráter fundamentalmente vivencial, com a valorização da cultura
popular, resgate crítico da história local/global, relações inter-relacional com as
pessoas do local na produção e na difusão dos novos conhecimentos. Ambas
valorizam o conhecimento popular ou artesanal, privilegiando a relação sujeito e
sujeito, no lugar da relação sujeito e objeto. Nesse sentindo é uma mudança na
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construção de conhecimento ao se considerar os processos ontológicos,
epistemológicos e metodológicos.
Dentro deste contexto, ao considerar os diversos espaços e diversas
epistêmes. A abordagem decolonial ao refletir as questões de raça, etnia, classe e
gênero, tem sua ênfase na rica construção de conhecimentos e narrativas a partir
do lugar geopolítico e corpos-políticos de enunciação. A partir da diferença colonial
e do enfrentamento do colonialismo interno brasileiro, encontram-se diversas
intervenções acadêmicas e inúmeros intelectuais com intervenções políticas-
acadêmicos decoloniais.
Neste artigo, utiliza-se, em especial, o pensamento de Alvaro Vieira Pinto,
no entanto, vale ressaltar outros como, as intelectuais feministas negras: Leila
Gonzales, Beatriz do Nascimento, Sueli Carneiro, assim como os intelectuais
negros: Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento, Clóvis Moura e Nego Bispo.
Intelectuais que pensaram o negro no Brasil e escreveram a partir da experiência
da diferença colonial, enfim do lugar epistêmico do negro em nossa sociedade
(BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016). Convém destacar, que a
decolonialidade não é um projeto acadêmico que obrigaria aqueles que a
adotassem a citar seus autores e conceitos chaves. Se isso ocorresse, estaríamos
novamente nos deparando com um colonialismo intelectual, não mais da Europa,
mas da América Latina, a decolonialidade é uma proposta de descolonizar o saber,
que envolve descolonizar os paradigmas de conhecimentos constituídos pela
modernidade.
3. ABORDAGEM DECOLONIAL: A CIÊNCIA, A TECNOLOGIA E OS
CONHECIMENTOS QUE ESTAMOS CONSTRUINDO
3.1. Aventurando-se na Ciência e na Tecnologia pelo Pensamento de Vieira
Pinto (Brasileiro) e Fals Borda (Colombiano)
Álvaro Vieira Pinto, diante da exploração vivida pelos brasileiros,
desenvolveu estudos como para pensar a libertação do homem e de sua realidade
nacional. Em razão disto, busca construir conhecimentos epistemológicos acerca
da ciência e da tecnologia. Este intelectual, desenvolveu um olhar atento e
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Marcia Regina Ferreira
ESTUDO SOBRE OS CAMINHOS DECOLONIAIS: QUE CONHECIMENTOS ESTAMOS CONSTRUINDO NA
UNIVERSIDADE?
Revista de Estudos em Organizações e Controladoria-REOC, ISSN 2763-9673, UNICENTRO, Irati-PR, v. 3, n. 2, p. 96-125,
jul./dez., 2023.
respeitoso pela educação humanizadora, a qual estaria em diálogo com a realidade
social, política e cultural do Brasil e do educando. Dedicou-se a pensar
filosoficamente sobre a tecnologia e buscava a emancipação nacional, bem como
estratégias endógenas, autônomas para construir caminhos de desenvolvimento
humano no Brasil.
Os elementos que convergem entre Vieira Pinto e Fals Borda relacionam-
se sobre a ciência, a universidade, a cultura, o rompimento do colonialismo
intelectual, a construção de conhecimentos a partir de nossa realidade, a libertação
e o existir. Para Fal Borda (1982) a ciência é apenas um produto cultural do intelecto
humano que responde a necessidades coletivas. Ambos, preocupavam-se com a
ciência ingênua e refletiam acerca da ciência dominante e a ciência emergente,
voltada para os vulneráveis e as classes populares. Ambos teceram críticas a
universidade pelo seu elitismo (pouco diálogo com a comunidade e temas de seu
entorno) e hierarquização (acesso aos conhecimentos construídos), entre os
períodos de 1960 e 1980.
Para Ferreira e Blaszczk (2019) ao abordarem a sustentação da
abordagem decolonial na extensão universitária brasileira, destacam que a cultura
é um elemento importante, tanto Viera Pinto como Fals Borda contribuíram com
esse tema, ao refletirem sobre a ciência, tecnologia e vida em sociedade,
destacando a necessidade de novas práticas em fazer uma ciência comprometida
por meio da compreensão da vida social e de sua dinâmica. As autoras, destacam
que ambos intelectuais, promoveram discussões importante aos países do Sul.
Dentro destes contextos, evidenciam-se que a cultura e história importam.
Para Vieira Pinto (1969 p.123), a historicidade nacional e a cultura se relacionam,
pois esta constitui-se “uma manifestação histórica do processo de hominização e
por isso se desenvolve coetaneamente com este último, até os graus superiores,
em que o caráter de ‘humano’ se apresenta como um conteúdo de valor ético”. A
cultura se desenvolve através da relação histórica do homem com o meio em que
vive. O autor, entende a cultura como produto, uma vez que o homem o fabrica e,
igualmente, um bem de consumo em razão da sua absorção pelo mesmo. Assim,
entende a cultura como produto do processo produtivo, a noção importante é sua
dupla natureza, sendo tanto de bem de consumo, como de resultado, sendo
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simultaneamente materializado em coisas e artefatos e subjetivando em ideias em
geral.
Desse modo, a cultura, por ser um processo de acúmulo de experiências
pelo homem, se traduz no compêndio imensurável de conhecimentos científicos,
criações artísticas, operações técnicas, fabricação de objetos e outras produções
da mente humana, assim: extrai-se que a ciência integra a cultura. O autor, aponta,
que a desigualdade advém diretamente da alienação da cultura através da divisão
do trabalho, estrutura adotada na contemporaneidade.
Apesar de entender o crescimento das sociedades e a necessidade desta
divisão, a elitização da cultura e, logicamente da ciência, defende que a
concentração do domínio da ciência impede o desenvolvimento de um país. Em
linhas gerais, a ciência é simultaneamente um produto e um bem de consumo, da
mesma forma que a cultura, caracterizada como produto último da existência
humana, sendo a pesquisa científica, conceituada como método de sistematizar o
conhecimento e como tal deve ser produzida por meio de um pensamento dialético
e não formal, muito embora o pensamento formal seja necessário para redigir os
enunciados. Desta forma, ele indica que os cientistas dos países periféricos devem
sempre ter em mente no desenvolvimento de suas pesquisas científicas a realidade
do local em que está inserido, pois verifica-se que a ciência se encontra em poder
da classe dominante, inferindo seus interesses diretamente à produção científica e
ignorando a real necessidade do país. Enfim, para o autor, é importante à
integração procurar sempre uma perspectiva geopolítica e do geoconhecimento,
visando contextualizar a produção de conhecimento nas universidades, o
intercâmbio que é a troca de saberes e a socialização destes conhecimentos.
No que tange a epistemologia da tecnologia, Álvaro Vieira Pinto (2005)
sempre de maneira multifacetada, baseada no pensamento dialético e na
concatenação de cultura, história, política e economia, expõe quatro principais
linhas acerca do conceito, sendo: (i) tecnologia como sinônimo de técnica, (ii)
tecnologia como o conjunto das técnicas, (iii) tecnologia como ideologização e (iv)
tecnologia como logos da técnica (VIEIRA PINTO, 2005). A tecnologia como
sinônimo de técnica é o sentido mais usual dos conceitos atribuídos, haja vista que
na linguagem popular não há uma precisão consubstanciada. Portanto, não
corresponde ao real sentido epistemológico do termo. Este sentido não foi
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desenvolvido na ingenuidade, ao contrário, a intenção dos setores interessados
podem utilizar tal conceito para angariar lucro em cima da ideologização e
doutrinação, destaca Viera Pinto.
A tecnologia como conjunto das técnicas possui um caráter genérico, esta
interpretação gera o estabelecimento de um modelo único baseado nos países
tecnologicamente desenvolvidos, o que acarreta a possibilidade latente dos países
periféricos cometerem o erro de “importar” tal modelo, afastando a preocupação da
percepção da realidade nacional, o atendimento aos seus anseios e principalmente
a concepção de que os nacionais produzem/promovem ciência e tecnologia. Ocorre
a tecnologia como ideologização, conceito que o autor dispensou grande esforço
de tratativa, pois entende como a tentativa de transformar a tecnologia em
mitologia, gerando um pensamento acrítico na sociedade atual, pois há uma
alienação da sociedade periférica e uma dominação pelos países
tecnológicos/desenvolvidos, desta forma, a teologia tecnológica acarreta uma
divinização da tecnologia, que está a serviço da classe dominante econômica e
política (VIEIRA PINTO, 2005).
A tecnologia como logos da técnica possui sentido de indicar a tecnologia
como método de reflexão da técnica, ou seja, “reflete criticamente o estado do
processo objetivo [...] uma ciência da técnica, enquanto fato concreto e por isso
objeto da indagação epistemológica” (VIEIRA PINTO, 2005, p. 220). Ressalta-se
que técnica, para o autor, é um ato produtivo humano. Este conceito é primordial,
tendo em vista que a interpretação engloba as várias reflexões sobre a técnica,
incorporando a classificação da técnica, historicidade da técnica, a rentabilidade da
técnica e seu papel na organização das relações sociais.
Quanto a relação homem e tecnologia, o autor distingue os integrantes da
sociedade como tecnofóbicos, os quais são extremamente céticos quanto aos
reflexos do desenvolvimento tecnológico de forma positiva nas transformações
culturais e sociais, ou seja, enxergam somente o lado mais negativo e os